Luciana Peixoto Finamor; Maria Angélica P. Dimantas; Vânia Ewert de Campos; Cristina Muccioli1
DOI: 10.1590/S0004-27492003000200019
RESUMO
OBJETIVO: Descrever 3 casos de crianças submetidas à injeção subtenoniana posterior de acetato de triancinolona (Kenalog® 40mg) para tratamento de uveíte intermediária, com desenvolvimento de glaucoma secundário refratário. MÉTODOS: Relato de caso. RESULTADOS: Três crianças com diagnóstico de uveíte intermediária, submetidas à injeção subtenoniana posterior de acetato de triancinolona para tratamento de inflamação vítrea crônica e/ou edema macular cistóide, desenvolveram glaucoma refratário e foram submetidos à excisão cirúrgica do corticóide de depósito e/ou cirurgia filtrante para controle da pressão intra-ocular (PIO). CONCLUSÃO: Corticóide de depósito periocular pode representar alto risco para desenvolvimento de glaucoma secundário, de difícil controle em crianças. Excisão cirúrgica do corticóide de depósito pode resultar em controle da PIO, porém, em alguns casos, a realização de cirurgia filtrante é necessária.
Descritores: Glaucoma; Uveíte intermediaria; Uveíte intermediária; Relato de caso; Criança
ABSTRACT
PURPOSE: To describe 3 cases of children submitted to posterior subtenon steroid injection (PSSI) of triamcinolone acetonide (Kenalog® 40mg) for the treatment of intermediate uveitis, with development of refractory glaucoma. METHODS: Case report. RESULTS: Three children with the diagnosis of intermediate uveitis were treated with PSSI of triamcinolone for the control of a chronic vitreous inflammation and/or cystoid macular edema. After treatment they developed refractory glaucoma and were submitted to surgery, for removal of the steroid deposit and/or filtering surgery to control the intraocular pressure (IOP). CONCLUSION: The use of PSSI can represent a high risk for development of secondary glaucoma, with difficult control in children. Surgery to remove the remaining steroid may control IOP, but in some cases filtering surgery may be necessary.
Keywords: Glaucoma; Uveitis intermediate; Uveitis intermediate; Case report; Children
INTRODUÇÃO
Glaucoma secundário pode ocorrer após a administração de corticóide tópico, periocular, sistêmico ou nasal(1). Corticóide de depósito para uso subtenoniano posterior, na forma de acetato de triancinolona (Kenalog® 40mg), é amplamente utilizado para o tratamento de quadros inflamatórios oculares refratários(2). O uso dessa via tem o objetivo principal de aumentar a concentração intraocular do fármaco, através da absorção transescleral, possibilitando a redução da terapia sistêmica e reduzindo os efeitos colaterais da corticoterapia prolongada. A incidência de reações alérgicas à medicação é baixa(3).
O mecanismo do glaucoma induzido por corticóide não é totalmente entendido, e o tratamento pode ser muito difícil, especialmente nos casos onde foi utilizado injeção de corticóide de longa duração. Alguns estudos mostram que a excisão cirúrgica do depósito pode ser necessária para controle da PIO(3-4).
MÉTODOS
Relatamos os casos de 3 crianças do Setor de Uveítes/AIDS - Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - com diagnóstico de uveíte intermediária e baixa acuidade visual (BAV) secundária à vitreíte crônica e/ou edema macular cistóide, submetidas à injeção subtenoniana posterior de acetato de triancinolona (Kenalog® 40mg-1ml), com desenvolvimento de glaucoma secundário não responsivo a tratamento medicamentoso máximo. Os 3 pacientes necessitaram de excisão cirúrgica do corticóide de depósito e/ou cirurgia filtrante para controle do glaucoma.
RESULTADOS
Caso 1: O primeiro caso é referente à criança do sexo feminino, 9 anos, com diagnóstico de uveíte intermediária e baixa acuidade visual (BAV) no olho direito associada à vitreíte crônica (AV: 20/100), tratada previamente com corticóide tópico e sistêmico sem melhora. Paciente não apresentava história prévia de glaucoma. Foi submetida à injeção subtenoniana posterior de acetato de triancinolona (1ml-40 mg), desenvolvendo aumento de PIO (36 mmHg) 3 semanas após a aplicação. Apesar do tratamento com medicação antiglaucomatosa máxima durante 8 semanas, apresentou pequena redução da PIO (28-32 mmHg). Foi realizada excisão cirúrgica do depósito de corticóide subtenoniano 11 semanas após a injeção, com normalização da PIO e suspensão da medicação antiglaucomatosa em 2,5 semanas.
Caso 2: Criança de 7 anos, sexo masculino, sem história prévia de glaucoma, com uveíte intermediária e BAV bilateral secundária à vitreíte crônica (AV: 20/80 e 20/60), tratado anteriormente com corticóide sistêmico, apresentando intolerância gástrica importante, a qual impediu continuação da medicação. Foi submetido à injeção subtenoniana posterior bilateral de corticóide (triancinolona 1ml-40 mg), tendo então, após 4 semanas, apresentado aumento bilateral da PIO (32-34 mmHg), não responsiva a terapia medicamentosa máxima. Foi realizada excisão bilateral do depósito 10 semanas após a injeção, com normalização da PIO e suspensão da medicação antiglaucomatosa após 4,5 semanas.
Caso 3: Criança de 11 anos, sexo feminino, com uveíte intermediária e BAV bilateral secundária à vitreíte crônica e edema macular cistóide (20/60 e 20/100), sem história prévia de glaucoma; paciente encontrava-se em uso de prednisona sistêmica há 6 meses, apresentando ganho ponderal importante e hisurtismo. Foi indicada injeção subtenoniana bilateral de acetato de triancinolona (1ml-40 mg), tendo apresentado aumento bilateral da PIO 8 semanas após a injeção (36-40 mmHg), acompanhado de edema de córnea, dor e aumento bilateral importante da escavação de nervo óptico (0,8 em ambos os olhos). Não respondeu à terapia medicamentosa máxima, tendo sido submetida à trabeculectomia bilateral associada à excisão cirúrgica do depósito subtenoniano. Apresentou normalização da PIO após 2 semanas e atualmente encontra-se em uso de maleato de timolol em ambos os olhos.
DISCUSSÃO
O glaucoma induzido por corticóide é fenômeno amplamente conhecido, porém sua fisiopatogenia não muito esclarecida. Especula-se que exista uma diferença genética entre os pacientes responsivos ou não aos corticóides, sendo que os pacientes que desenvolvem aumento da PIO teriam receptores de corticóide mais sensíveis. Nessa série, observamos que todos os casos trataram-se de crianças, que talvez sejam mais susceptíveis ao desenvolvimento desse tipo de glaucoma.
O glaucoma secundário a corticóide de depósito tende a ser de início tardio, longa duração e difícil controle(5). Estudos disponíveis na literatura mundial mostram que o glaucoma secundário pode ocorrer até 8-13 meses após uma injeção de acetato de triancinolona(1), sendo que, droga ativa foi comprovada bioquimicamente no tecido retirado através de excisão cirúrgica mais de 13 meses após a injeção(4). Os casos dessa série tiveram aumento da PIO de 3 a 8 semanas após a injeção do corticóide e não apresentaram controle da mesma apesar do uso de terapia medicamentosa máxima.
A remoção cirúrgica do corticóide, nos casos de injeção subtenoniana, resultou em controle da PIO após 2 a 4,5 semanas, resultados semelhantes ao da literatura(4-5). Cirurgia filtrante foi indicada no caso onde foi observado aumento importante da escavação de nervo óptico, com risco de danos visuais irreversíveis. Em dois casos, apesar de altos níveis de PIO por longo período, não observamos alteração de nervo óptico, o que reforça a idéia de que pacientes jovens têm uma tolerância maior a altos níveis de PIO(5).
CONCLUSÃO
Injeções perioculares de acetato de triancinolona devem ser cuidadosamente monitoradas, devido ao risco de glaucoma, especialmente em crianças. Elevação da PIO não responsiva a tratamento medicamentoso máximo pode ocorrer tardiamente e, nesses casos, pode ser necessário a remoção cirúrgica do depósito ou a realização de cirurgias filtrantes para controle da PIO.
REFERÊNCIAS
1. Akduman L, Kolker AE, Black DL, Del Priore LV, Kaplan HJ. Treatment of persistent glaucoma secondary to periocular corticosteroids. Am J Ophthalmol 1996;122:275-7.
2. Helm CJ, Holland GN. The effects of posterior subtenon injection of triamcinolone acetonide in patients with intermediate uveitis. Am J Ophthalmol 1995;120:55-64.
3. Mueller AJ, Jian G, Banker AS, Rahhal FM, Capparelli E, Freeman WR. The effect of deep posterior subtenon injection of corticosteroides on intraocular pressure. Am J Ophthalmol 1998;125:158-63.
4. Kalina PH, Erie JC, Rosenbaum L. Biochemical quantification of triamcinolone in subconjunctival depots. Arch Ophthalmol 1995;113:867-9.
5. Mills DW, Siebert LF, Climenhaga DB. Depot triamcinolone-induced glaucoma. Can J Ophthalmol 1986;21:150-2.
Endereço para correspondência
Luciana Peixoto Finamor
R. Três de Maio, 280 apt 31
São Paulo (SP) CEP 04044-020
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 03.10.2001
Aceito para publicação em 05.08.2002