Marco Aurélio Alves1; Patrícia Maria F. Marback2; João Antonio Prata Jr.3
DOI: 10.1590/S0004-27492000000100005
RESUMO
Objetivo: Avaliar a influência da cicloplegia sobre a ação hipotensora ocular do latanoprost em indivíduos normais. Pacientes, materiais e métodos: Foram estudados 17 voluntários normais, sem antecedentes de doenças oculares crônicas, trauma ou cirurgias. Foi instilado latanoprost 0,005% em ambos os olhos e após 20 minutos foi instilado ciclopentolato 1% no olho direito. A pressão intra-ocular (Po) foi medida, pela tonometria de aplanação de Goldmann, antes da instilação do latanoprost e após 20 minutos, 1 hora e 20 minutos, 3 horas e 20 minutos e 4 horas e 20 minutos. A Po foi comparada entre o olho direito (OD) e o olho esquerdo (OE) pelo teste de Wilcoxon. A comparação entre as medidas realizadas em cada olho nas diferentes fases do estudo foi procedida pelo teste de Friedman. A variação percentual da Po foi calculada em cada tempo e comparada entre OD e OE. Resultados: A comparação dos valores de Po e de sua variação percentual em relação à medida inicial entre OD e OE não mostrou diferenças estatísticas para as medidas inicial, 1:20 h e 3:20 h. Para a medida de 4:20 h a Po do olho direito (cicloplegiado) foi estatisticamente menor do que a do olho contralateral (PoOD = 10,9 ± 2,2; PoOE = 11,8 ± 2,2; p = 0,009), observando-se uma maior redução percentual da Po de forma estatisticamente significante (delta%OD = 28,1 ± 7,4; delta%OE = -21,6 ± 9,6; p = 0,007). Conclusões: Os resultados indicam uma maior ação hipotensora ocular a curto prazo do latanoprost em olhos cicloplegiados de indivíduos normais, quando comparados aos seus olhos contralaterais que não foram cicloplegiados.
Descritores: Prostaglandina; Pressão intra-ocular; Midriáticos
ABSTRACT
Purpose: To analyze the influence of cicloplegia on latanoprost ocular hypotensive effect in normal subjects. Patients, material and methods: The study included 17 normal volunteers without previous ocular diseases, trauma or surgeries. One drop of 0.005% latanoprost was given to both eyes and after 20 minutes one drop of 1% ciclopentolate was instilled only in right eyes. Intraocular pressure (IOP) was measured using Goldmann tonometry in both eyes at the following time points: before latanoprost, after 20 minutes, 1 hour and 20 minutes, 3 hours and 20 minutes and 4 hours and 20 minutes. IOP was compared between right and left eyes (Wilcoxon test) and among the different times of study for each eye (Friedman test). Percentual IOP change from initial reading was calculated and compared between OD and OS. Results: No statistical differences were detected regarding the initial, 20 minute, 1 hour and 20 minute and 3 hours and 20 minute measurements. For the 4 hours and 20 minute readings the comparison of IOP levels and their percentual change between OD and OS showed statistical differences. The mean IOP was lower in OD (IOPOD = 10.9 ± 2.2; IOPOS = 11.8 ± 2.2; p = 0.009). The right eyes showed statistically higher IOP percentual reduction than left eyes (delta%OD = -28.1±7.4; delta%OS = -21.6 ± 9.6; p = 0.006). Conclusion: The results showed a higher short-term latanoprost IOP reduction in eyes treated with ciclopento-late 1%, as compared to the contralateral eyes.
Keywords: Prostaglandins; Intraocular pressure; Mydriatics
INTRODUÇÃO
As prostaglandinas (PG) são autacóides, produzidos pelo endotélio trabecular e por células do músculo ciliar, que têm sido pesquisadas como agentes hipotensores oculares em estudos experimentais e clínicos 1 -3. Neste aspecto, a principal delas é a PGF2a, que apresenta significativa ação hipotensora, porém causa diversos efeitos colaterais, tais como hiperemia conjuntival, sensação de corpo estranho, dor e fotofobia.3
O latanoprost, uma pró-droga da PGF2a, é um hipotensor tópico eficaz e potente em olhos normais, com hipertensão ocular e com glaucoma 2, 3. É bem tolerado em uso sistêmico e não está associado a efeitos adversos oculares significativos. Após administração tópica, seu efeito hipotensor pode ser detectado após 2 horas, sendo que sua ação máxima pode variar entre 4 e 12 horas 2.
O mecanismo de ação hipotensora ocular mais aceito do latanoprost é através de um aumento do fluxo úveo-escleral 1, 4, 5. Estudos experimentais indicam que isso ocorre por redução na quantidade e qualidade da matriz extracelular entre as fibras do músculo ciliar. Lindsey & col. realizaram pesquisas in vitro com células do músculo ciliar de humanos para avaliar as alterações na matriz extracelular após tratamento com PGF2a e observaram uma diminuição da quantidade de colágeno tipo III e aumento do colágeno tipo IV, que possui menor agregação à matriz, sendo mais susceptível à remoção pelo fluxo do aquoso 5.
Pelas peculiaridades do mecanismo de ação do latanoprost é razoável admitir que o estado de contração do músculo ciliar possa ter influência sobre a pressão intra ocular (Po). Assim se esperaria uma menor ação hipotensora quando houvesse contração do músculo ciliar, por exemplo com uso de pilocarpina, e de forma inversa, com drogas cicloplégicas. Com relação à primeira possibilidade, Linden & col. avaliaram a associação entre a fisostigmina e o latanoprost e observaram um pequeno efeito aditivo 6. Quanto à provável interação com agentes cicloplégicos, Susanna & Barboza referem não ter encontrado diferenças estatísticas nos valores da Po duas horas após a instilação de ciclopentolato a 0,2% em pacientes glaucomatosos em uso crônico de latanoprost 7.
O objetivo deste trabalho é avaliar se o efeito que o latanoprost exerce sobre a Po sofre alteração quando se provoca cicloplegia com ciclopentolato.
PACIENTES, MATERIAIS E MÉTODOS
Este estudo foi realizado em 17 pacientes voluntários do Centro de Referência Secundária em Oftalmologia(CERESO), triagem do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina. Todos os pacientes participantes deste estudo foram orientados sobre as drogas que seriam utilizadas e sobre a metodologia, assinando um termo de consentimento. O protocolo do estudo foi aprovado antes de seu início pela Comissão de Ética Médica do Hospital São Paulo-UNIFESP-EPM, recebendo o número 338/98.
Foram incluídos neste trabalho os pacientes atendidos por demanda espontânea no CERESO que apresentaram exame oftalmológico normal, excetuando-se a presença de ametropias. Os critérios de exclusão foram: idade superior a 40 anos, antecedentes de doença ocular crônica, trauma ou cirurgia ocular e uso concomitante de medicação tópica ou sistêmica.
As drogas utilizadas foram: latanoprost 0,005% (Xalatanâ Pharmacia & Upjohn), ciclopentolato 1% (Cicloplégicoâ - Allergan-Frumtost), cloridrato de proximetacaína 0,5% (Anestalconâ - Alcon) e Fluoresceína®. A Po foi aferida utilizando-se um tonômetro de aplanação de Goldmann, sempre pelo mesmo examinador e para a realização da tonometria foi instilado em ambos os olhos uma mistura de cloridrato de proximetacaína 0,5% e fluoresceína.
O estudo foi executado como se segue: foi instilado latanoprost 0,005% em ambos os olhos e após 20 minutos foi instilado ciclopentolato 1% no OD, sempre nos mesmos horários (Figura 1). A Po foi aferida antes da instilação do latanoprost, antes da instilação do ciclopentolato, e mais três medidas com intervalos de 1 hora e 20 minutos, 3 horas e 20 minutos e 4 horas e 20 minutos em relação à medida inicial, que foi considerada a primeira medida obtida (Figura 1). As medidas foram efetuadas em um único aparelho e por um único examinador.
Em todos os pacientes foram realizados: medida da acuidade visual com e sem correção, refração, biomicroscopia e fundoscopia.
Para análise dos resultados comparou-se as medidas de Po entre OD e OE em cada tempo de estudo pelo método de Wilcoxon. Pelo método de análise de variância de Friedman foram comparadas as medidas de Po nos diversos tempos de estudo. A redução percentual da Po após a instilação do latanoprost foi calculada para cada olho em cada período e foi comparada pelo método de Wilcoxon e o de Friedman. Considerou-se significância estatística quando o valor de p foi menor que 0,05.
RESULTADOS
A média de idade dos 17 pacientes foi de 29,9 ± 8,1 anos. Destes pacientes, 7 (41,2%) eram do sexo masculino e 10 (58,8%) do sexo feminino. 06 (35,3%) eram brancos e 11 (64,7%) não brancos.
Os maiores valores de Po foram observados na primeira medida e os menores, na última (Gráfico 1). A comparação entre OD e OE mostrou que na medida de 4 horas e 20 minutos a Po do olho direito (10,9 ± 2,2 mmHg) foi estatisticamente menor que a contralateral (11,8 ± 2,2 mmHg) (p = 0,009). Para as demais medidas não foram observadas diferenças estatísticas (Tabela 1).
A comparação entre os diferentes tempos de medida de Po pelo teste de Friedman foi estatisticamente significante para ambos os olhos (Gráfico 1 e Tabela 1). Pelo teste de comparações múltiplas de Dunn mostrou que as diferenças foram estatisticamente significantes entre a Po inicial e as de 1 hora e 20 minutos (p < 0,05), 3 horas e 20 minutos (p < 0,001) e 4 horas e 20 minutos (p < 0,001). A Po de 4 horas e 20 minutos foi significativamente menor do que a de 1 hora e 20 minutos (p < 0,05). Ainda as medidas de 3h e 20 minutos e a de 4 horas e 20 minutos foram estatisticamente menores que as de 20 minutos (p20min x 3h20min < 0,01; p 20min x 4h20min < 0,001). As demais comparações não mostraram significância estatística. Já para o OE, a mesma comparação não demostrou diferença estatisticamente significante entre as medidas (p > 0,05).
A comparação da variação percentual das medidas de Po em relação à inicial pelo teste de Wilcoxon (OD x OE) mostrou que a única diferença estatística foi observada na medida de 4 horas e 20 minutos. Observou-se uma redução percentual média da Po de ¾28,1 ± 7,4 mmHg em olhos direitos e de ¾21,6 ± 9,6 mmHg para olhos (p = 0,007) (Tabela 2).
A comparação entre os valores de redução percentual da Po em relação a inicial pelo teste de Friedman mostrou diferenças estatisticamente significantes tanto para o olho direito quanto o esquerdo (pOD < 0,0001; pOE = 0,002) (Tabela 2). O teste de comparações múltiplas de Dunn realizado para os valores observados no olho direito mostrou diferenças estatísticas entre a variação de 1 hora e 20 minutos e a de 4 horas e 20 minutos(p < 0,01), entre as de 3 horas e 20 minutos e a de 20 minutos (p < 0,01) e entre a de 4 horas e 20 minutos e a de 20 minutos (p < 0,001) (Tabela 2). A mesma comparação para o olho esquerdo, não evidenciou diferenças estatísticas.
DISCUSSÃO
A análise dos resultados deste estudo indicam uma ação hipotensora do latanoprost 0,005% maior quando o ciclopentolato é aplicado unilateralmente no mesmo indivíduo. Tal achado difere do previamente descrito por Susanna & Barboza 8 em publicação recente. É importante salientar que aqueles autores estudaram pacientes glaucomatosos em uso de latanoprost há pelo menos 30 dias, com idade superior a 40 anos (idade média = 63,4 ± 5,7), ao contrário desta série onde foram estudados indivíduos normais com idade média de 29,9 ± 8,1 anos. Pacientes com glaucoma podem responder com aumento da Po após a cicloplegia. O fato de estarem usando latanoprost há 30 dias sugere que esta droga já tenha alcançado seu efeito máximo e a ação do cicloplégico, neste caso, teve pouco efeito. Isso pode explicar os resultados diferentes, admitindo-se ainda que pacientes mais jovens com músculos ciliares com maior tônus possam ser passíveis de maior relaxamento do que pacientes idosos e glaucomatosos. Além do mais, os mesmos autores estudaram o comportamento da Po em uma única medida após a instilação do ciclopentolato (duas horas), tempo que pode não ter sido suficiente para que a ação sinérgica entre o latanoprost e o ciclopentolato se expressasse. Corrobora esta hipótese o fato de que nesta série não foi observada diferença estatisticamente significante entre OD e OE nas medidas de 1 hora e 20 minutos e 3 horas e 20 minutos.
A razão pela qual um maior efeito hipotensor do latanoprost nos olhos onde o ciclopentolato foi instilado pode ser atribuída ao fato de que, estando o músculo ciliar em relaxamento, há uma maior possibilidade de espaços para drenagem do humor aquoso pela via úveo-escleral. Entretanto, tal possibilidade merece maior atenção de estudos futuros a fim de propiciar evidências experimentais, bem como, verificar tal ocorrência em glaucomatosos.
Estudos anteriores procuram analisar a hipótese reversa deste trabalho, ou seja, se a contração do músculo ciliar através da instilação de fisostigmina estaria associada a uma menor ação do latanoprost. Apesar de Linden & cols. 7 referirem um efeito sinérgico entre essas drogas, existe a possibilidade de que tal associação não seja a mais eficaz, ou seja, é provável que a ação com outros grupos seja significativamente maior.
A comparação estatística da Po entre as medidas iniciais nos diferentes períodos do estudo foi significante tanto no olho direito quanto no esquerdo, demonstrando o efeito hipotensor do latanoprost, que foi maior na medida de 4 horas e 20 minutos. É exatamente nesta medida que pôde-se observar a diferença estatística evidente entre os olhos tratados com latanoprost e ciclopentolato e aqueles tratados apenas com latanoprost, tanto em relação aos valores absolutos de Po, quanto à redução percentual da Po em relação à medida inicial. Isso é concordante com o que foi previamente descrito sobre o pico de ação deste agente que é de 8 horas. Ainda é necessário avaliar se esta ação sinérgica é mantida por períodos maiores.
Os resultados deste estudo mostram uma ação hipotensora do latanoprost maior, a curto prazo, em olhos cicloplegiados de indivíduos normais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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7. Susanna R, Barboza WL. Efeito da adição de Ciclopentolato ao Latanoprost- Estudo piloto. Rev Bras Oftal 1998;57:441-6.
Estudo realizado no Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.
(1) Estagiário de Setor de Glaucoma do Depto. de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.
(2) Pós-graduanda, nível mestrado, do Depto. de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina
(3) Doutor, Chefe do Setor de Glaucoma e Professor Orientador do Curso de Pós-graduação do Depto. de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.
Os autores declaram não possuir nenhum interesse comercial nas drogas ou equipamentos citados.
Endereço para correspondência: Dr. Marco Aurélio Alves. Rua Botucatu, 820. São Paulo (SP) CEP 04023-062.