Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Cross-linking e segmento de anel corneano intraestromal

Cross-linking and intrastromal corneal ring segment

Adimara da Candelaria Renesto1; Marta Sartori1; Mauro Campos1

DOI: 10.1590/S0004-27492011000100017

RESUMO

O cross-linking corneano é um procedimento usado para a estabilização mecânica e aumento da rigidez corneana em pacientes com ceratocone (reduzindo a possibilidade de progressão), e também em processos inflamatórios de afinamento corneano. Os segmentos de anéis corneanos intraestromais têm como princípio o aplanamento central da córnea. Inicialmente utilizados para correção de baixa miopia, a principal indicação atual é em pacientes com ceratocone, para melhorar a acuidade visual não corrigida, a acuidade visual corrigida e permitir uma melhor tolerância ao uso de lentes de contato como também retardar a necessidade de um transplante de córnea. O objetivo deste artigo é revisar algumas publicações relacionadas ao cross-linking corneano e à inserção do segmento de anel intraestromal, apresentando suas indicações, resultados e complicações relatadas até o momento.

Descritores: Córnea; Riboflavina; Colágeno; Terapia ultravioleta; Ceratocone

ABSTRACT

Corneal cross-linking is a procedure used for stabilizing the cornea in patients with progressive keratoconus by increasing corneal rigidity, and it is also used in corneal inflammatory melting process. The intrastromal corneal ring segments act by flatting the center of the cornea. Originally designed for the correction of mild myopia, the segments are now being used for reduction of keratoconus in order to improve the uncorrected visual acuity, the best spectacle corrected visual acuity, to allow good tolerance to the use of contact lenses and delay the need for corneal grafting procedures. The present text presents a review of corneal cross-linking and insertion of intrastromal corneal ring segments, emphasizing their indications, results and complications related until now.

Keywords: Cornea; riboflavin; collagen; Ultraviolet therapy; keratoconus


 

 

HISTÓRICO

A investigação biomecânica de córneas humanas ectásicas iniciou-se a partir de 1980 revelando diferenças significantes na sua elasticidade comparada com córneas normais, indicando uma diminuição na rigidez corneana em córneas com ceratocone(1). A base microscópica destes achados ainda é desconhecida, mas acredita-se em uma redução das ligações cruzadas de colágeno corneano e também das ligações moleculares entre os proteoglicanos corneanos estromais(2).

Até 1998, nenhum tratamento conservador para ectasia corneana estava disponível. O princípio do cross-linking corneano (CXL) pela combinação da irradiação ultravioleta A (UVA) e o fotossintetizador riboflavina é o aumento da rigidez corneana devido ao aumento das ligações intrafibrilares e interfibrilares entre as moléculas de colágeno da córnea levando à diminuição da progressão de ectasias corneanas(3). Os primeiros estudos de CXL em olhos humanos iniciaram-se em 1998 na Universidade de Dresden, Alemanha por Wollensak, Spoerl e Seiler(4).

 

INTRODUÇÃO

O ceratocone é uma doença relativamente frequente com uma incidência de 1 em 2.000 na população geral, afetando jovens pacientes(5). Ao redor de 21% dos pacientes com ceratocone serão submetidos ao transplante de córnea(5). Métodos atuais de tratamento, como os segmentos de anéis intracorneanos, ceratectomia fotorrefrativa e o uso de lentes de contato apenas corrigem o erro refrativo não impedindo a progressão da doença(5). Pela primeira vez, um novo tratamento baseado nas ligações cruzadas de colágeno com a ajuda da irradiação ultravioleta A e o fotossintetizador riboflavina foi introduzido. Este tratamento tem como objetivo interferir no colágeno corneano de pacientes com ceratocone e mudar as propriedades biomecânicas intrínsecas deste colágeno, impedindo assim a progressão da doença(5).

PRINCÍPIO BÁSICO

O CXL é um método largamente empregado na indústria de polímeros para o endurecimento de materiais e também em bioengenharia para a estabilização de tecidos(5).

Usando UVA em um comprimento de onda de 370 nm e o fotossintetizador riboflavina (Figuras 1 e 2), esta é excitada em seu estado triplo produzindo espécies reativas de oxigênio, principalmente oxigênio livre e em menor quantidade radicais de ânion superóxidos. O oxigênio livre reage com várias moléculas induzindo ligações químicas covalentes e pontes entre grupos aminos das fibrilas de colágeno corneano (reação fotoquímica tipo II). O comprimento de onda de 370 nm foi escolhido porque é onde se dá o pico de absorção da riboflavina(5) . A riboflavina, vitamina B2 (peso molecular de 376,37 g/mol(6)), é um fotossintetizador não tóxico, solúvel em água e penetra facilmente no estroma corneano na ausência de epitélio(3).

 

 

 

 

TÉCNICA

A técnica padrão para o procedimento do CXL corneano é a seguinte(6): Início do procedimento em sala cirúrgica em condições de esterilização adequadas. Instilação de colírio de cloridrato de proximetacaína 0,5% para anestesia local. Remoção do epitélio corneano central em 9 mm com o uso de uma espátula romba. Um fotossintetizador, colírio de solução de riboflavina 0,1% (10 mg de riboflavina-5-fosfato em solução de 10 ml de dextran-T-500 20%), é aplicado na córnea a cada 5 minutos por um período de 30 minutos antes do início da irradiação UVA. Usando-se a lâmpada de fenda em luz azul de cobalto, o cirurgião confirma a presença da riboflavina na câmara anterior. A córnea então é exposta (uso de blefarostato) à irradiação de luz ultravioleta através de um aparelho em sólido estado, estando disponíveis para uso: O (UV-X System; Peschke Meditrade GmbH, Hunenberg, Switzerland), o X-Link (Opto Eletronica, São Carlos, Brazil(7)), e o CSO Vega CBM X linker (CSO, Florence, Italy(8)), que emitem luz em um comprimento de onda de 370 ± 5 nm a uma irradiância de 3 mW/cm2 ou 5,4 J/cm2. A córnea é exposta por 30 minutos, onde a solução de riboflavina é aplicada a cada 5 minutos. Durante o procedimento, o cirurgião controla a centralização do tratamento pedindo ao paciente para manter o olhar em direção à sonda de emissão de luz. Após o tratamento, é colocada uma lente de contato terapêutica que é mantida até a completa reepitelização corneana. Uma combinação de colírio de antibiótico e anti-inflamatório hormonal é prescrita em média por 15 dias ou enquanto houver defeito epitelial. Pode-se utilizar também analgésicos orais em pacientes com queixa exacerbada de dor.

ESTUDOS LABORATORIAIS

Estudos têm sido conduzidos em relação aos efeitos biomecânicos, efeitos termomecânicos, efeitos morfológicos, efeitos histológicos, localização anterior do efeito principal e efeitos na resistência à colagenase.

EFEITOS BIOMECÂNICOS

Usando um equipamento que avalia medidas de tensão-deformação em córneas porcinas e humanas, Wollensak et al.(9) verificaram que houve um aumento significante da rigidez corneana após o CXL, indicado por um aumento de tensão em córneas porcinas de 71,9% e em córneas humanas de 328,9%. O efeito máximo do CXL encontra-se na porção de 300 µm anterior da córnea. Assim, o maior efeito biomecânico em córneas humanas é explicado pela grande quantidade de estroma submetido ao efeito do CXL, visto que a espessura corneana humana é em média de 550 µm comparada a 850 µm de córneas porcinas.

EFEITOS TERMOMECÂNICOS

Em experimentos termomecânicos com córneas porcinas, o máximo encolhimento hidrotermal foi 70°C para controles não tratados, 75°C para córneas tratadas com UVA e riboflavina e 90°C para córneas tratadas com gluteraldeído, demonstrando a dependência da temperatura de encolhimento no efeito de CXL. Além disso, em córneas tratadas com UVA e riboflavina uma alta temperatura de encolhimento foi observada na porção anterior da córnea (75°C) comparada à porção posterior do estroma (70°C) devido ao alto grau de CXL no estroma anterior. A localização anterior do efeito do CXL é vantajoso para o endotélio corneano e para a preservação da curvatura anterior da córnea(10).

EFEITOS MORFOLÓGICOS

No estroma anterior de córneas de coelhos tratadas com UVA e riboflavina, o diâmetro das fibras colágenas estava significativamente aumentado em 12,2% (3,96 nm), e no estroma posterior de 4,6% (1,63 nm). O efeito do CXL é maior na metade anterior do estroma devido à rápida diminuição da irradiação UVA através do estroma corneano como resultado do aumento da absorção de UVA pela riboflavina(11).

Bottós et al.(7), em um estudo usando imunofluorescência confocal em córneas porcinas submetidas ao tratamento de CXL e possíveis variações de técnica, observaram uma zona de fluorescência anterior (182,5 ± 22,5 µm) altamente organizada e com uma linha de demarcação de fibras de colágeno apenas nos olhos com o tratamento clássico, o que não foi observado em outros grupos (grupo controle apenas com desepitelização da córnea; cross-linking sem desepitelização, ou desepitelização com aplicação isolada de riboflavina ou UVA), ressaltando a importância da remoção do epitélio corneano e da associação riboflavina-UVA para o efeito do tratamento de CXL.

Em um estudo de microscopia confocal a laser in vivo, Mazzotta et al.(12), em um seguimento de três anos de pacientes submetidos ao CXL, demonstraram que não houve dano à região corneana limbar, a anatomia do plexo nervoso estava normal após um ano do procedimento e houve um aumento da densidade da matriz extracelular no pós-operatório tardio pelo CXL do colágeno, evidenciado por uma linha de demarcação tardia a 340 µm de profundidade.

EFEITOS HISTOLÓGICOS

Em coelhos tratados com riboflavina e irradiação UVA variando de 0,75 a 4 mW/cm2, a apoptose de ceratócitos foi encontrada em profundidades variadas já com um dia de pós-operatório dependendo da irradiação utilizada. Com a irradiação padrão de 3 mW/cm2 a apoptose de ceratócitos estava presente a uma profundidade de até 300 µm. Um nível de citotoxicidade de irradiação UVA para os ceratócitos foi mostrado por volta de 0,5 mW/cm2, correspondendo a doses de UVA de 0,86-1,39 J/cm2(13).

LOCALIZAÇÃO ANTERIOR DO EFEITO PRINCIPAL

Há vários achados que apontam para a localização anterior do efeito cross-linking na córnea. O diâmetro das fibras de colágeno está significativamente aumentado somente na metade anterior do estroma(10). Em um estudo em que córneas porcinas e de olhos humanos doadores submetidas ao CXL foram cortadas com um microcerátomo a uma profundidade de 200 µm, em córneas porcinas o efeito de rigidez foi maior no flap anterior tratado (261,7 ± 133,2 x 103 N/m2) em relação ao flap posterior tratado (105,0 ± 55,8 x 103 N/m2) e flaps controles(14). Um efeito semelhante foi observado em córneas humanas. Este estudo demonstrou que o tratamento da córnea com riboflavina e UVA aumenta significativamente a rigidez corneana até 200 µm. Isto é explicado porque 65% de 70% da irradiação UVA foi absorvida dentro de 200 µm e somente 20% após 200 µm(14).

Todos esses achados mostram uma preservação do endotélio corneano e de estruturas oculares mais profundas.

EFEITOS NA RESISTÊNCIA À DIGESTÃO ENZIMÁTICA

O CXL do colágeno corneano pela riboflavina e UVA aumenta significativamente a resistência à digestão pela colagenase, pepsina e tripsina, especialmente na metade anterior da córnea. Botões corneanos porcinos tratados com o CXL, foram dissolvidos somente 13 e 14 dias após digestão de pepsina e colagenase respectivamente versus 6 dias de córneas controles não tratadas. A digestão pela tripsina foi observada no 5º dia em córneas tratadas versus 2 dias em córneas controles. Esses achados encorajam o uso deste procedimento para o tratamento de úlceras corneanas(15).

ESTUDOS CLÍNICOS

O primeiro estudo clínico no tratamento de cross-linking foi realizado por Wollensak et al.(4). Neste estudo, com um tempo de seguimento de 3 meses a 4 anos, 22 pacientes com ceratocone progressivo foram submetidos ao CXL. Em todos os olhos tratados não houve progressão do ceratocone. Em 15 pacientes houve uma melhora da acuidade visual corrigida em 1,26 linhas de Snellen. Em 16 pacientes houve uma regressão e aplanamento do ceratocone em 2,01 dioptrias (D). Não houveram complicações, córnea e cristalino permaneceram transparentes, sem perda de células endoteliais ou alteração na pressão intraocular.

A tabela 1 mostra alguns resultados recentes da literatura no tratamento de cross-linking para ceratocone e outras ectasias.

RISCOS E COMPLICAÇÕES

A irradiação ultravioleta geralmente representa um potencial perigo para o olho humano. Sabemos que a irradiação ultravioleta B (UVB 290-320 nm) é a principal responsável pelas queimaduras oculares causadas pelo sol ou fotoceratites.

No tratamento de cross-linking, apenas um pico de UVA (370 nm) é usado. Além disso, devido à proteção da riboflavina, todas as estruturas atrás do estroma corneano, incluindo endotélio corneano, câmara anterior, íris, cristalino e retina são expostas a uma radiação residual de ultravioleta que é menor do que 1 J/cm2. Este valor é considerado seguro de acordo com as pesquisas da literatura(6-13). Em um estudo de córneas porcinas, o nível de citotoxicidade para o endotélio corneano foi de 0,36 mW/cm2, que poderia ser alcançado em córneas humanas com uma espessura estromal menor do que 400 µm(19). Assim, é de fundamental importância a realização da paquimetria pré-operatória para o procedimento de cross-linking, para a exclusão de córneas com menos de 400 µm estromais, e também checar a irradiância UVA usando o calibrador do equipamento de CXL.

Em relação às complicações do CXL, Koller et al.(20) avaliaram 117 olhos de 99 pacientes com ectasia primária, em um ano de seguimento pós CXL. Neste estudo avaliou-se a razão de complicação do CXL e recomendações para evitá-la. A porcentagem de olhos com perda de 2 ou mais linhas de Snellen foi 2,9%. A razão de falha do CXL (olhos com progressão da ectasia) foi de 7,6%. Idade acima de 35 anos e acuidade visual corrigida pré-operatória melhor do que 20/25 foram identificados como fator de risco para complicações. Infiltrados estéreis foram observados em 7,6% dos casos e cicatriz estromal em 2,8%. Os autores concluíram que algumas mudanças no critério de inclusão para o CXL podem reduzir falhas no tratamento e complicações.

Há também relato de caso relacionando o procedimento do CXL a algumas complicações como ceratite lamelar difusa após o CXL em paciente com ectasia corneana pós laser in situ keratomileusis(21).

Outras potenciais complicações incluem ceratite infecciosa, "haze" estromal e defeito epitelial persistente.

 

SEGMENTO DE ANEL CORNEANO INTRAESTROMAL

HISTÓRICO

O conceito de adicionar tecido na periferia da córnea para remodelar sua curvatura anterior foi introduzido por Barraquer em 1949(22-23).

Em 1987, Fleming et al.(24) descreveram um implante feito de polimetilmetacrilato (PMMA) chamado de anel corneano intraestromal (ACI), baseado em um original conceito desenvolvido por Reynolds(24). As primeiras cirurgias usando os anéis corneanos intraestromais foram realizadas no Brasil em olhos não funcionais por Nosé(25), e nos Estados Unidos por Assil(26), para correção de baixa miopia.

Em 1995, um estudo clínico fase II regulado pelo United States Food and Drug Administration (FDA) teve início usando-se segmentos de anéis corneanos intraestromais (SACI) manufaturados pela Keravision Inc. Em 1999, os SACI foram aprovados pelo FDA para correção de miopia de -1.00 até -3.00 dioptrias (D) recebendo então o nome Intacs. Após falência da Keravision Inc. em 2001, esses anéis passaram a ser representados pela Addition Technology Inc., mantendo-se o nome Intacs.

Em 1986, no Brasil, Ferrara(27) iniciou o uso do SACI para miopias moderadas e altas. Utilizou os segmentos de anéis inicialmente em coelhos albinos, examinados durante 12 meses. Em nenhum caso houve extrusão do implante e sua localização anterior permitiu verificar também um aumento do efeito refrativo do implante(28). Este autor, em 1996, usou o SACI para correção de ceratocone, e em 1999 para correção de astigmatismo irregular após cirurgia refrativa(27).

MECANISMO DE AÇÃO

De acordo com Barraquer(23), quando material é removido da área central da córnea ou adicionado à periferia, um efeito de aplanamento central é alcançado. Ao contrário, quando material é adicionado ao centro ou removido da periferia corneana, há um encurvamento da área central.

Os SACI criam um efeito de encurtamento da lamela corneana, aplanando a área central da córnea. Para correção do astigmatismo, a base de cada segmento pode produzir uma força de tração na superfície, levando a um adicional aplanamento em seu eixo de referência.

A interpretação topográfica de olhos submetidos a inserção do SACI mostra um aplanamento global da córnea, deslocamento do ápice corneano em direção ao centro, preservação da asfericidade corneana e diminuição da irregularidade da superfície(26).

INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES

As indicações para o uso dos SACI têm aumentado constantemente. Inicialmente indicados para baixa miopia(25-26), frequentemente têm sido mais usados em pacientes com ceratocone (com intolerância ao uso de lente de contato e espessura corneana de pelo menos 400 µm na área de inserção), astigmatismo irregular após ceratoplastia penetrante ou lamelar, ectasia corneana após cirurgia refrativa, astigmatismo irregular após ceratotomia radial, degeneração marginal pelúcida, após trauma corneano em superfícies irregulares(29), e mais recentemente associado à técnica do cross-linking corneano(30).

Os SACI não devem ser utilizados em pacientes com ceratocone grave (leitura ceratométrica acima de 70 D), espessura corneana menor de 400 µm na área de inserção, opacidades corneanas, hidrópsia, transplantes corneanos descentrados, doença atópica grave, presença de infecção ativa, doença autoimune sistêmica ou localizada, síndrome de erosão corneana recorrente, cicatriz corneana extensa e distrofias corneanas(26-30).

ANÉIS DISPONÍVEIS PARA INSERÇÃO

- Intacs Addition Technology, Inc. (Fremont, CA, USA): consiste em um par de segmento semicircular de PMMA, com um comprimento de arco de 150°, uma base transversa hexagonal e uma seção longitudinal cônica. Cada segmento tem um diâmetro externo de 8,10 mm e um diâmetro interno de 6,77 mm. O efeito refrativo é modulado por sua espessura, que varia de 250 a 450 µm. Recentemente, um novo desenho do Intacs (Intacs SK, Addition Technology) foi produzido; tem um diâmetro interno de 6,0 mm e uma seção transversal oval. Há duas espessuras disponíveis: 400 µm (para ceratometrias de 57 a 62 D e cilindro <5,0 D) e 450 µm (para ceratometrias >62 D e cilindro >5,0 D)(31) (Figura 3 A).

- Ferrara Ring Segment (Ferrara Ophthalmics, Belo Horizonte, Brasil): esses segmentos são feitos de PMMA Perspex CQ. Estão disponíveis em dois diâmetros, 6,0 mm para miopia até -7,0 D e 5,0 mm para alta miopia. Sua espessura varia de 150 a 350 µm, com mudança a cada 50 µm. O diâmetro interno e externo é de 4,4 mm e 5,4 mm, respectivamente, para 5,0 mm de zona óptica e 5,4 mm e 6,4 mm, respectivamente, para 6,0 mm de zona ótica. Tem uma base triangular com uma constante de 600 µm. Os segmentos têm 90º, 120º, 150º, 160º, 210º ou 240º de arco(31) (Figura 3 B).

- Keraring (Mediphacos, Belo Horizonte, Brasil): são feitos de PMMA e caracterizados por uma base triangular de 600 µm. Os diâmetros apicais são de 5,0 mm ou 6,0 mm e com espessura variando de 150 a 350 µm, com mudança a cada 50 µm. Possui comprimento de arco variável (90°, 120°, 150°, 160°, 210° e 240°). Há dois modelos, o SI5 (zona óptica de 5,0 mm) e o SI6 (zona óptica de 5,5 mm ou 6,0 mm) (Figura 3 C).

- Corneal Ring (Visiontech, Belo Horizonte, Brasil): são feitos de PMMA e caracterizados por uma secção transversal fusiforme. Possui um diâmetro interno de 4,7 mm e a espessura varia de 150 a 350 µm, com mudança a cada 50 µm. Tem comprimento de arco de 155°(comprimento padrão) e 220°(segmento especial).

PLANEJAMENTO CIRÚRGICO

Para a seleção do tipo de segmento de anel a ser inserido e sua posição, o cirurgião deve considerar alguns parâmetros como refração, ceratometria, espessura corneana e a forma do ceratocone de acordo com a topografia. As empresas fabricantes dos segmentos de anéis fornecem nomogramas que auxiliam na escolha desses segmentos.

Há algumas diferenças entre os cirurgiões na escolha da profundidade de implantação do SACI. Relatos na literatura têm mostrado inserção a 66%, 70%, 75% e 80% de profundidade corneana na zona óptica de 5-7 mm. Ertan e Kamburoglu(32) implantaram os segmentos de Intacs em uma profundidade corneana de 70%. Houve extrusão dos segmentos em três olhos em pacientes com ceratocone grave. Coskunseven et al.(33) relataram a inserção do segmento Intacs a uma profundidade corneana de 75%, sem complicações intraoperatórias. É importante seguir o nomograma de cada fabricante a fim de se evitar a utilização de anéis muito espessos (350 µm) em córneas finas. Esses nomogramas trazem a informação do limite máximo de espessura do anel a ser inserido levando em consideração a espessura mínima da córnea do paciente no local de inserção do segmento.

PROCEDIMENTO CIRÚRGICO

O procedimento cirúrgico é realizado sob assepsia e anestesia local.

1) Técnica mecânica

O procedimento é centralizado no reflexo corneano da luz do microscópio, onde um marcador circular é usado para criar duas marcas concêntricas na córnea. Usando um bisturi de diamante com a profundidade de inserção escolhida pelo cirurgião, uma incisão corneana radial é criada entre as duas marcações na periferia do cone, no seu eixo mais curvo (alguns cirurgiões fazem uma incisão horizontal). Através do separador corneano estromal na base da incisão, o tecido corneano é divulsionado para a entrada dos anéis. Com os túneis já iniciados, faz-se a confecção de dois túneis concêntricos, no sentido horário e anti-horário, com tunelizadores apropriados. Após, segue-se a inserção dos anéis. Vácuo também pode ser usado para a criação dos túneis. O diâmetro do túnel depende do tipo de anel selecionado. Na maioria dos casos, não há necessidade de sutura. Após a cirurgia, pode ser colocada uma lente de contato terapêutica por 24 a 48h. Medicações pós-operatórias incluem uma combinação de colírio antibiótico e anti-inflamatório hormonal quatro vezes ao dia por 2 semanas, e lágrimas artificiais.

2) Técnica pelo laser de femtosegundo

O procedimento é centralizado no reflexo corneano da luz do microscópio. Os parâmetros usados para a criação do túnel e incisão são diâmetro interno e externo, comprimento e profundidade da incisão. O túnel é confeccionado pelo laser de femtosegundo (laser infravermelho ultrarrápido 10-15 de segundo) com um comprimento de onda de 1053 nm. O feixe de laser de 3 µm de diâmetro é opticamente focado na profundidade estromal predeterminada no equipamento. Este feixe gera cavidades, microbolhas de dióxido de carbono e vapor de água pelo mecanismo de fotodisrrupção. A interconexão dessas bolhas forma um plano de dissecção. Um anel descartável de sucção é colocado no olho para sua fixação. A criação do túnel intraestromal é completada em 15 segundos, sem manipulação corneana(31). Após, segue-se a colocação do anel.

 

RESULTADOS DE LITERATURA

A tabela 2 mostra alguns resultados da literatura em relação à inserção de diferentes tipos de anéis em ceratocone, assim como as duas diferentes técnicas.

SEGMENTOS DE ANÉIS CORNEANOS INTRAESTROMAIS PARA ECTASIA APÓS CIRURGIA REFRATIVA E DEGENERAÇÃO MARGINAL PELÚCIDA

Alguns estudos relatam o uso de SACI em pacientes com ectasia após laser in situ keratomileusis (LASIK) e em pacientes com degeneração marginal pelúcida (DMP)(40-41). Kymionis et al.(40) apresentaram resultados de 5 anos de seguimento mostrando estabilidade após inserção do Intacs em pacientes com ectasia pós LASIK.

Em DMP, uma doença progressiva, não inflamatória e periférica da córnea caracterizada por uma faixa de afinamento corneano principalmente inferior, Ertan e Bahadýr(41) implantaram Intacs em 9 olhos com DMP usando o laser de femtosegundo. A acuidade visual não corrigida melhorou em todos os olhos do estudo.

Em um estudo de revisão relacionado ao tratamento de ectasias primárias ou secundárias, Tan et al. mostram que a inserção dos SACI seria uma alternativa viável à ceratoplastia penetrante convencional, pois melhoram a acuidade e reabilitação visual dos pacientes(42).

A tabela 3 mostra alguns resultados da literatura relacionados a ectasia após cirurgia refrativa ou DMP.

ASSOCIAÇÃO DE SEGMENTOS DE ANÉIS CORNEANOS INTRAESTROMAIS E CROSS-LINKING

Somente a inserção do Intacs pode não impedir a progressão do ceratocone. Alió et al.(50) encontrou um aumento de 1,67 D nos valores de ceratometria média entre 6 meses e 36 meses em uma série de 13 olhos após a implantação do Intacs. Isto pode ser esperado, pois os segmentos de anéis não tratam o problema estrutural de fraqueza do colágeno corneano. Assim, surgiu a idéia da combinação do tratamento cross-linking com a inserção do SACI em pacientes com ceratocone para garantir a estabilidade corneana(31).

Há ainda poucos estudos associando as duas técnicas descritos até o momento:

Chan et al.(51) mostraram uma adicional razão para a combinação das duas terapias. Em um estudo com 25 olhos, os autores encontraram um maior efeito de aplanamento após a inserção do Intacs no grupo de pacientes que foram submetidos ao CXL (após Intacs). Houve redução estatisticamente significante maior nos valores de cilindro e ceratometria no grupo (CXL+Intacs) em relação ao grupo Intacs somente.

Coskunseven et al.(30) compararam duas sequências de tratamento, (CXL+Keraring) e (Keraring+CXL). A acuidade visual média não corrigida e corrigida melhoraram em ambos os grupos. Os valores médios de equivalente esférico, cilindro e ceratometria também diminuíram em ambos os grupos. Os autores concluiram que de maneira geral, houve uma maior melhora na acuidade visual corrigida, equivalente esférico e ceratometria média no grupo (Keraring+CXL).

Em um estudo onde 25 olhos de pacientes com ceratocone foram submetidos à inserção do Intacs e após, CXL transepitelial (sem remoção de epitélio), Ertan et al.(52) verificaram que após o CXL, houve uma melhora de 1,2 linhas de Snellen na acuidade visual não corrigida e 0,36 linhas de Snellen na acuidade visual corrigida. Houve adicional diminuição nos valores de grau esférico, cilíndrico, ceratometria média e mais curva de 0,5 D, 0,15 D, 0,35 D e 0,76 D respectivamente após o tratamento do CXL. Os autores concluiram que a implantação do Intacs seguida do CXL transepitelial foi efetiva em olhos com ceratocone.

Há algumas possíveis razões para o maior efeito com a adição do tratamento cross-linking. Inicialmente, ele pode funcionar como um simples efeito aditivo, como mostrou Wollensak et al.(4) em seu estudo original. Eles encontraram uma redução média da ceratometria máxima de 2,01 D somente com o cross-linking em 70% dos olhos estudados.

 

COMPLICAÇÕES

A técnica mecânica tradicional de criação do túnel intraestromal pode levar às seguintes complicações(31,53): defeito epitelial no sítio da incisão, perfuração anterior e posterior durante a criação do túnel, extensão da incisão em direção ao eixo visual ou limbo, superficialização dos segmentos de anéis, ceratite infecciosa, intervalo incisional persistente, descentração do anel, afinamento estromal, edema corneano estromal ao redor da incisão ou do anel, extrusão do segmento e migração, hipocorreção ou hipercorreção do erro refrativo, depósitos intraestromais e "glare".

O laser de femtosegundo oferece várias vantagens que poderiam reduzir estas complicações devido a uma localização mais precisa do túnel e de suas dimensões, no que se refere à profundidade, diâmetro e largura. Entretanto, há relatos de complicações. Coskunseven et al.(54) analisando 850 olhos com ceratocone que foram submetidos à inserção do Keraring pelo laser de femtosegundo, observaram que a criação incompleta do túnel foi a complicação intraoperatória mais frequente, e migração do segmento de anel a complicação pós-operatória mais frequente. A razão geral de complicações foi de 5,7% (49 casos).

Em uma revisão retrospectiva de 74 olhos de 45 pacientes(55), Intacs foi implantado em 4 olhos, porém explantado em 3 olhos devido a intenso desconforto ou baixa permanente de acuidade visual. Subsequentemente estes olhos foram submetidos a transplante penetrante de córnea com boa evolução.

 

CONCLUSÃO

O cross-linking é um método que está se mostrando promissor para o tratamento de ceratocone. Sua principal indicação é para pacientes que apresentam ceratocone com progressão documentada. Os segmentos de anéis intracorneanos visam à regularização da superfície corneana pelo seu efeito de aplanamento. A associação das técnicas de inserção do segmento de anel e cross-linking podem proporcionar melhor efeito no tratamento das ectasias corneanas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Adimara da Candelaria Renesto
Rua Carlos Sampaio, 94 - Apto. 22
São Paulo (SP) - CEP 01333-020
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 14.05.2010
Última versão recebida em 07.11.2010
Aprovação em 08.11.2010

 

 

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia, Setor de Cirurgia Refrativa, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.
Os autores não apresentam qualquer tipo de interesse comercial nos produtos ou equipamentos mencionados no texto.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência dos Drs. Sérgio Kwitko e Adriana dos Santos Forseto sobre a divulgação de seus nomes como revisores, agradecemos suas participações neste processo.


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