Rodrigo Beraldi Kormann1; Hamilton Moreira2; Graziella Crescente3; José Aguiomar Foggiatto4
DOI: 10.1590/S0004-27492013000300002
ABSTRACT
PURPOSE: To evaluate the resin FullCure 720® biocompatibility as orbital implant. Clinical response and signs of systemic toxicity to the resin were evaluated, local biocompatibility and microscopic analysis regarding chronic local inflammatory response to the implant. The animals were weighted, biochemical exams and inflammatory response were evaluated. All animals were eviscerated and implantation of the spheres was carried out. Animals were followed for 60 days. Clinical behavior of animals and local signals of inflammation had been observed. After this period animals underwent euthanasia followed by enucleation. Macroscopic and histomorphometric analysis were performed. The results showed normal behavior of the animals, without implant exposure, extrusion, death or systemic toxicity. Capsule tissue formation was observed between the sclera and the implant. Normal inflammatory response to the foreign material in contact with the rabbit soft tissue was observed. The resin FullCure 720®, demonstrated to be biocompatible as an orbital implant in this study.
Keywords: Biocompatible materials; Composite resins; Materials testing; Prostheses and implants; Orbital implants; Animals; Rabbits
RESUMO
OBJETIVO:Avaliar a biocompatibilidade de material FullCure 720®, que é uma resina, na confecção de implante orbitário. Avaliou-se a resposta clínica dos animais, toxicidade sistêmica e a resposta inflamatória crônica. Os animais foram pesados, exames bioquímicos e resposta inflamatória foram avaliados. Foi efetuada evisceração e colocado implante esférico orbitário. Os animais foram acompanhados durante o período de 60 dias, onde se avaliou o comportamento clínico e sinais locais. Após este período, procedeu-se a eutanásia seguida da enucleação. Foi realizada análise macroscópica e histomorfométrica. Os resultados revelaram comportamento normal dos animais, com ausência de exposição ou extrusão dos implantes, morte de algum animal e ausência de toxicidade sistêmica. Houve formação de uma cápsula fibrosa entre a capa escleral e o implante orbitário, resposta inflamatória considerada normal quando em contato com o tecido do coelho. A resina FullCure 720® utilizada como implante orbitário, mostrou-se biocompatível neste estudo.
Descritores: Materiais biocompatíveis; Resinas compostas; Teste de materiais; Próteses e implantes; Implantes orbitários; Animais; Coelhos
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Estudo experimental da biocompatibilidade de novo material para implante orbitário
Experimental study of new material for biocompatibility as orbital implant
Rodrigo Beraldi KormannI; Hamilton MoreiraII; Graziella CrescenteIII; José Aguiomar FoggiattoIV
IMédico, Setor de Oftalmologia, Faculdade Evangélica do Paraná - FEPAR - Curitiba (PR), Brasil
IIMédico, Setor de Oftalmologia, Universidade Federal do Paraná - UFPR - Curitiba (PR), Brasil
IIIMédica, Setor de Patologia, Universidade Católica do Paraná - PUCPR - Curitiba (PR), Brasil
IVEngenheiro Mecânico, Núcleo de Prototipagem e Ferramental, Universidade Tecnologia Federal do Paraná - UTFPR - Curitiba (PR), Brasil
RESUMO
OBJETIVO:Avaliar a biocompatibilidade de material FullCure 720®, que é uma resina, na confecção de implante orbitário. Avaliou-se a resposta clínica dos animais, toxicidade sistêmica e a resposta inflamatória crônica. Os animais foram pesados, exames bioquímicos e resposta inflamatória foram avaliados. Foi efetuada evisceração e colocado implante esférico orbitário. Os animais foram acompanhados durante o período de 60 dias, onde se avaliou o comportamento clínico e sinais locais. Após este período, procedeu-se a eutanásia seguida da enucleação. Foi realizada análise macroscópica e histomorfométrica. Os resultados revelaram comportamento normal dos animais, com ausência de exposição ou extrusão dos implantes, morte de algum animal e ausência de toxicidade sistêmica. Houve formação de uma cápsula fibrosa entre a capa escleral e o implante orbitário, resposta inflamatória considerada normal quando em contato com o tecido do coelho. A resina FullCure 720® utilizada como implante orbitário, mostrou-se biocompatível neste estudo.
Descritores: Materiais biocompatíveis; Resinas compostas; Teste de materiais; Próteses e implantes; Implantes orbitários; Animais; Coelhos
ABSTRACT
PURPOSE: To evaluate the resin FullCure 720® biocompatibility as orbital implant. Clinical response and signs of systemic toxicity to the resin were evaluated, local biocompatibility and microscopic analysis regarding chronic local inflammatory response to the implant. The animals were weighted, biochemical exams and inflammatory response were evaluated. All animals were eviscerated and implantation of the spheres was carried out. Animals were followed for 60 days. Clinical behavior of animals and local signals of inflammation had been observed. After this period animals underwent euthanasia followed by enucleation. Macroscopic and histomorphometric analysis were performed. The results showed normal behavior of the animals, without implant exposure, extrusion, death or systemic toxicity. Capsule tissue formation was observed between the sclera and the implant. Normal inflammatory response to the foreign material in contact with the rabbit soft tissue was observed. The resin FullCure 720®, demonstrated to be biocompatible as an orbital implant in this study.
Keywords: Biocompatible materials; Composite resins; Materials testing; Prostheses and implants; Orbital implants; Animals; Rabbits
INTRODUÇÃO
Cavidade anoftálmica é definida como a órbita desprovida do bulbo ocular, podendo ser congênita ou adquirida. Quando congênita, podemos subdividir em: anoftalmia, microftalmia e nanoftalmia. As cavidades anoftálmicas adquiridas são deformidades causadas pela remoção do bulbo ocular ou de seu conteúdo, cirurgicamente ou após um trauma óculo-orbitário(1).
A evisceração (remoção do conteúdo intraocular) e a enucleação (remoção do globo ocular) são procedimentos cirúrgicos inevitáveis em algumas doenças oculares. Tanto na evisceração, quanto na enucleação, ocorre redução do conteúdo da cavidade orbitária, necessitando reposição de volume orbitário o mais precoce possível, com implante e técnica cirúrgica adequada, a fim de proporcionar um aspecto estético aceitável, evitando deformidades orbitopalpebrais(2).
Normalmente utilizam-se enxertos autógenos (ex.: enxerto dermogorduroso) ou materiais aloplásticos (biomateriais), estes conhecidos como implantes orbitários, para a reconstituição das cavidades anoftálmicas. A vantagem do enxerto autógeno é a compatibilidade tecidual, porém pode haver certa absorção do enxerto ao longo do tempo, com consequente perda de resultado, assim como o uso destes tecidos (autógenos) está relacionado à necessidade de áreas doadoras de enxerto, aumentando a morbidade do ato cirúrgico. Os biomateriais simplificam o ato cirúrgico, mas necessitam de algumas propriedades essenciais, entre elas de serem biocompatíveis(3).
A descoberta de novos biomateriais, mudanças no formato e dimensões dos implantes orbitários, tem ajudado na melhora da reconstituição das cavidades orbitárias. Apesar destes fatos, as complicações precoces e tardias ainda existem, como: exposições, infecções e extrusões dos implantes orbitários. Estas complicações estão principalmente relacionadas com o tipo de material implantado, além da técnica cirúrgica utilizada, sendo um dos motivos da procura de novos materiais(4).
O implante orbitário ideal seria aquele que pudesse proporcionar a melhor estética, fosse biocompatível, não alergênico e não cancerígeno, tivesse baixos índices de exposição, extrusão, infecção ou migração, e fossem leves, passíveis de esterilização e de baixo custo de fabricação. Entretanto, ainda não existe este implante ideal, motivando-nos a pesquisa de um novo material para implante orbitário que pudesse proporcionar bons resultados, contando com as características supracitadas e custo aceitável à realidade da população do nosso país.
O objetivo deste estudo é avaliar se os implantes orbitários esféricos de resina FullCure 720® são biocompatíveis e podem ser utilizados para reparo de cavidades anoftálmicas, usando modelo experimental.
MÉTODOS
Para a confecção deste novo implante foi utilizada uma máquina de prototipagem rápida (Eden 250®), no Núcleo de Prototipagem e Ferramental (NUFER) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). A resina denominada FullCure 720®é um monômero acrílico, translúcida, resistente, sem propriedades de hipersensibilidade(5), que pode ser utilizada pela Tecnologia Polyjet® para prototipagem de biomodelos com muita precisão e confecção de finos detalhes. O implante foi confeccionado com duas superfícies distintas, uma rugosa e outra lisa (Figura 1), com o intuito de analisar por exame histológico as possíveis diferenças de reação inflamatória na porção interna da capa escleral em cada uma das situações e, posteriormente, através da avaliação histomorfométrica mensurar essa diferença. Ao término da confecção, os implantes orbitários de resina FullCure 720® foram enviados a Sterilab® para esterilização a gás, em óxido de etileno.
Foi desenhado um estudo experimental, prospectivo e com intervenção. Foram utilizados 16 coelhos (Oryctolagus cuniculus) machos, albinos, da espécie Nova Zelândia, com peso variando entre 2.400 e 3.100 g e idade superior a 120 dias. Houve dois momentos experimentais (M1 e M2), no momento 1 os animais foram anestesiados, pesados e procedeu-se a coleta de sangue para os exames bioquímicos (alanina transaminase (TGP), aspartato aminotransferase (TGO), albumina, ureia, creatinina, FA, CPK e proteína C reativa), então realizou-se a evisceração do olho direito de cada animal e foi colocado um implante esférico de resina FullCure 720® de 10 mm de diâmetro. O implante orbitário foi posicionado adequadamente no interior da cavidade escleral, permanecendo 50% da superfície rugosa e 50% da superfície lisa do implante na porção posterior da capa escleral. Depois de operados, os animais permaneceram 60 dias com os implantes esféricos na cavidade eviscerada e foram clinicamente acompanhados a cada cinco dias, de acordo com a ficha clínica elaborada, onde consta: peso, dados bioquímicos pré-operatórios, eventual intercorrência per-operatória (evisceração), avaliação ectoscópica dos animais. O exame avaliou alterações da saúde geral dos animais, estimada pela atividade, apetite e postura em suas gaiolas (mímica de dor ocular - "coçar" a face contra a gaiola), eventuais sinais presentes na cavidade orbitária (presença de sinais inflamatórios, infecciosos, deiscência de sutura, exposição ou extrusão do implante orbitário) e morte de algum animal.
Após os 60 dias de acompanhamento iniciou-se o momento 2, onde foi mensurado novamente o peso e os exames bioquímicos, então procedeu-se a enucleação e eutanásia dos animais.
Os olhos enucleados foram colocados isoladamente em recipientes com formaldeído tamponado a 10%, identificados e encaminhados para exame histopatológico. Após sete dias de fixado o material, realizou-se o exame macroscópico de cada olho enucleado dos 16 animais, avaliando a linha de sutura na porção anterior, aspecto geral da esclera, coto do nervo óptico na porção posterior. A área escleral (interface) onde estava a porção rugosa e lisa do implante em cada animal foi marcada com tinta azul, certificando-se do adequado posicionamento do implante dentro da cavidade escleral. Removeu-se as esferas de resina acrílica FullCure 720® do interior de cada esclera e apenas a capa escleral de cada olho enucleado foi enviada para análise morfológica (qualitativa) e o estudo histomorfométrico (quantitativo).
As lâminas coradas pelo método HE e para fibra elástica pelo método Verhoeff-Van Gieson (VVG), foram analisadas visando avaliação histológica da reparação tecidual inflamatória (cápsula fibrosa), encontrada nos tecidos ao redor do implante orbitário de resina acrílica FullCure 720®. O exame morfométrico fez uma avaliação quantitativa da cápsula formada ao redor dos implantes, empregando-se um sistema com pontos fixos e sistematicamente equidistantes. As avaliações foram realizadas, adotando-se a padronização de análise de cortes em quatro posições (pontos), todos na porção posterior da esclera, a fim de evitar a área de sutura anterior e o processo inflamatório gerado durante o procedimento cirúrgico. Conforme a disposição do corte sobre a lâmina histológica, a capa escleral posterior em contato com o implante foi analisada em dois pontos na porção rugosa e dois pontos na porção lisa (Figura 2). Sob microscopia óptica em aumento de 10 vezes, obtiveram-se duas imagens da porção da interface lisa (área da esclera em íntimo contato com a superfície lisa do implante) e duas imagens da porção da interface rugosa (área da esclera em íntimo contato com a superfície rugosa do implante), totalizando quatro imagens em cada um dos 16 olhos enucleados. Em cada uma destas imagens, foram realizadas 10 medidas morfométricas lineares da espessura da esclera-cápsula fibrosa, obtendo-se ao total 40 medidas de cada coelho (Figura 3). Finalmente, foram feitas as médias da espessura esclera-cápsula fibrosa das 20 medidas obtidas da interface lisa (ECL) e das 20 medidas obtidas da interface rugosa (ECR) de cada coelho (unidade utilizada = micrômetros - µm).
Como apenas enucleou-se o olho onde foi implantada a esfera de resina, não havia maneira de medir a espessura da esclera normal destes coelhos para compará-las. Visto que o intuito era de analisar e discutir as alterações encontradas na espessura destas escleras com implante (Figura 3), comparando com escleras normais (sem implante orbitário), avaliou-se a medida da esclera normal (EC) através da mesma metodologia descrita, utilizando os blocos de parafina do grupo controle(6), os quais se encontravam arquivados no Laboratório do Departamento de Patologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), uma vez que neste grupo controle os animais apresentavam os mesmos padrões deste estudo (espécie, raça, sexo, idade, peso). As imagens e medidas obtidas destes blocos de parafina foram realizadas pela mesma pessoa, especializada em informática, que fez as medidas de nossas lâminas.
Para análise estatística as variáveis qualitativas (hiperemia conjuntival e secreção ocular) foram efetuadas pelo teste binominal e para as variáveis quantitativas (peso, exames bioquímicos e espessura esclera entre os grupos), foi avaliada a condição de normalidade pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, e os momentos (M1 e M2) foram comparados pelo teste t de Student para amostras pareadas ou pelo teste não paramétrico de Wilcoxon. Valores de p<0,05 indicaram significância estatística.
RESULTADOS
Durante todo o seguimento, os coelhos não apresentaram mudanças significativas de comportamento, como: irritabilidade, estresse, entre outros. Nenhum animal apresentou sinais infecciosos, deiscência de sutura, exposição ou extrusão do implante orbitário; também não houve morte de nenhum animal durante o estudo.
Em relação à hiperemia conjuntival e secreção ocular, estas foram encontradas somente até o 10º dia da avaliação clínica, sendo que apenas 6,3% dos coelhos não apresentaram hiperemia conjuntival. Nas avaliações de 15 a 60 dias não foram verificados casos com a presença de hiperemia conjuntival e secreção ocular (Gráfico 1).
Em relação às outras variáveis analisadas, como: exposição ou extrusão do implante esférico de resina FullCure 720®, ou morte, não foram observadas em nenhum dos animais durante todo o período de observação (60 dias pós-operatório).
Observamos um ganho médio de 475 gramas de peso em cada animal durante os 60 dias do estudo.
Para avaliação da toxicidade renal, analisou-se o valor da ureia e da creatinina entre os momentos M1 e M2, onde houve um aumento da ureia de 33,8 mg/dL (M1) para 34,1 mg/dL (M2) e a creatinina aumento de 0,92 mg/dL (M1) para 1,23 mg/dL (M2). Para avaliação hepática coletou-se: aspartato aminotransferase (TGO) que apresentou diminuição entre os momentos M1 e M2 (26,3 U/L para 20,7 U/L), alanina aminotransferase (TGP) que aumentou de 38,9 U/L para 49,2 U/L, albumina que aumentou de 3,70 g/dL para 3,86 g/dL e a fosfatase alcalina que apresentou uma diminuição entre M1 e M2 (186,6 g/dL para 134,9 g/dL). A avaliação cardíaca foi realizada através da creatinofosfoquinase (CPK), que se apresentou bem elevada no momento M1 (2.245,4 U/L) e diminuiu no M2 (602,4 U/L) e a reação inflamatória pela proteína C reativa (PCR) que diminuiu de 1,67 mg/L para 0,57 mg/L.
Neste estudo observamos a formação de uma cápsula fibrosa entre a esclera dos animais e o implante orbitário, sendo esta constituída por tecido conjuntivo fibroso e componentes celulares inflamatórios em quantidades variáveis. Em todos os animais estes componentes foram discretos (linfócitos, macrófagos, células gigantes e raros neutrófilos e eosinófilos), no entanto a espessura da cápsula fibrosa formada diferiu significativamente (p<0,001) quando a esclera estava em contato com a área lisa (814,3 µm) ou a área rugosa (1.177,4 µm) do implante orbitário, sendo mais espessa nesta (Figuras 4 e 5). Utilizando a coloração para fibra elástica (VVG), no grupo experimento, é possível diferenciar melhor a esclera normal em relação à cápula fibrosa, pois esta não possui fibras elásticas, não corando (Figura 6). No grupo controle observamos a esclera normal, com ausência da cápsula fibrosa. A espessura da esclera normal (grupo controle) foi de 642,9 µm.
DISCUSSÃO
Procurou-se, por meio deste estudo, analisar a biocompatibilidade de um novo material, para a confecção de implante orbitário esférico composto por resina FullCure 720®, utilizados em cavidades orbitárias evisceradas de coelhos. É de extrema importância na escolha de um biomaterial, fatores como tecnologia envolvida na produção da matéria prima e do componente, disponibilidade e custo dos insumos, entre outros, que influenciam no preço final da peça. A resina FullCure 720® é um material de base acrílica fotocurável, que pode ser facilmente obtida em nosso país, com um custo acessível à nossa população. O implante orbitário de FullCure 720® foi fácil e rapidamente confeccionado em local apropriado (UTFPR), por pessoal treinado, utilizando a prototipagem rápida, que é uma forma de tecnologia que fabrica modelos ou materiais a partir de informação eletrônica (CAD). Após modelado o material no programa CAD-3D, ele precisa ser convertido para o formato STL para possibilitar a prototipagem rápida pela tecnologia Polyjet, onde encontramos alta qualidade e resolução para obtenção de partes lisas, precisas e altamente detalhadas, sendo um processo rápido por não necessitar de "cura" do material.
Após a cirurgia de evisceração e a devida recuperação pós-operatória dos animais, estes foram colocados em condições ambientais estáveis (ruído, temperatura, gaiolas padronizadas, entre outros) para assegurar a reprodução dos resultados experimentais.
Não houve qualquer sinal de irritabilidade dos animais e o ganho de peso ficou dentro do esperado no curso normal do estudo. Em relação à hiperemia conjuntival e à secreção ocular (consistência mucoide e cor esbranquiçada) observadas durante o estudo, podem ser considerado como dentro da normalidade. Em relação às outras variáveis analisadas: quemose, deiscência de sutura, exposição do implante, extrusão do implante orbitário e eventuais sinais de debilidade ou morte de algum animal, nenhuma esteve presente neste estudo, revelando uma tolerância clínica do material.
Para verificar possíveis efeitos tóxicos da resina FullCure 720® ao organismo, caso esta fosse absorvida sistemicamente causando danos aos tecidos: hepáticos, renais, cardíacos e sinais inflamatórios, foram realizados exames bioquímicos (TGP, TGO, albumina, ureia, creatinina, fosfatase alcalina, CPK, e PCR), logo antes do procedimento cirúrgico de evisceração (M1) e antes da enucleação (M2). Considerou-se o momento M1 como o padrão de normalidade para o estudo bioquímico, comparando com o momento M2. Procurou-se dar maior valor a esta diferença (entre os momentos M1 e M2), do que para os valores citados na literatura(7-8), pois existem poucas informações disponíveis sobre o efeito da doença clínica nos parâmetros sanguíneos de coelhos, ou sobre exames bioquímicos como indicadores de diagnóstico(7). Durante a avaliação dos parâmetros bioquímicos estudados, observou-se que a ureia teve aumento não significativo (p=0,912), sendo que ela altera com o ritmo circadiano, quantidade e qualidade de proteínas na dieta, absorção intestinal e hidratação. A creatinina apresentou um aumento significativo (p<0,001), mas mesmo assim permanecendo dentro dos padrões de normalidade (0,5-2,5 mg/dL) para os valores de referência da literatura. O estresse é um fator que poderia causar diminuição da perfusão renal, provocando aumento da creatinina(8). Com estes resultados, pode-se considerar que a resina FullCure 720® não causou danos renais aos animais deste estudo.
A avaliação hepática foi realizada através de indicadores apropriados, sendo que a enzima TGO teve diminuição não significativa em seus níveis sanguíneos (p=0,148), a TGP teve um aumento, mas não foi significativo (p=0,134). Em dano hepatocelular leve, a forma predominante no soro é a citoplasmática (TGP), enquanto em lesões graves há liberação da enzima mitocondrial (TGO), elevando a relação TGO/TGP(9). Considerando que neste estudo esta relação diminuiu (TGO/TGP M1=0,68 TGO/TGP M2=0,42), evidencia-se ausência de lesão hepática.
A fosfatase alcalina teve uma diminuição significativa (p<0,001) em seus parâmetros, situação esta que não se conseguiu esclarecer o(s) motivo(s), sendo que a média no momento M2 ficou mais próxima aos valores da normalidade na literatura (12-96 U/L). A albumina apresentou um aumento dos seus níveis séricos, mas não significativo (p=0,007), permanecendo dentro de seus limites de normalidade diante da literatura (2,7-5,0 g/dL), sendo a desidratação a principal causa de hiperproteinemia em coelhos(8). A hipoalbuminemia poderia ser consequência de defeito da sua síntese, ocasionada por um dano hepatocelular(9). Neste estudo, houve um aumento da albumina sérica entre os momentos M1 e M2, observando-se que não existiram efeitos adversos significativos no metabolismo hepático dos coelhos.
Para avaliação cardíaca, a CPK foi analisada no sangue dos animais. Inicialmente, chamou-se a atenção pelo fato de os níveis desta enzima se encontrarem bem acima dos considerados normais pela literatura(7) no momento M1, levando a acreditar que o estresse dos animais pela mudança de ambiente tenha provocado este aumento exagerado da CPK sanguínea, sendo que houve diminuição significativa em seus valores (p<0,001) até o momento M2, chegando próximo dos níveis normais (140-372 U/L), podendo assim considerar a ausência de lesões cardíacas.
Como uma das intenções deste estudo seria avaliar a resposta inflamatória sistêmica e local causada pela resina FullCure 720®, optou-se pela análise da PCR, sendo um bom parâmetro para esta avaliação. Esperava-se encontrar níveis menores no momento M1 (antes da evisceração) e mais elevados no momento M2 (60 dias após a evisceração), resposta normal do organismo agredido, mesmo sabendo que neste momento (M2) a resposta inflamatória era crônica e os níveis de PCR são mais elevados nos primeiros dias após um procedimento cirúrgico, pois medem a reação inflamatória aguda. No entanto, os níveis de PCR apresentaram uma diminuição significativa (p<0,001) entre os momentos M1 e M2 deste estudo. Apesar de não haver uma justificativa para a diminuição dos níveis de PCR, demonstrou-se que a resposta inflamatória era baixa ao fim do experimento. O valor da proteína C reativa e da CPK elevado no momento M1, pode estar relacionado com a miosite de transporte e aclimatação ambiental (estresse).
A partir do momento compreendido, que qualquer tipo de material estranho sempre desencadeia uma resposta do tecido hospedeiro, representada inicialmente por um processo inflamatório agudo e após crônico granulomatoso do tipo corpo estranho, com formação de tecido de reparo e cápsula fibrosa ao redor do implante, reconsiderou-se o conceito de que biocompatível era aquele material totalmente inerte ao organismo. Quando um material estranho é introduzido nos tecidos, comumente induz a uma reação inflamatória crônica, mediada predominantemente por macrófagos, já que os neutrófilos são incapazes de fagocitar e destruir o material. Ao redor deste material, forma-se um agregado granulomatoso, que tem como característica apresentar macrófagos com ocasional formação de células gigantes entre outras, que podemos chamar de cápsula fibrosa(10). A matriz fibrosa tenta deter a inflamação pela presença de uma lesão ou corpo estranho, isolando-o do ambiente biológico para minimizar os efeitos adversos.
Neste estudo, evidenciou-se a formação de uma cápsula fibrosa entre a esclera e o implante orbitário de resina FullCure 720® em todos os animais, corroborando com outros estudos que também evidenciaram a formação de uma cápsula fibrosa entre o tecido hospedeiro e o implante(4-11-13). A cápsula fibrosa é constituída por tecido conjuntivo fibroso e componentes celulares inflamatórios em quantidades variáveis, sendo que neste estudo todos os componentes celulares eram discretos: linfócitos, macrófagos, ocasionais células gigantes, inclusive englobando partículas inertes do implante orbitário. Observou-se que estas células estavam presentes em quantidades diversas em cada área examinada (interface lisa e interface rugosa), sendo mais discretas na área em contato com a interface lisa do implante orbitário, que permitia assim, constituições de espessuras diferentes.
Durante o exame histológico, a coloração inicial e universal é a hematoxilina-eosina (HE), mas com frequência há necessidade de se evidenciar algum constituinte específico. Assim, usam-se colorações especiais, específicas para determinada substância ou constituinte do tecido. Sabe-se que nos processos cicatriciais não há formação de fibra elástica, mas apenas depósito de colágeno, então para evidenciar a presença de cápsula fibrosa e delimitar o início da esclera, utilizou-se da coloração especial para fibra elástica (Verhoeff-Van Gieson), pois histologicamente os tecidos são semelhantes, ficando difícil diferenciar tecido escleral normal e cápsula fibrosa, sendo assim na porção da lâmina onde não se evidenciou a presença das fibras elásticas (VVG), trata-se da área de fibrose (cápsula fibrosa).
A espessura desta cápsula fibrosa não é homogênea, podendo diferenciar dependendo do local mensurado(4-11), então, procurou-se neste estudo estabelecer locais fixos para avaliação destas medidas em todos os animais, tanto do grupo experimento, quanto do grupo controle. Todas as medidas foram mensuradas na região posterior da esclera, evitando a área de sutura, onde a reação inflamatória seria maior, como já evidenciado no estudo de Brandão, podendo haver interferência nos resultados(4).
Foi observado que a cápsula fibrosa formada entre a esclera e a porção lisa (ECL) do implante orbitário de resina FullCure 720®, obteve uma espessura média de 814,3 µm, diferença esta estatisticamente significativa (p<0,001) quando comparada com a cápsula fibrosa formada entre a esclera e a porção rugosa (ECR) do implante orbitário FullCure 720®, que apresentou valor médio de 1.177,4 µm. Verificou-se que quando comparada a espessura média da esclera normal de coelhos do grupo controle (EC), com a espessura média da esclera-cápsula do grupo experimento (ECL e ECR), a diferença da EC (642,9 µm) versus a ECL (814,3 µm), assim como a diferença da EC (642,9 µm) versus a ECR (1.177,4 µm), foram estatisticamente significativas (p=0,019/p<0,001), permitindo concluir que este aumento significativo de espessura da esclera no grupo experimento, deve-se ao fato da formação de uma cápsula fibrosa entre a esclera e o implante orbitário, independente da interface deste implante (lisa ou rugosa), no entanto esta cápsula fibrosa seria menos espessa na interface lisa do implante orbitário de FullCure 720®. Como existe a possibilidade de um polimento da superfície destes implantes orbitários, a ideia seria deixar esta superfície mais lisa (polida) possível, resultando em menos reação inflamatória, consequentemente na formação de uma cápsula fibrosa menos espessa. Este modelo está em fase inicial de patenteação no Brasil, pela UTFPR.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a resina FullCure 720® é biocompatível quando confeccionada em forma de implante orbitário esférico para ser utilizada em cavidades anoftálmicas de coelhos.
O comportamento clínico dos animais durante todo o seguimento do estudo foi normal e não houve exposições, extrusões dos implantes orbitários ou morte de algum animal.
Os exames bioquímicos não evidenciaram alterações significativas, confirmando a ausência de toxicidade sistêmica da resina FullCure 720® para implante orbitário.
As análises histológicas e morfométricas foram consideradas normais para este tipo de experimento, com formação de uma cápsula fibrosa entre a capa escleral e o implante orbitário.
Ao implantar um material com uma interface mais homogênea em sua superfície, o organismo formou uma barreira (cápsula fibrosa) menos espessa.
AGRADECIMENTOS
Aos amigos Drª. Renata Lopes e Dr. Tiago Moraes, médicos oftalmologistas, pela ajuda com os materiais, documentação fotográfica e auxílio nos procedimentos cirúrgicos.
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Endereço para correspondência:
Rodrigo Beraldi Kormann
Rua Deputado Emílio Carlos, 50
Curitiba (PR) - 80540-080 - Brasil
E-mail: [email protected]
Submetido para publicação: 10 de outubro de 2012
Aceito para publicação: 25 de janeiro 2013
Financiamento: Não houve financiamento para este trabalho.
Divulgação de potenciais Conflitos de Interesse: R.B.Kormann, Nenhum; H.Moreira, Nenhum; G.Crescente, Nenhum; J.A.Foggiatto, Nenhum.
Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba N. 3336/11.
Trabalho realizado na Faculdade Evangélica do Paraná - FEPAR - Curitiba (PR), Brasil.