Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Estudo comparativo da flarefotometria em pacientes com melanoma maligno e nevo de coróide

Comparative study of flare photometry in patients with choroidal malignant melanoma and choroidal nevus

Priscilla Luppi Ballalai1; Clélia Maria Erwenne1; Martha Motono Chojniak2

DOI: 10.1590/S0004-27492002000100006

RESUMO

Introdução: Os tumores malignos intra-oculares estão associados com um aumento do "flare" na câmara anterior, causado por uma quebra na barreira hemato-aquosa, que pode ocorrer por vários mecanismos. Estudos utilizando a flarefotometria confirmam o aumento do "flare" em olhos com tumores intra-oculares malignos e benignos. Objetivo: Avaliar a flarefotometria como auxiliar no diagnóstico diferencial de melanoma maligno e nevo de coróide, comparando-se com olhos contralaterais normais. Métodos: Foram avaliados olhos com melanoma maligno e olhos com nevo de coróide diagnosticados por meio de oftalmoscopia indireta e/ou ultra-sonografia. Os olhos normais contralaterais foram utilizados como controles. A flarefotometria foi realizada em todos os pacientes, sob midríase bilateral, utilizando equipamento Laser Flare Meter (FC 500, Kowa). Foram aplicados os testes de Wilcoxon, Mann-Whitney, e Spearman para análise estatística. Resultados: A média da flarefotometria nos olhos com melanoma maligno de coróide foi 17,1 ph/ms e nos olhos normais contralaterais foi 4,06 ph/ms. Nos olhos com nevo de coróide o valor da flarefotometria foi 6,12 ph/ms e nos olhos contralaterais normais foi 4,47 ph/ms. O valor da flarefotometria foi maior nos olhos com melanoma maligno e nevo quando comparado com os olhos contralaterais normais (p<0,001 e p<0,01). Nos olhos com melanoma maligno o valor da flarefotometria foi significantemente maior que nos olhos com nevo de coróide (p<0,001). Foi observada correlação positiva entre a espessura do tumor e a flarefotometria (r=0,47). Conclusão: A flarefotometria é um exame útil no diagnóstico diferencial entre melanoma maligno e nevo de coróide.

Descritores: Melanoma; Neoplasias da coróide; Nevos e melanomas; Lasers; Fotometria; Estudo comparativo; Diagnóstico diferencial; Barreira hemato-aquosa

ABSTRACT

Introduction: Malignant intraocular tumors are associated with an increase in the aqueous flare, caused by alterations of the blood-ocular barriers through various mechanisms. Several studies have demonstrated an ocular flare increase using flare photometry in eyes with benign and malignant tumors. Purpose: To evaluate flare photometry as an adjunct method in the differential diagnosis of choroidal malignant melanoma and choroidal nevus comparing to normal control eyes. Methods: Eyes with melanoma and nevus were diagnosed by indirect binocular ophthalmoscopy and/or ultrasound were evaluated. The fellow normal eyes were used as a control. In all subject and control eyes flare photometry was performed using the Laser Flare Meter (FC 500, Kowa), under mydriasis. Statistical analysis was done using the Wilcoxon, Mann-Whitney, and Spearman tests. Results: Thirty-one eyes with malignant melanoma and 18 eyes with nevus were evaluated. The flare photometry average in the eyes with malignant melanoma was 17.1 ph/ms and in the control fellow eyes it was 4.06 ph/ms. In eyes with choroidal nevus the flare photometry average was 6.12 ph/ms and in the control fellow eyes it was 4.47 ph/ms. The flare photometry was higher in eyes with malignant melanoma and nevus than in the fellow normal eyes (p<0.001 and p<0.01). Comparing the eyes with malignant melanoma and nevus, flare photometry was significantly higher in eyes with malignant melanoma (p<0.001). There was a positive correlation between the tumor thickness and flare photometry (r=0.47). Conclusion: Flare photometry is a helpful tool in the differential diagnosis of malignant melanoma and choroidal nevus.

Keywords: Melanoma; Choroid neoplasms; Nevi and melanomas; Lasers; Photometry; Comparative study; Differential diagnosis; Blood-aqueous barrier

INTRODUÇÃO

A quebra da barreira hemato-aquosa é manifestada clinicamente como "flare" e células na câmara anterior(1). Olhos com melanoma maligno de coróide freqüentemente demonstram evidências de alterações na barreira hemato-aquosa. O crescimento do tumor pode afetar estruturas oculares adjacentes como a membrana de Bruch, o epitélio pigmentado retiniano, a retina neurossensorial e a esclera. São freqüentes as observações de exsudato seroso sub retiniano e descolamento da retina na presença de tumor intra-ocular(2-3).

O Flarefotômetro (Laser Flare Meter FC 500, Kowa), mede a quantidade de partículas em suspensão no humor aquoso (flare). Consiste de uma lâmpada de fenda com laser He-Ne, acoplada a um fotomultiplicador e um computador, que permite quantificar a concentração protéica na câmara anterior de maneira não invasiva(1,4-6). O feixe de laser com potência de 25 mW e diâmetro de 20 mW é projetado na câmara anterior fazendo uma varredura vertical de 0,6 mm. O resultado é processado pelo computador e os valores são expressos em fótons/ms (ph/ms)(1,4-6).

A medida do "flare" em olhos com tumores malignos e benignos foi realizada por vários autores(2-4).

O objetivo deste estudo foi avaliar a flarefotometria como auxiliar no diagnóstico diferencial de olhos com melanoma maligno de coróide e nevo de coróide, comparando-se com olhos normais (controles).

 

MÉTODOS

A medida do "flare" foi realizada com o Laser Flare Meter FC 500 Kowa Co, Jpn) em pacientes portadores de lesões pigmentadas da coróide e de seus olhos contralaterais normais.

Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com a presença ou não de alguns sinais que podem indicar malignidade: tamanho da lesão, presença ou não de pigmentos de lipofucsina, descolamento de retina perilesional, sintomas visuais ou crescimento tumoral documentado através da oftalmoscopia indireta e ultra-sonografia. Os olhos normais contralaterais foram utilizados como controles.

Os pacientes foram divididos em grupo 1, cujo diagnóstico clínico foi melanoma maligno de coróide, pois apresentavam pelo menos 3 sinais de malignidade e em grupo 2 com diagnóstico clínico de nevo de coróide.

Foram excluídos do estudo os pacientes portadores de doenças sistêmicas como diabetes, hipertensão, nefropatias e hepatopatias; pacientes que faziam uso de qualquer medicação tópica ocular ou droga antiinflamatória via oral; pacientes submetidos previamente a qualquer cirurgia intra-ocular ou portadores de qualquer processo infeccioso ou inflamatório intra-ocular.

A flarefotometria foi realizada sob midríase após 30 minutos da instilação de colírio de Tropicamida 1% e Fenilefrina 10%. Foram realizadas 7 medidas do olho acometido e do olho controle, excluindo-se a maior e a menor medida, e fazendo-se a média das restantes.

Para análise dos resultados aplicamos o teste de Mann-Whitney* na comparação dos valores da flarefotometria dos pacientes com melanoma maligno de coróide e nevo de coróide. Aplicamos o teste de Wilcoxon* para comparar a medida da flarefotometria nos olhos afetados e seus contralaterais normais. Fixou-se em 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade.

 

RESULTADOS

No grupo 1 (melanoma maligno de coróide) foram avaliados 31 olhos de 31 pacientes. Dezessete pacientes (54,8%) eram do sexo masculino e 14 (45,2%) do sexo feminino. Vinte e nove pacientes eram da raça branca (93,6%), 1 pardo (3,2%) e 1 amarelo (3,2%). A média de idade dos pacientes foi de 52 anos (26 - 82 anos). A espessura média do tumor medida ao ultra-som foi 6,21 mm (1,5 - 15,75 mm). A média do maior diâmetro do tumor foi 12,2 mm (7,22 - 20,09 mm).

A medida da flarefotometria no grupo 1 foi em média 17,1 fótons/ms (4,2 - 59,5 ph/ms). Nos olhos contralaterais normais a média da flarefotometria foi de 4,06 fótons/ms (1,0 - 8,9 ph/ms) (Tabela 1).

No grupo 2 (nevo de coróide) foram avaliados 18 olhos de 18 pacientes. Dez pacientes (55,5%) eram do sexo feminino e 8 (44,5%) do sexo masculino.Todos os pacientes eram da raça branca. A média de idade dos pacientes foi 55,8 anos (30 - 73 anos). A média de espessura das lesões mensuráveis ao ultra-som foi 1,57 mm (1,03 - 2,99 mm). Em cinco lesões não foi possível medir a espessura (<1,0 mm). A média do diâmetro foi 6,8 mm (5,57 - 9,49 mm). Em 10 pacientes não foi possível medir ao ultra-som o diâmetro das lesões.

A medida da flarefotometria no grupo 2 foi em média 6,12 fótons/ms (1,8 - 15,4 ph/ms). Nos olhos contralaterais normais a média da flarefotometria foi 4,47 fótons/ms (2,0 - 7,5 ph/ms). (Tabela 2).

Aplicando-se o teste de Wilcoxon observamos que o valor da flarefotometria foi significantemente maior no grupo 1 (média= 17,1 ph/ms) do que nos olhos contralaterais normais (média= 4,06 ph/ms), com p<0,001. Comparando-se o valor da flarefotometria no grupo 2 (média= 6,13 ph/ms) e nos olhos contralaterais normais (média= 4,27), houve diferença significante, com p<0,01.

Aplicando-se o teste de Mann-Whitney, observamos que o valor da flarefotometria foi significantemente maior no grupo de pacientes com melanoma maligno de coróide (média = 17,1 ph/ms) do que no grupo de pacientes com nevo de coróide (média= 6,12 ph/ms) (p< 0,001).

Não houve diferença significante no valor da flarefotometria nos olhos contralaterais normais quando comparamos os dois grupos.

As relações de Spearman mostraram uma correlação positiva entre a espessura do tumor e o valor da flarefotometria (r=0,47).

 

DISCUSSÃO

A quebra da barreira hemato-aquosa pode ocorrer por várias causas como: inflamação, cirurgias, tumores malignos intra-oculares, uso de medicações sistêmicas e tópicas oculares, doenças como diabetes, hipertensão, nefropatias e hepatopatias(7-10). O uso de colírio midriático não interfere na medida da flarefotometria(1).

No melanoma maligno da coróide, o mecanismo que leva à quebra da barreira hemato-aquosa ainda é especulativo. Entre as hipóteses para esta ocorrência está o crescimento tumoral, que leva a alterações nas "tight junctions" entre as células do epitélio pigmentado retiniano, provocando um vazamento de líquido proteináceo no espaço subretiniano e na retina sensorial; por difusão ou transporte protéico pelo vítreo e câmara posterior, pode haver aumento da concentração protéica na câmara anterior. Existem também fatores vasogênicos, fatores de crescimento ou substâncias tóxicas liberadas pelas células tumorais, fotorreceptores lesados ou pelas células alteradas do epitélio pigmentado retiniano que poderiam alterar os vasos irianos. Outro possível fator relacionado é o fenômeno imunológico do hospedeiro contra antígeno de células tumorais, que levariam a um resposta inflamatória e aumento da concentração protéica(2-3).

O diagnóstico diferencial entre nevo e melanoma maligno de coróide é, muitas vezes, um desafio. O tratamento de lesões pigmentadas pequenas pode levar a danos visuais irreversíveis e só está indicado na presença de pelo menos 3 sinais que indiquem malignidade como: crescimento tumoral documentado, espessura da lesão superior a 3 mm, presença de sintomas visuais, líquido sub retiniano provocando descolamento de retina, presença de pigmentos de lipofucsina sobre a lesão e localização, considerando-se como indicativo de malignidade a proximidade da margem com a papila (<1mm)(11-12).

O não tratamento de uma lesão suspeita também pode levar a conseqüências visuais graves. O controle periódico dessas lesões pode ser realizado a cada 3 a 6 meses, porém não há consenso a este respeito(13). Há sim relatos de crescimento de lesões pigmentadas pequenas caracterizadas clinicamente como nevo e aparentemente estáveis por longos períodos (10 anos), com transformação em grandes melanomas, que mesmo tratados por enucleação evoluíram com metástases sistêmicas, levando o paciente a óbito(14).

Alguns estudos demonstraram a correlação entre aumento do "flare" e a presença do tumor maligno(2-4), Küchle et al. estudando a flarefotometria observaram que a concentração protéica do humor aquoso era aumentada nos olhos com melanoma maligno de coróide e que havia correlação positiva entre a espessura do tumor e valores aumentados de "flare"(2-3). Castella et al. também demonstraram o aumento do "flare" em olhos com melanoma maligno de coróide.

O presente estudo também evidenciou valores aumentados de "flare" em olhos com diagnóstico clínico de melanoma maligno de coróide e nevo de coróide em relação ao seus olhos contralaterais normais, mas comparando-se os valores entre os 2 grupos, a medida da flarefotometria foi significantemente maior no grupo com melanoma maligno de coróide. Observamos também uma correlação positiva entre a espessura do tumor e o valor do "flare".

Seria este mais um dado clínico que contribuiria para o diagnóstico diferencial entre estas lesões pigmentadas ou mesmo um indicador de transformação maligna? O segmento desses pacientes com lesões clinicamente benignas (nevo) com a flarefotometria seriada poderia nos ajudar nesta resposta.

Até o momento podemos concluir que a flarefotometria, procedimento simples e não invasivo pode ser útil na diferenciação entre lesões pigmentadas de coróide quando se consideram os diagnósticos de nevo e melanoma maligno.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS

1. Shah SM, Spalton DJ, Smith SE. Measurement of aqueous cell and flare in normal eyes. Br J Ophthalmol 1991;75:348-52.         

2. Küchle M, Nguyen NX, Naumann GO. Quantitative assessment of the blood-aqueous barrier in human eyes with malignant or benign uveal tumors. Am J Ophthalmol 1994;117:521-8.         

3. Castella AP, Bercher L, Zografos L, Egger E, Heerbort CP. Study of the blood-aqueous barrier in choroidal melanoma. Br J Ophthalmol 1995;79:354-7.         

4. Küchle M, Nguyen NX, Naumann GO. Aqueous flare in eyes with choroidal malignant melanoma. Am J Ophthalmol 1992;113:207-8.         

5. Shah SM, Spalton DJ, Taylor JC. Correlations between laser flare measurements and anterior chamber protein concentrations. Invest Ophthalmol Vis Sci 1992;33:2878-84.         

6. Shah SM, Spalton DJ, Allen RJ and Smith SE. A comparison of the laser flare cell meter and fluorophotometry in assessment of the blood-aqueous barrier. Invest Ophthalmol Vis Sci 1993;34:3124-30.         

7. Skaf M, Mello PAA, Reys JC, Muccioli C, Belfort Júnior, R. Estudo da variação do conteúdo protéico do humor aquoso após instilação de colírio de pilocarpina, timolol e betaxolol, avaliado pela laser flare fotometria. Arq Bras Oftalmol 1994;57:56,59-61.         

8. Moriatry AP, Spalton DJ, Moriatry BJ, Shilling JS, Ffytche TJ, Bulsara M. Studies of the blood-aqueous barrier in diabetes mellitus. Am J Ophthalmol 1994;117:768-71.         

9. Flach AJ, Graham J, Kruger LP, Stegman RC, Tanenbaum L. Quantitative assessment of post surgical breakdown of the blood-aqueous barrier following administration of 0,5% ketorolac tromethamine solution. A double-marked, paired comparison with vehicle-placebo solution study. Arch Ophthalmol 1988;106:344-7.         

10. McLaren JW, Trocme SD, Relf S, Brubaker RF. Rate of flow of aqueous humor determined from measurement of aqueous flare. Invest Ophthalmol Vis Sci 1990;31:339-46.         

11. Mims J, Shields JA. Follow up studies on suspicious choroidal nevi. Ophthalmology 1978;85:929-43.         

12. Shields GL, Cater J, Shields JA, Singh AD, Santos MCM, Carvalho C. Combination of clinical factors predictive of growth of small choroidal melanocytic tumors. Arch. Ophthalmol 2000;118:360-4.         

13. Shields GL, Sheilds JA, Kiratli H, de Potter P, Cater JR. Risk factors for metastasis of small choroidal melanocytic lesions. Ophthalmology 1995;102: 1351-61.         

14. Shields JA, Shields CL. Intraocular tumors. Philadelphia: Linppincott; 1999. p.59.         

 

 

Trabalho realizado com auxílio financeiro da Fapesp proc 94/03512-0.

1 Médica colaboradora do Setor de Tumores Oculares do departamento de Oftalmologia da Unifesp/Epm e colaboradora do Departamento de Tumores Oculares do Hospital A C Camargo - SP.
2 Doutora em Oftalmologia e Chefe do Setor de Tumores Oculares do departamento de Oftalmologia da Unifesp/EPM. Médica do Departamento de Tumores Oculares do Hospital A C Camargo - SP.
3 Mestre em Oftalmologia pela Unifesp/EPM. Médica do Departamento de Tumores Oculares do Hospital A C Camargo - SP.

Endereço para correspondência: Rua Embaú, 206 - ap. 14 São Paulo (SP) CEP 04039-060.

Recebido pra publicação em 09.11.2000
Aceito para publicação em 20.08.2001

*Siegel S. Estatística não-paramétrica. São Paulo: Mcgraw-Hill, 1988.


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