Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Influência da orientação psicológica na fidelidade ao tratamento em portadores de glaucoma crônico simples

Influence of psychological guidance compliance with the treatment of chronic glaucoma

Paula Roberta Mucci1; Roberta Andrade Galhardo1; Ricardo Belfort1; Paulo Augusto de Arruda Mello1

DOI: 10.1590/S0004-27492002000100012

RESUMO

Introdução: O glaucoma é uma das causas mais freqüentes de cegueira. É muito importante que o paciente tenha conhecimento sobre sua patologia. Como toda doença crônica, o glaucoma apresenta problemas na fidelidade ao tratamento. É necessário dar ênfase ao acompanhamento contínuo ao tratamento clínico. Objetivo: Avaliar a fidelidade ao tratamento clínico de pacientes com glaucoma crônico simples com e sem orientação psicológica. Métodos: Foram avaliados 24 pacientes divididos em 8 pacientes do grupo de estudo, com orientação médica e psicológica, e 16 pacientes do grupo controle, com orientação médica. No grupo controle, a idade variou de 50 a 82 anos, sendo 14 homens e 2 mulheres. Em relação à raça foram 10 brancos, 4 pardos e 2 negros. Destes, 8 casados, 4 viúvos, 3 separados e 1 solteiro. As medicações variaram de 2 a 9 colírios. Houve 13 casos cirúrgicos. No grupo de estudo a idade variou de 54 a 86 anos, sendo 7 homens e 1 mulher. Em relação à raça foram 3 brancos, 3 pardos e 2 negros. Destes, 4 casados, 2 viúvos, 1 separado e 1 solteiro. As medicações variaram de 1 a 3 colírios e não houve casos cirúrgicos. Resultados: Por meio da orientação médica e psicológica dada aos pacientes do grupo de estudo, verificou-se que a pressão intra-ocular, após o segundo mês, diminuiu notoriamente, sem nenhum caso cirúrgico. No grupo controle, que recebeu somente orientação médica, notou-se o aumento da pressão intra-ocular, levando o paciente à cirurgia (80%). Não houve relação estatisticamente significante da pressão intra-ocular com o tempo de estudo. Conclusão: A análise dos resultados do presente trabalho revela a necessidade de um cumprimento adequado ao tratamento do glaucoma. No grupo de estudo, somente com orientação psicológica; foi observada uma maior fidelidade ao tratamento. Perante esses dados podemos observar a grande importância de um trabalho psicológico nos pacientes portadores de glaucoma crônico simples.

Descritores: Glaucoma; Glaucoma; Doença crônica; Cooperação do paciente; Questionários

ABSTRACT

Introduction: The glaucoma is one of the most frequent causes of blindness. It is of the utmost importance for the patient to have some knowledge about its pathology. As every chronic disease, glaucoma involves problems concerning the proper observance of its treatment. The necessity of continued assistance in following up the medical treatment cannot be overemphasized. Purpose: To assess observance of the medical treatment in chronic simplex glaucoma patients with and without psychological assistance. Methods: 24 patients were assessed: 8 of them, receiving medical and psychological assistance, constituted the group of study; the control group comprised 16 patients under medical guidance only. In the control group -- 14 men and 2 women aged between 50 and 82 years, there were 10 of the white race, 4 mulattos and 2 blacks. As to marital status, there were 8 married, 4 widowed, 3 separated and 1 single. Their medication varied from 2 to 9 different brands of collyria 13 of the cases in the control group required surgery. In the study group -- 7 men and 1 woman, ages varying between 54 and 86 years, 3 were white, 2 were black and 3 were mulattos. There were 4 married, 2 widowed, 1 separated and 1 single. Their medication varied from 1 to 3 different collyria, and there were no surgical cases in this group. Results: Through medical and psychological assistance extended to the patients in the study group, it was verified that intraocular pressure substantially decreased after the second month, without any surgical case. In the control group, under medical assistance only, increase of the intraocular pressure and eventual surgery (80%) was verified. There was no statistically significant relation between the intraocular pressure and the time of study. Conclusion: Analysis of the results obtained in this study show the necessity of complying with the adequate treatment of glaucoma. In the group of study, under psychological assistance, better compliance with the treatment was achieved. Observation of these data allows recognition of how important is psychological guidance for patients presenting with Chronic Glaucoma.

Keywords: Glaucoma; Glaucoma; Chronic disease; Patient compliance; Questionnaires

INTRODUÇÃO

O glaucoma é uma das causas mais freqüentes de cegueira. É uma doença ocular para a qual não há cura e sim o controle por toda a vida do paciente. O enfermo pode evoluir para a cegueira sem sintomas, portanto a fidelidade do tratamento é fundamental. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde em 1990 existiam 5 milhões de deficientes visuais secundários a doença no mundo(1). Sabemos que a incidência ao passar do tempo cresce e que a idade média da população brasileira vem aumentando nas últimas décadas, portanto esses números apontam para um grande ônus que o glaucoma traz à comunidade, do ponto de vista financeiro e social(2).

A Organização Mundial de Saúde estimou em 35 milhões o número de cegos na população mundial. Nos Estados Unidos, registros de 1970 demonstram que as causas mais freqüentes da cegueira incluem: catarata, degeneração macular senil, glaucoma e retinopatia diabética, sendo o glaucoma a principal causa de cegueira na população em geral, especialmente nos negros(3).

O aumento da pressão intra-ocular está ligado, diretamente, aos danos no nervo óptico e da função visual. A deterioração gradual da visão pode ocorrer sem que o paciente a perceba, e a cirurgia, algumas vezes, é necessária(4).

É muito importante que o paciente tenha conhecimento sobre sua doença. Após investigação, os resultados indicaram o aumento do não cumprimento do tratamento, devido à inabilidade para instilação do colírio, problemas em manusear o frasco e a impossibilidade de ter alguém que ajude o usuário com a medicação(5). É notória a importância de um acompanhante junto ao paciente em seus retornos ambulatoriais(6).

Como toda doença crônica, o glaucoma apresenta problemas de cumprimento do tratamento, que é influenciado por fatores como: conhecimento sobre a doença, técnica correta de instilação e custo das medicações(7).

É necessário orientar o paciente, visando melhorar seu tratamento com o uso de colírios e alertá-lo quanto aos efeitos colaterais(8). Salientar a necessidade de se preservar o nervo óptico, deixando explícito que o sucesso do tratamento orientado, depende diretamente da colaboração do próprio paciente(9).

Deve-se enfatizar a necessidade do acompanhamento contínuo(10).

 

OBJETIVO

Avaliar a fidelidade do tratamento clínico em pacientes com glaucoma crônico simples com e sem orientação psicológica.

 

MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido no Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina e submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (no 1675/ 98).

Foram inclusos 24 pacientes com diagnóstico de glaucoma crônico simples que foram divididos aleatoriamente em dois grupos: Grupo de Estudo (8) e o Grupo Controle (16).

Os critérios de inclusão anotados foram:

• demanda espontânea;

• ordem de seqüência de casos novos;

• diagnóstico de glaucoma crônico simples;

• ausência de doença crônica de ordem psiquiátrica;

• ausência de alterações biomicroscópicas;

• ausência de cirurgia prévia;

• ausência de limitação para fazer exames complementares;

• verificar o conhecimento do paciente sobre a sua enfermidade.

O grupo de estudo recebeu orientação sobre algumas dúvidas do glaucoma, tais como:

• sintomas;

• histórico natural da doença;

• orientação sobre sua prescrição médica e forma adequada de utilização dos medicamentos;

• valor da pressão intra-ocular (Po) do paciente e sua interpretação;

• orientação ao paciente sobre a "Pressão Alvo" de seu tratamento;

• importância dos exames complementares;

• importância dos retornos ambulatoriais;

• esclarecimento de dúvidas com relação doença e sua prescrição médica.

Os retornos ambulatoriais foram realizados mensalmente durante seis meses, com duas horas mensais de duração, de orientação psicológica de grupo.

Na entrevista inicial, realizou-se uma verificação dos dados pessoais do paciente e estado emocional (nervosismo, ansiedade, apatia, preocupação) diante do conhecimento do diagnóstico de glaucoma.

Verificou-se, após um mês do início do acompanhamento clínico e psicológico, a oscilação do estado emocional, com relação às ocorrências ou não de modificações em sua visão.

Reforçou-se a orientação médica e, novamente, foi realizada uma entrevista aberta com a psicóloga, onde o paciente respondeu a um questionário (anexo) relatando suas dificuldades e problemas que poderiam estar interferindo em aderir inteiramente ou não ao tratamento.

O grupo controle recebeu, apenas, orientação médica ambulatorial. A idade variou de 50 a 82 anos (média de 65 anos ± 9,3) e a mediana = 64,8. Em relação ao sexo, dividiu-se em 14 homens (80%) e 2 mulheres (20%). A raça dos pacientes foi de 10 brancos (62%), 4 pardos (23%) e 2 negros (15%). O estado civil dos pacientes foi de 8 casados (57%), 4 viúvos (21%), 3 separados (12%) e 1 solteiro (10%). Os números de medicações utilizadas foram de 2 a 9 colírios (média de 3,5 drogas).

O grupo de estudo recebeu orientação médica ambulatorial e psicológica. A variação com relação à idade foi de 54 a 86 anos (média de 71 anos ± 11,1) e a mediana = 69,9. Em relação ao sexo, a amostra foi de 7 homens (89%) e 1 mulher (11%). A raça caracterizou-se por 3 brancos (40%), 3 pardos (40%) e 2 negros (20%). O estado civil dos pacientes foi de 4 casados (50%), 2 viúvos (30%), 1 separado (15%) e 1 solteiro (15%). Os números de medicações indicadas variaram de 1 a 3 colírios (média = 3 drogas).

Os dois grupos foram considerados homogêneos em relação à idade, sexo, disponibilidade de haver um acompanhante, existência de alguém que o auxilie no armazenamento e instilação dos colírios.

Na primeira entrevista os pacientes do grupo de estudo assinaram um termo de consentimento (em anexo) contendo informações de que receberam orientação psicológica especial durante o período de seis meses.

Após o término deste estudo, todos os pacientes do ambulatório de Glaucoma continuarão recebendo informações necessárias quanto à importância do tratamento e a utilização correta da medicação envolvida.

Utilizou-se para a análise estatística o teste de Mann-Whitney (p= 0,05), boxplots e a estatística descritiva.

 

RESULTADOS

Foi notado que os pacientes com idade superior a 60 anos tinham dificuldades em utilizar as medicações sem a ajuda de um acompanhante. Deve-se levar em consideração o fato de que esses pacientes possuem limitações físicas e, muitas vezes financeiras, impossibilitando-os de cumprir o tratamento adequadamente.

Através da orientação médica e psicológica dada aos pacientes do grupo de estudo, verificou-se que a pressão intra-ocular, após o segundo mês, diminuiu notoriamente. Não houve casos cirúrgicos.

No grupo controle, com apenas orientação médica, notou-se o aumento da pressão intra-ocular, levando os pacientes à cirurgia (80%).

O número de cirurgias realizadas nos pacientes não foi significativo para a avaliação dos grupos.

A avaliação da variância entre as cirurgias e a pressão intra-ocular dos pacientes foi excluída para análise.

A interação entre os grupos e a pressão intra-ocular média, medida ao longo do tempo (6 meses), foi estatisticamente significante (sig = 0,072) quando comparado os dois grupos.

Segundo os gráficos 1 e 2 encontrou-se uma pressão intra-ocular maior nos dois primeiros meses e uma melhora da mesma nos quatro meses seguintes.

 

 

 

No grupo de estudo, verificou-se que o número de colírios utilizados nos pacientes, durante este período (6 meses), foi mudado em alguns casos específicos, tais como o aumento da pressão intra-ocular e problemas de efeitos colaterais. No grupo controle, ocorreram várias mudanças de medicações, durante o tratamento.

Através da tabela 3, podemos notar as variações dos colírios utilizados no estudo.

 

 

 

 

No grupo de estudo e no grupo controle os pacientes instilaram colírios durante o tratamento clínico, utilizando assim uma média de três drogas diferentes.

Através da tabela 4, observamos estatisticamente, possíveis variáveis de medicamentos utilizados pelos pacientes no decorrer do estudo realizado.

 

 

DISCUSSÃO

Há dificuldades, porém não impossibilidades, na avaliação da influencia dos trabalhos exercidos por psicólogos no tratamento clínico das doenças.

A análise é diferenciada da exercida em outra área de conhecimentos. Os resultados do presente trabalho revelam que a fidelidade do tratamento foi mais adequada ao grupo de estudo, onde houve orientação psicológica. A dificuldade para analisar estes pacientes, nos leva à avaliação da pressão ocular e ao número de drogas. Com isso pode-se comprovar a necessidade e importância de um trabalho psicológico junto aos pacientes com glaucoma.

As orientações sobre conhecimentos e motivações foram feitas para avaliar a melhor fidelidade ao tratamento do glaucoma. O trabalho em grupo é mais econômico e eficiente, pois os pacientes trocam informações e interagem com pessoas que tem o mesmo problema. Devemos ressaltar sempre, o quanto é importante o relacionamento médico e paciente para a integração da doença ao cotidiano deste. Muitas vezes o paciente tem medo de perguntar e expor suas dúvidas, o que com certeza dificulta o médico. Já com o psicólogo dependendo do vínculo criado, torna-se um novo canal de comunicação.

 

CONCLUSÃO

Muito pouco tem sido descrito e publicado até o presente momento, sendo de fundamental importância novos estudos em relação à fidelidade ao tratamento do glaucoma, através do aspecto tanto psicológico e como oftalmológico, para que possamos prevenir a evolução da doença e diagnosticá-la em seus estágios iniciais.

Observando-se o comportamento dos pacientes frente a sua doença, desconhecida até o momento, podemos estimular e desenvolver grupos de trabalho ou associações para os portadores, visando-se assim meios de comunicação entre o paciente e sua doença, conseqüentemente através destes buscar novas medicações e métodos de tratamento. Hoje em dia existem algumas instituições, mas ainda não há muita divulgação, esperamos que com a compreensão dos pacientes frente a sua doença, logo possamos crescer mais e ajudar os glaucomatosos.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS

1. Kitazawa Y, Obstbaum S. Surgery. Int Glaucoma Rev 1999;1/3:18-9.         

2. Susanna Jr R. Glaucoma. Manual de Orientação. São Paulo: Conselho Brasileiro de Oftalmologia; 1998.         

3. Costa PV, Almeida VG, Kara José N. Prevenção da cegueira por glaucoma. Arq Bras Oftalmol 1998;61:356-60.         

4. Van Buskirk VME. The compliance factor. Am J Ophthalmol 1986;92:609-10.         

5. Kass MA, Gordon M, Meltzer DW. Can ophthalmologists correctly identify patients defaulting from pilocarpine therapy? Am J Ophthalmol 1986;101: 524-30.         

6. Winfield AJ, Jessiman D, Williams A, Esakowitz L. A study of the causes of non-compliance by patients prescribed eyedrops. Br J Ophthalmol 1990;74: 477-80.         

7. Kass MA, Gordon M, Morley JR, Robert E, Meltzer DW, Goldberg J. Compliance with topical timolol treatment. Am J Ophthalmol 1987;103:188-93.         

8. Lee BL, Wilson MR. Health-related quality of life in patients with cataract and glaucoma. J Glaucoma 2000;9:87-94.         

9. Amaral Filho JM, Moreira RAR, Silva SML, Vasconcelos PJ, Rocha ME, Costa PV, Kara José N. Custo mensal de medicações anti-glaucomatosas no Brasil. Arq Bras Oftalmol 1999;62:123-6.         

10. Kass MA, Meltzer DW, Gordon M, Cooper D, Goldberg J. Compliance with topical pilocarpine treatment. Am J Ophthalmol 1986;101:515-23.         

 

 

1 Psicóloga do setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo Escola Paulista de Medicina.
2 Tecnóloga Oftálmica do setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
3 Psicólogo Supervisor do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.
4 Professor Adjunto do Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

Endereço para correspondência: R. Sabará, 453 apto 71 Higienópolis CEP 01239-011. E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 28.09.2000
Aceito para publicação em 15.05.2001]

 


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