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Editorial

Tratamento do blefaroespasmo e distonias faciais correlatas com toxina botulínica: estudo de 16 casos

Treatment of essential blepharospasm and related facial dystonia with botulinum toxin injection: study of 16 cases

Roberto Murillo Limongi de Souza Carvalho1; Cíntia Fabiane Gomi2; Arthur Limongi de Souza Carvalho3; Suzana Matayoshi4; Eurípedes da Mota Moura5

DOI: 10.1590/S0004-27492003000100003

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a eficácia do tratamento com Botox® e estudar o comportamento destes pacientes após aplicações sucessivas, dando ênfase ao possível efeito de tolerância após o uso prolongado deste medicamento. MÉTODOS: Foi realizado estudo prospectivo em 16 pacientes com distonias faciais no ambulatório de Oftalmologia, no Setor de Plástica Ocular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, entre abril de 1998 a março de 1999. Todos os pacientes foram submetidos ao exame oftalmológico completo, neurológico e tomografia computadorizada de crânio. Os pacientes com sintomas importantes de espasmo foram tratados com aplicação da toxina botulínica tipo A (Botox®). Dez pacientes eram do sexo feminino. A idade média foi 64,75 anos. RESULTADOS: Dentre as distonias faciais, o espasmo hemifacial foi o mais encontrado, num total de 8 pacientes.O índice de sucesso do Botox®foi de 87,5 %, com duração média do efeito de 30 a 90 dias, variando de acordo com o número de aplicações. CONCLUSÕES: O tratamento dos espasmos faciais com a toxina botulínica mostrou-se eficaz em 87,5 % de nossos pacientes.

Descritores: Toxina botulínica tipo A; Blefarospasmo; Distonia; Músculos faciais

ABSTRACT

PURPOSE: To analyze the effectiveness of the treatment with Botox® and to study the behavior of these patients after successive applications, giving attention to the possible effect of tolerance after the persistent use of this medication. METHODS: A prospective study of 16 patient with facial dystonia, was performed in the Ophthalmic Plastic Department, of the "Hospital das Clínicas" of São Paulo University, from April l 998 to March 1999. All patients were submitted to ophthalmic examination, neurological examination and computerized tomography scan. The patients with important symptoms of spasm were treated with botulinum A toxin (Botox®). Ten patients were female. The mean age was 64.75 years. RESULTS: Hemifacial spasm (8 patients) was the most common form of facial dystonia. Success rate was 87.5%, the mean duration of the effect after the treatment was between 30 and 90 days. CONCLUSION: Treatment of facial spasm with botulinum A toxin was effective in 87.5% of our patients.

Keywords: Botulism toxin type A; Blepharospasm; Dystonia; Facial muscles


 

 

INTRODUÇÃO

As discinesias craniofaciais, que são um grupo de doenças caracterizadas por movimentos involuntários da face, língua, pálato, faringe, cordas vocais e pescoço classificam-se em: blefaroespasmo essencial, síndrome de Meige, síndrome de Brueghel e espasmo hemifacial entre outros(1). A síndrome de Meige, também chamada de distonia orofacial idiopática, é caracterizada por espasmos bilaterais bucolinguais, palpebrais e na porção inferior da face. A síndrome de Brueghel, distonia oromandibular, caracteriza-se pelos movimentos distônicos faciais e cervicais com o predomínio dos movimentos mandibulares, bilaterais(1-2). O espasmo palpebral isolado refere-se ao blefaroespasmo essencial ou benigno, que é uma alteração bilateral idiopática caracterizada por repetidas contrações involuntárias do músculo orbicular do olho(3). Os espasmos hemifaciais são contrações tônicas ou clônicas involuntárias, paroxísticas, limitadas aos músculos de um lado do rosto, inervados pelo nervo facial. Inicia-se geralmente com tremores palpebrais intermitentes em uma pálpebra. Em meses ou anos, há progressão e envolve áreas adjacentes inervadas pelo facial, comprometendo todos os músculos do lado da face acometida(2-3).

Os pacientes com distonia facial geralmente apresentam quadro de fotofobia, dor ocular, olho seco ou outras alterações relacionadas ao fechamento palpebral. Evoluem com queixa de dificuldade visual e incapacitação por cegueira funcional(4).

O diagnóstico destas distonias é basicamente clínico. O quadro clínico se instala de maneira insidiosa e normalmente o diagnóstico é feito retrospectivamente, com a progressão dos sintomas e a interferência das atividades diárias. Estes sintomas são exacerbados por condições ambientais como luz, brilho, estímulo optocinético, estresse e relações interpessoais(4).

É importante salientar que os pacientes com distonias faciais podem apresentar doenças oculares relacionadas ou não ao blefaroespasmo. O exame oftalmológico inicialmente deve afastar causas oculares de blefaroespasmo, mais freqüentemente relacionadas com fatores irritativos - inflamatórios de segmento anterior e pálpebras (doenças corneanas, uveítes, triquíase, entrópio) além de maculopatias(1,5).

Existem várias modalidades de tratamento para blefaroespasmo essencial, desde terapias alternativas, como psicoterapia, acupuntura e fitoterapia, a medicamentos incluindo benzodiazepínicos, anticolinérgicos e serotoninérgicos(4,6).

A toxina botulínica tem sido considerada a droga de eleição para as distonias faciais. A toxina age bloqueando a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular e nas sinapses colinérgicas periféricas, causando paralisia muscular(6).

Temos como objetivo deste trabalho analisar a eficácia do tratamento com Botoxâ e estudar o comportamento destes pacientes após aplicações sucessivas, dando ênfase ao possível efeito de tolerância após o uso prolongado deste medicamento.

 

MÉTODOS

Foi realizado um estudo prospectivo em 16 pacientes com distonia facial, no Ambulatório de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no setor de Plástica Ocular, no período de abril de 1998 a março de 1999. A idade média dos pacientes foi 64 anos, variando de 44 a 78 anos. Dez (62,5%) eram do sexo feminino e 6 (37,5%) do sexo masculino.

Todos os pacientes foram caracterizados quanto ao tipo de doença associada ao blefaroespasmo (blefaroespasmo essencial, síndrome de Meige, síndrome de Brueghel, distonia craniana segmentar ou espasmo hemifacial), doença ocular associada e número de aplicações anteriores. Após isso, os pacientes foram submetìdos ao seguinte questionário:

Quanto tempo após a última aplicação notaram-se os efeitos?

alguns minutos

24 - 48 horas

acima de 48 horas

Em relação à aplicação anterior, os efeitos foram notados:

mais precocemente

mais tardiamente

não houve mudança

Comparando a primeira aplicação com a última, os efeitos foram notados:

mais precocemente

mais tardiamente

não houve mudança

Após a aplicação, os sintomas:

melhoraram

regrediram

não houve melhora

Após a última aplicação, quanto tempo demorou para reaparecerem os sintomas?

< 10 dias

10 - 30 dias

30 - 60 dias

60 - 90 dias

> 90 dias

Os pacientes com sintomas importantes de espasmo foram tratados com aplicação da toxina botulínica tipo A. Esta toxina é preparado liofilizado - Botoxâ; cada frasco contém l00U de droga, devendo permanecer no congelador, à temperatura de -5º C, até sua utilização. A droga foi reconstituída em 4,0 ml de soro fisiológico, resultando numa concentração de 2,5 U da toxina em cada 0,1 ml de solução. A diluição da toxina foi realizada alguns minutos antes da injeção. Em cada ponto, foram injetadas 2,5 U nos músculos protactores das pálpebras (músculo orbicular do olho, próceros e corrugadores dos supercílios) e, em alguns casos, a droga foi aplicada em outros músculos faciais (zigomático e orbicular da boca), vide Figura 1. Entre os 16 pacientes, três nunca haviam sido submetidos a nenhuma aplicação.

 

 

Houve seguimento de uma semana e 1 mês após cada aplicação, sendo reavaliada clinicamente a necessidade ou não de nova dose.

Todos os pacientes realizaram exame oftalmológico completo, avaliação neurológica e tomografia computadorizada do crânio, antes da aplicação do Botoxâ. Não foi indagado aos pacientes se eles estavam em uso de alguma medicação (Ex.: anti-histamínicos, neurolépticos ou levodopa) que pudesse estar envolvida na etiopatogenia do blefaroespasmo.

 

RESULTADOS

Dos 16 casos de distonia facial 4 (25%) foram de blefaroespasmo essencial, 8 (50%) de espasmo hemifacial e 4 (25%) de síndrome de Meige. Não foram observados casos de síndrome de Bruegel ou distonia craniana segmentar.

O número médio de aplicações foi de 5,84 (Dp.: 3,07), variando de 1 a 11 conforme a necessidade do paciente. Os pacientes foram submetidos à aplicação da toxina e constatou-se que o início dos efeitos ocorreu principalmente entre 24 e 48 horas após a injeção (50% dos pacientes), sendo que em 31,25% dos pacientes o efeito só ocorreu após 48 horas e 18,75% perceberam os efeitos mais precocemente, antes de 24 horas (Tabela 1). Quando foram questionados para comparar a primeira aplicação com a última, a maioria dos pacientes (61,5%) respondeu que os efeitos foram notados mais precocemente na primeira aplicação. Em apenas 2 pacientes não houve melhora (12,5%) dos sintomas após a aplicação. Entre os 13 pacientes com aplicações anteriores, observou-se que a maioria (53,8%) apresentou um tempo médio de ação da ação da droga entre 30 e 90 dias (Tabela 2). A média do número de aplicações foi de 8 (Dp.:2,44) no grupo que apresentou tempo de ação entre 30 e 60, e de 4,6 (Dp.: 0,57) aplicações para o grupo entre 60 e 90 dias.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

As distonias faciais constituem um grupo de alterações neuromusculares, que acometem particularmente os músculos palpebrais e/ou músculos faciais. O comprometimento somente da musculatura periorbitária constitui o blefaroespasmo essencial; quando além deste quadro há distonia de outros músculos da face e pescoço (distonia oromandibular), chamamos de síndrome de Meige. Ambas são bilaterais. No espasmo hemifacial, há contrações musculares involuntárias e periódicas em um dos lados da face, levando a modificações da expressão do paciente do lado afetado(7). A fisiopatologia das distonias ainda não é conhecida, mas as evidências apontam como sendo alterações nos gânglios da base. Particularmente no caso do espasmo hemifacial, pode ocorrer devido a tortuosidade vascular (geralmente a artéria vértebro-basilar), levando à compressão mecânica do nervo facial no ângulo ponto-cerebelar(4).

Quanto à faixa etária, o blefaroespamo essencial ocorre entre a 5a e 6a décadas; os espasmos hemifaciais acometem indivíduos mais jovens, entre 3ª e 4ª década (5,6). Em nossos pacientes, não tivemos diferença da média entre os dois grupos.

A injeção da toxina alivia espasmo por um período médio de 3 meses. É extremamente eficaz em cerca de 85 a 90 % dos casos(5,8). Neste estudo a taxa de sucesso foi aproximadamente de 87,5 %. O início da duração dos efeitos da aplicação foi percebida no período de 24 a 48 horas pela maioria dos pacientes(50%), concordando com outros estudos prévios(6,8). Comparando-se a primeira aplicação da droga com a última, a maioria dos pacientes respondeu que os efeitos foram notados mais precocemente na primeira aplicação. Em relação à duração do efeito do Botoxâ, ele é maior no espasmo hemifacial em relação ao blefaroespasmo essencial e à síndrome de Meige. Outros autores citam que os com síndrome de Meige respondem melhor que os com blefaroespasmo ao tratamento com Botoxâ(5-6), na presente casuística a eficácia do tratamento foi semelhante, independente do tipo da distonia facial. A duração média do efeito da toxina botulínica em nossos pacientes situou-se principalmente na faixa dos 30 aos 90 dias (53,8% dos pacientes). A média de aplicações dos pacientes que perceberam os efeitos durante 30 a 60 dias foi de 8 aplicações prévias, enquanto que a média dos pacientes que perceberam os efeitos durante 60 a 90 dias foi de 4,6 aplicações prévias. Assim, pode-se inferir que existe certa relação inversamente proporcional entre o número de aplicações e o período livre de sintomas.

Tal fato chama-nos a atenção a hipótese de existir um efeito de tolerância após repetidas aplicações da toxina botulínica, também citada por outros autores(6).

 

CONCLUSÃO

O tratamento dos espasmos faciais com a toxina botulínica mostrou-se eficaz em 87,5% de nossos pacientes e a duração média do efeito da droga situou-se principalmente entre 30 e 90 dias. Estudos posteriores tornam-se necessários para confirmar a hipótese do efeito tolerância da droga.

 

REFERÊNCIAS

1.Cunha MC, Aguirre OP, Dias CRS. Tratamento do espasmo facial unilateral com toxina botulínica tipo A. Arq Bras Oftalmol 1998;61:54-60.        

2.Silva ALB, Matayoshi S, Iglesias LS, Moura EM. Tratamento dos espasmos faciais com toxina botulínica . In: 1º. Congresso Oftalmológico do Mercosul; 1996; Foz de Iguaçu.         

3.Soares EJC, Moura EM, Gonçalves JOR. Cirurgia plástica ouclar. São Paulo:Roca; 1997.        

4.Dortzbach RK. Ophthalmic plastic surgery. New York: Raven press; 1994.         

5.Elston JS, Marsden CD, Grandas F, Quinn NP. The significance of ophthalmological symptoms in idiopathic blepharospasm. Eye 1988;2:435-9.        

6.Holds JB, White GL, Thiese SM, Anderson RL. Facial dystonia, essential blepharospasm and Hemifacial spasm. Am Fam Physian 1991;43:2113-20.        

7.Price J, Farish S, Taylor H, O'Day J. Blepharospasm and hemifacial spasm. Randomized trial to determine the most appropriated location for botulismum toxin injection. Ophthalmology 1997;104:865-8.        

8.Dutton JJ. Botulinum-A toxin in the treatment of craniocervical muscle spasms: short- and long-term, local and systemic effects. Surv Ophthalmol 1996;l41:51-65.        

 

 

Endereço para correspondência
Roberto Murillo Limongi de Souza Carvalho
Av.Sucuri esq. C/ J-81 n. 1500, Setor Jaó, Goiânia (GO)
CEP 74673-100
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 04.04.2001
Aceito para publicação em 22.07.2002
Trabalho realizado no Setor de Plástica Ocular da Clinica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da FMUSP- Serviço do Professor Newton Kara José.

 

 

1 Médico Assistente do Setor de Plástica Ocular do Centro de Referência em Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Goiás, Pós-Graduando nível Doutorado pela USP.
2
Médica Estagiária do Setor de Estrabismo da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
3
Médico Estagiário do Setor de Estrabismo da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Ribeirão Preto.
4
Médica Assistente-Doutora da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
5
Médico Assistente-Doutor e Chefe do Setor de Plástica Ocular da Clínica Oftalmológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.


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