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Editorial

Acomodação

Accommodation

Luís Carlos F. de Sá1; Mauro Plutt2

DOI: 10.1590/S0004-27492001000500021

ATUALIZAÇÃO CONTINUADA

SOCIEDADE BRASILEIRA DE LENTE DE CONTATO E CÓRNEA - SOBLEC

Acomodação

 

Accommodation

 

Luís Carlos F. de Sá1, Mauro Plutt2

 

 


 

 

DEFINIÇÃO

Acomodação é o processo responsável pela mudança do poder refrativo do olho, garantindo que a imagem seja focalizada no plano retiniano.

 

MECANISMO

A acomodação resulta da mudança na forma do cristalino, através de alteração na sua curvatura e espessura central, modificando o poder dióptrico do olho. A teoria clássica de Helmholtz(1) propõe que o músculo ciliar ao se contrair produz um relaxamento das fibras zonulares, aumentando a espessura e a curvatura do cristalino e por conseqüência, aumentando o seu poder dióptrico. Nos anos 90 este mecanismo foi questionado por Schachar et al.(2) que sugeriram que o aumento da tensão zonular aumentaria, ao invés de diminuir, o poder dióptrico do cristalino, o que não foi confirmado posteriormente(3-4). Recentemente Werner et al.(5) publicaram uma excelente revisão sobre os principais aspectos da fisiologia da acomodação e sua relação com a presbiopia.

A contração do músculo ciliar representa o mecanismo periférico da acomodação, secundário a um mecanismo central. Este mecanismo central é ativado por um estímulo visual (a imagem desfocada na retina). Através das vias ópticas, este estímulo atinge as áreas 17 e continua até a área 19(6) onde se inicia a alça eferente da resposta. O músculo ciliar é inervado pelo III par craniano, com a maioria das fibras provenientes do núcleo de Edinger-Westphal, do complexo óculo-motor, através do gânglio ciliar. Embora os impulsos parassimpáticos sejam os mais importantes na geração da acomodação, o sistema simpático também atua de uma forma secundária. Este efeito secundário pode ser resultado da vasoconstrição e redução na massa do corpo ciliar, aumentando a tensão das fibras zonulares, que produz um achatamento do cristalino(6).

 

CICLOPLEGIA

Antes de abordar o assunto "medida da acomodação", vale lembrar que para o cálculo da acomodação é fundamental que o erro de refração esteja totalmente corrigido. Para o diagnóstico do erro de refração, em condições ideais, é necessário que a acomodação esteja relaxada. Várias são as técnicas para mantermos a acomodação relaxada. A mais comum é utilizando-se colírios cicloplégicos como a atropina, homatropina, escopolaminna, ciclopentolato e tropicamida (vide tabela). Crianças com íris escuras e orientais podem levar mais tempo para se chegar a midriase e à cicloplegia(7-8) e colírio anestésico prévio pode abreviar este período(9). O colírio de atropina a 1,0% é classicamente o mais eficaz para se obter uma boa cicloplegia. Nos últimos anos, diversos trabalhos comparando o efeito cicloplégico dos diversos colírios e o número de gotas necessário comprovam que a instilação de uma gota de ciclopentolato a 1,0% é suficiente para se obter uma boa cicloplegia(10-14). Outras técnicas como retinoscopia em quarto escuro e "fogging" ou borramento do olho contralateral são alternativas para a cicloplegia, embora esta última possa ter um efeito oposto(15).

 

MEDIDA DA ACOMODAÇÃO

Acomodação é medida em dioptrias (D) e representa a recíproca da distância de fixação em metros. Em outras palavras, se a distância de fixação é 1 metro, a acomodação é de 1 D, se 1/2 metro a acomodação é de 2 D, se 1/3 é 3D e assim por diante.

A amplitude de acomodação é o valor máximo do aumento de poder dióptrico e deve ser medida para cada olho separadamente, já que binocularmente a amplitude de acomodação é geralmente maior (0,5 a 1,0 D). A medida da amplitude de acomodação deve ser realizada no olho emétrope, ou com a sua refração corrigida, quando necessário. Raramente a amplitude de acomodação é diferente entre os dois olhos; trauma e refração incorreta são as principais causas de amplitude de acomodação diferente entre os dois olhos(16). A amplitude pode ser medida de três formas: por meio do ponto próximo de acomodação, com régua de acomodação e pelo método de lentes esféricas.

A medida do Ponto Próximo de Acomodação é a forma mais simples e prática. Utiliza-se um estímulo (tabela de perto) movendo-o na direção de cada olho até que as letras comecem a ficar embaçadas, sendo este o ponto próximo de acomodação. Em um olho emétrope (ou corrigido com lentes), o ponto remoto estará no infinito (onde a acomodação é nula) e o ponto próximo de acomodação pode ser convertido em dioptrias de acomodação.

Com uma régua de acomodação, tipo régua de Prince, onde existe uma escala em centímetros e dioptrias, utiliza-se uma tabela de perto e uma lente de +3,00 D sobre o olho emetrópe (ou corrigido com lentes). Ao colocar a lente de +3,00 D, o ponto remoto passa ser a 1/3 m e o ponto próximo passa a ser também 3 D mais perto. A amplitude de acomodação é determinada subtraindo-se o valor em dioptrias do seu ponto remoto, do valor em dioptrias do ponto próximo de acomodação.

No método de lentes esféricas, coloca-se à frente de um dos olhos uma tabela de leitura a uma distância fixa. A acomodação é induzida através de lentes negativas sucessivas, até que a imagem fique borrada; a acomodação é então relaxada com o uso de lentes positivas sucessivas, até que novamente a imagem comece a ficar borrada. A soma das duas medidas (convertidas em dioptrias) é o valor da amplitude de acomodação.

A crítica na medida da amplitude de acomodação com o ponto próximo de acomodação e com a régua de Prince, é que ao se aproximar o estímulo acomodativo existe o efeito de magnificação da imagem, diminuindo então, relativamente o estímulo e o efeito de acomodação(17). Com o método das lentes esféricas não existe este efeito de magnificação. Por outro lado, enquanto uma lente negativa de -1,00 D estimulará uma acomodação de aproximadamente 1 D, uma lente de maior poder, como de -3,00 D estimulará uma acomodação menor que 3 D, dependendo da distância vértice, da resposta individual e do uso associado de lentes corretivas(16). A medida da amplitude de acomodação também pode variar de acordo com a posição da cabeça, sendo maior quando a face está paralela ao solo, já que devido ao efeito gravitacional, o cristalino é deslocado anteriormente(18).

 

ALTERAÇÕES DA ACOMODAÇÃO

As principais alterações da acomodação são a presbiopia e o espasmo de acomodação. A acomodação também está diretamente relacionada com a convergência, já que existe uma sincinesia entre ambas. As alterações da relação entre a convergência e acomodação (CA/A), bem como os distúrbios da motilidade ocular extrínseca relacionadas com a acomodação (esotropia acomodativa e parcialmente acomodativa) deverão ser abordados em outra revisão temática.

1. Presbiopia

A acomodação diminui progressivamente com a idade, embora o início dos sintomas ocorra geralmente após os 40 anos. Esta perda gradual e fisiológica da capacidade de acomodação é denominada presbiopia e deve ser diferenciada da insuficiência de acomodação que pode ocorrer após trauma, encefalite exantemática, ou ainda induzida por medicamentos (tranqüilizantes e parassimpatolíticos).

O mecanismo da presbiopia é estudado há mais de 400 anos(19) e diversas teorias tentam explicar este fenômeno. A teoria lenticular de Hess-Gullstrand distingue-se das demais por proclamar que com a idade existe um aumento paradoxal da contração do músculo ciliar acima da capacidade do cristalino e de sua cápsula responder, o que de acordo com Atchison não é real(19). Provavelmente a etiologia da presbiopia é multifatorial. O cristalino com a idade sofre diversas mudanças, mas a perda da elasticidade da cápsula e da substância do cristalino, além do aumento do volume e da sua espessura proposto por Schachar et al.(2), são provavelmente os principais fatores responsáveis pelo aparecimento da presbiopia(20-21). Outros fatores como alteração na composição protéica do cristalino, formação de agregados de alto peso molecular, mudança no ponto de inserção da zônula, encurtamento do raio de curvatura da superfície anterior do cristalino, diminuição na capacidade de transmissão da luz, alteração na capacidade de contração e relaxamento do músculo ciliar também estão relacionados com o desenvolvimento da presbiopia(22-23).

O tratamento da presbiopia é sintomático e deve ser feito com correção óptica adequada, permitindo a visão de perto sem sintomas. As principais formas de correção óptica são através de óculos, sejam eles com lentes multifocais, bifocais, trifocais, ou separados para visão de perto e longe. Atualmente também existem lentes de contato bifocal ou multifocal. Como alternativa para os pacientes que não se adaptam a outras formas de correção óptica, pode-se utilizar lentes de contato monofocal com a técnica da "monovisão". Nesta técnica, coloca-se no olho dominante a lente de contato para visão de longe e no olho não dominante a lente de contato para perto. A principal desvantagem desta técnica é o comprometimento da visão binocular. Recentemente surgiram técnicas de cirurgia refrativa para correção da presbiopia, baseadas na expansão escleral anterior, assunto ainda polêmico e que não será abordada nesta revisão

2. Espasmo de Acomodação

Com o objetivo de formar uma imagem nítida na retina, a acomodação é ativada ou relaxada, de acordo com a distância de fixação e o erro refracional individual(16). Espasmo de acomodação pode ocorrer associado com iridociclite, induzido por medicações (anticolinesterásicos usados no tratamento do glaucoma), pós-trauma, ou associado com distúrbio neurológico/psiquiátrico(24) .

Alguns pacientes, principalmente após o uso da visão de perto por longos períodos, não conseguem relaxar o músculo ciliar e a acomodação completamente. Com o tempo isto pode se tornar crônico, causando uma pseudomiopia ou uma "hipo" estimação de hipermetropia.

Geralmente trata-se de pacientes jovens, abaixo de 30 anos de idade, tensos e com sobrecarga emocional. Os sintomas mais freqüentes são cefaléia, baixa visual para longe (pseudomiopia), ponto próximo de acomodação anormal (mais próximo) e oscilação da visão. No exame ocular geralmente existe miose, esoforia, oscilação na retinoscopia e o mais importante, existe uma grande diferença entre a refração dinâmica e a refração pós-cicloplegia, aspecto fundamental do diagnóstico.

O tratamento deve ser feito essencialmente com o uso de colírio cicloplégico ou pela prescrição de lentes positivas adicionais(24). Em casos especiais, o encaminhamento para acompanhamento clínico/psiquiátrico pode ser útil(16).

 

 


Keywords: Ocular accommodation/physiopathology; Mydriatics; Presbyopia


 

 

REFERÊNCIAS

1. Helmholtz HLF. Treatise on physiological optics. New York: Dover; 1962.         

2. Schachar RA, Black TD, Kash RL. The mechanism of accommodation and presbyopia in the primate. Ann Ophthalmol 1995;27:58-67.         

3. Glasser A, Kaufman PL. The mechanism of accommodation in primates. . Ophthalmology 1999;106: 863-72.         

4. Burd HJ, Judge SJ, Flavell MJ. Mechanics of accommodation of the human eye. Vision Res 1999;39:1591-5.         

5. Werner L, Trindade F, Pereira F, Werner L. Fisiologia da acomodação e presbiopia. Arq Bras Oftalmol 2000:63:487-93.         

6. Von Noorden GK. The near vision complex. In: Von Noorden GK, editor Binocular vision and ocular motility: theory and management strabismus. 4thed. St. Louis: Mosby; 1990. p. 85-6.         

7. Kleinstein RN, Mutti DO, Manny Re, Shin JA, Zadnik K. Cycloplegia in african¾american children. Optom Vis Sci 1999;76:102-7.         

8. Chan OY, Edwards M. Comparison of cycloplegic and noncycloplegic retinoscopy in Chines pre-scholl children. Optom Vis Sci 1994;71:312-8.         

9. Siu AW, Sum AC, Lee DT, Tam KW, Chan SW. Prior topical anesthesia reduces time to full cycloplegia in Chinese. Jpn J Ophthalmol 1999;43:466-71.         

10. Celebi S, Aykan U. The comparison of cyclopentolate and atropine in patients with refractive accommodative esotropia by means of retinoscopy, autorefractometry and biometric lens thickness. Acta Ophthalmol Scand 1999;77:426-9.         

11. Stolovitch C, Loewenstein A, Nemmet P, Lazar M. Atropine cycloplegia: how many instillations does one need? J Pediatric Ophthalmol Strabismus 1992;29:175-6.         

12. Nicolela MT, De Sá LCF, Caldeira JAF. Cicloplegia e efeito cicloplégico. . Arq Bras Oftalmol 1991;54:177.         

13. Von Hertwig R, Lui Netto A, Souza-Dias CR. Acomodação residual sob o efeito cicloplégico do cloridrato de ciclopentolato a 1%. Arq Bras Oftalmol 1194;57:407-11.         

14. Pinheiro RK, Lui Netto L. Estudo comparativo da acomodação residual após instilação de colírios de tropicamida a 1%, ciclopentolato a 1% e associação de tropicamida a 1% + ciclopentolato a 1%. Arq Bras Oftalmol 2000;63: 475-9.         

15. Cruz AAV. A posição de repouso do sistema acomodativo: implicações clínicas. Arq Bras Oftamol 1993;56:130-3         

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18. Atchison DA, Claydon CA, Irwin SE. Amplitude of accommodation for different head position and different directions of eye gaze. Optom Vis Sci 1994;71:339-45.         

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20. Gilmartin B. The aetiology of presbyopia: a summary of the role of lenticular and extralenticular strucures. Ophthalmic Physiol Opt 1995;15:431-7.         

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23. Strenk SA, Semmlow JL, Strenk LM, Munoz P, Gronlund-Jacob J, DeMarco JK. Age- related changes in human ciliary muscle and lens: a magnetic resonance imaging study. Invest Opthalmol Vis Sci 1999;40:1162-9.         

24. Goldstein JH, Schneekloth BB. Spasm of the near reflex: a spectrum of anomalies. Surv Ophthalmol 1996;40:269-78.         

 

 

1 Médico Oftalmologista do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
2 Médico Oftalmologista, Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo.

Endereço para correspondência: [email protected]


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