Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Estudo clínico de celulite orbitária e pré-septal na infância

Orbital and preseptal cellulitis in childhood: a clinical study

César Moreira Sampaio1; Lívia Maria Bittencourt Nossa2; Ana Paula Ramos2; Renata Abreu Paim2; Roberto Lorens Marback2

DOI: 10.1590/S0004-27492001000300008

RESUMO

Objetivo: Estudar retrospectivamente aspectos clínicos e terapêuticos em crianças portadoras de celulite orbitária e pré-septal. Métodos: Foram analisados 52 prontuários de pacientes com idades variando de um mês a doze anos, internados no período compreendido entre 1990 e 1998, com quadro de celulite orbitária ou pré-septal. Resultados: Trauma foi o fator predisponente mais freqüente das celulites orbitárias e pré-septais na infância, seguido pela sinusite e causas não-definidas. As infecções, na grande maioria, tiveram localização pré-septal (94,2%). As hemoculturas, realizadas em 21 pacientes, resultaram em 71% de negatividade, seguido por positividade para S. aureus (19%), H. influenzae (4,7%) e flora mista (4,7%). Todos os pacientes foram tratados e curados com antibioticoterapia utilizando 16 quimioterápicos em 25 diferentes esquemas terapêuticos. A drenagem cirúrgica foi realizada em apenas 7 pacientes. Conclusão: A despeito da falta de uniformidade e diversidade de esquemas terapêuticos empregados nos casos estudados e da falta de avaliação oftalmológica na maioria dos casos, os pacientes foram curados sem complicações. Tal fato indica a necessidade de estudos prospectivos que visem a elaboração de protocolo terapêutico para as celulites da região orbitária na infância, que leve em consideração a relação custo-benefício positiva.

Descritores: Doenças orbitárias; Celulite; Criança; Pré-escolar

ABSTRACT

Purpose: Retrospective study of clinical and therapeutic aspects in children with orbital and preseptal cellulitis. Methods: Fifty-two records of patients admitted at the São Rafael Hospital between 1990 and 1998 were reviewed. The age of the patients ranged from one month to twelve years. Based on a protocol elaborated by the authors the following aspects were analyzed: age, sex, predisposing factors, localization of the cellulitis in the orbital region, clinical, laboratorial and image findings as well as the clinical or surgical therapy and the occurrence of complications. Results: Trauma was the most frequent predisposing factor of orbital and preseptal cellulitis in childhood, followed by sinusitis and undefined causes. The great majority of the infections occurred in the preseptal region. Hemocultures revealed 71% of negativity followed by positivity for S. aureus (19.9%) and H. influenzae (4.79%). All the patients were treated and cured with antibiotic therapy using 16 types of antibiotics in 25 different therapeutic schedules. Surgical drainage was performed in only 7 patients. Conclusion: Despite the lack of uniformity and the diversity of treatment used in this series all the patients were cured without complications. This fact indicates the need of future prospective studies in order to elaborate a therapeutic protocol for the treatment of orbital cellulitis in children based on a cost-benefit relation.

Keywords: Orbital diseases; Cellulitis; Child; Preschool

INTRODUÇÃO

Celulite orbitária constitui situação aguda, extremamente grave(1); ocorre secundariamente por extensão da infecção de tecidos vizinhos, trauma, ou menos freqüentemente, por via hematogênica(2).

Celulite pré-septal atinge de forma aguda os tecidos palpebrais na região anterior ao septo orbitário; caso tal processo ultrapasse os limites deste septo, a condição passa a ser considerada como celulite orbitária.

O presente estudo foi motivado pela gravidade e freqüência da celulite orbitária e pré-septal na infância. Além disso, não conseguimos encontrar estudos semelhantes na literatura oftalmológica brasileira ao nosso alcance. O objetivo básico é descrever aspectos clínicos e a terapêutica utilizada em crianças internadas com esta condição em um Serviço de Pediatria.

 

MÉTODOS

Foram estudados, retrospectivamente, os prontuários de 52 pacientes (20 do sexo feminino e 32 do sexo masculino), com idades variando de um mês a doze anos, internados no Serviço de Pediatria do Hospital São Rafael, no período compreendido entre novembro de 1990 a junho de 1998 com quadro de celulite na região orbitária. Através de protocolo elaborado pelos autores foram analisados aspectos como: idade, sexo, causas predisponentes, localização da celulite na região orbitária, quadro clínico, exames laboratoriais e de imagem, terapêutica clínica e/ou cirúrgica e ocorrência de complicações.

 

RESULTADOS

Observou-se que o fator predisponente mais freqüente foi o trauma na região orbitária (34,6%), seguido pela sinusite e causa não-definida (ambas correspondendo a 23,07%). As demais causas representadas por: dacriocistite, infecção dentária, infecção de pele, amigdalite, conjuntivite, estado gripal e varicela corresponderam a 19,2% dos casos. Não foi encontrado nenhum paciente que apresentasse diabetes ou infecção pós-cirúrgica como fatores predisponentes.

A localização pré-septal foi a mais comum (94,2%), enquanto que a localização orbitária foi responsável por apenas 5,8% dos casos. Não houve nenhum caso de tromboflebite do seio cavernoso.

Os sinais e sintomas oftalmológicos mais freqüentes foram edema e eritema palpebral (Tabela 1).

 

 

Nenhum paciente com celulite orbitária apresentou redução da motilidade ocular, defeito pupilar aferente ou diplopia.

Apenas 17 pacientes (30,9%) foram examinados por oftalmologista.

A leucocitose (acima de 10.000 leucócitos) esteve presente em 41 casos (78,84%).

Apenas 3 pacientes (5,76%) realizaram cultura da secreção conjuntival, cujos resultados foram: flora mista (33,3%), S. saprophyticus (33,3%) e negativo (33,3%).

A hemocultura foi realizada em 21 pacientes (40,38%), cujo resultado foi: negativo (71%), seguido por S. aureus (19,04%), H. influenzae (4,7%) e flora mista (4,7%).

Os exames de imagem, representados pela radiografia dos seios da face, ultra-sonografia orbitária e tomografia computadorizada orbitária, foram realizados em 29 pacientes (55,7%) (Tabela 2).

 

 

O tratamento cirúrgico representado pela drenagem externa foi realizado em 7 pacientes (13,4%).

Ocorreu 1 complicação (1,9%), representada por úlcera corneana.

A média de duração do internamento foi de 8 dias (variando de 2 a 24 dias).

Foram utilizados 25 diferentes esquemas terapêuticos, correspondendo a 16 medicamentos isolados ou em combinação, por um período de tempo que variou de 3 a 21 dias (média de 13 dias); sendo que os mais freqüentes foram Oxacilina e Ceftriaxona com Ácido Clavulânico pós-alta hospitalar (11,53%), Oxacilina e Cloranfenicol (11,53%) e Oxacilina e Ceftriaxona seguidos por Cefalexina pós-alta hospitalar (9,61%). Os antibióticos mais utilizados isoladamente ou combinados foram: Oxacilina, Cefalexina, Cloranfenicol e Ceftriaxona. (Tabela 3) Existiram 6 pacientes tratados com monoterapia, utilizando: Cefalotina ou Cefalexina em 3 pacientes (50%) e Oxacilina em 2 pacientes (33,3%) e Ácido Clavulânico em 1 paciente (16,7%). A terapia combinada com duas medicações foi utilizada por 12 pacientes; os esquemas mais comuns foram: Oxacilina e Cloranfenicol em 4 casos (33,3%) e Oxacilina e Cefalexina também em 4 casos (33,3%). Os demais pacientes, representados por 34 crianças, foram tratados com três ou mais medicações.

 

 

DISCUSSÃO

Celulite orbitária é infecção aguda dos tecidos orbitários que pode se estender para o seio cavernoso levando à tromboflebite e morte(3), sendo por isso, tema freqüentemente debatido por oftalmologistas, pediatras e otorrinolaringologistas.

Os agentes etiológicos envolvidos na celulite orbitária e pré-septal de crianças com menos de 9 anos de idade tendem a ser patógenos aeróbicos simples como Streptococcus sp., S. aureus e Pneumococcus. Pacientes acima de 9 anos de idade e adultos tendem a ter infecções mais complexas causadas por flora mista, mais refratária ao tratamento clínico(4).

Alguns trabalhos têm demonstrado redução na freqüência de H. influenzae, e aumento de Streptococcus sp. e S. aureus após a era da vacinação contra o H. influenzae(3,5). Tal aspecto também foi observado em nossa série cuja positividade da hemocultura para S. aureus foi cerca de cinco vezes mais freqüente que para o H. influenzae.

A causa predisponente mais comum de celulite na região orbitária de crianças é a sinusite ou infecção do trato respiratório superior(2,6). Nosso estudo, entretanto, evidenciou predominância da causa traumática (34,6%) sobre a sinusite (23,07%). Na série estudada por Jackson e Baker(7) a sinusite e infecções respiratórias superiores foram as causas predisponentes mais comuns, seguidas do trauma.

Em 1970, Chandler, Laugenbrunner e Stevens(8) apresentaram classificação para celulite orbitária, levando em consideração aspectos topográficos como segue:

I- Celulite pré-septal ou periorbitária quando a inflamação está limitada à pálpebra, sem acometimento dos tecidos orbitários.

II- Celulite orbitária quando ocorre edema difuso do conteúdo orbitário, com infiltração da gordura orbitária por células inflamatórias e bactérias, sem a formação de abscesso.

III- Abscesso subperiosteal no qual existe coleção de pus entre a parede óssea orbitária e a periórbita.

IV- Abscesso orbitário caracterizado pela formação de abscesso dentro da gordura orbitária.

V- Tromboflebite do seio cavernoso, complicação muito grave que consiste na extensão da infecção para o seio cavernoso.

Houve uma grande predominância, nesse estudo, da localização pré-septal (94,2%) sobre a orbitária (5,8%), corroborando com achados de alguns trabalhos previamente publicados(3,5,9).

Ao analisar o quadro clínico, observou-se predomínio dos seguintes sinais e sintomas: edema palpebral (98%) e eritema palpebral (88,4%), febre e mal-estar (78,84%) e dor à palpação (25%), fato também observado por Dudin e Othman(6). Não houve casos de redução da motilidade ocular, defeito pupilar aferente ou diplopia; devido, provavelmente, ao fato da localização pré-septal corresponder a 94,2% dos casos estudados.

A leucocitose (mais de 10.000 leucócitos) foi freqüente nas crianças em estudo (78,84%); este fato também foi observado por outros autores(10).

Analisando os resultados dos exames de imagem, observou-se predominância da opacificação dos seios da face ao estudo radiológico (87,5%) e de resultado ultra-sonográfico normal (64,28%). A ultra-sonografia é um método menos sensível, particularmente na região do ápice orbitário, não sendo, por isso, rotineiramente empregado(2). Alguns estudos têm demonstrado que a tomografia computadorizada orbitária não é capaz de diferenciar um abscesso subperiosteal de um processo inflamatório da órbita medial(4); além disso, vários pacientes respondem à antibioticoterapia dentro de 48 horas, não se submetendo, por isso, à exploração radiológica(10), talvez por isso, alguns autores sugeriram que a tomografia computadorizada de órbita não é necessária em todos os casos de celulite orbitária(11-12). Acreditamos que o estudo radiológico em crianças com celulite na região orbitária é importante para fins de investigação da causa predisponente, avaliação da extensão do processo, observação de complicações e possível mudança no esquema terapêutico.

O tratamento clínico preconizado variou bastante nos diferentes estudos consultados(2,4,6,10), tendo ocorrido fato semelhante em nossa série; talvez porque o tratamento foi instituído por profissionais de diferentes especialidades, incluindo pediatras, oftalmologistas e otorrinolaringologistas.

Talvez pelo fato de apenas um paciente no presente estudo pertencer ao grupo de alto risco, caracterizado pela presença de um dos seguintes elementos: idade menor que dois meses, toxicidade clínica, sinais de irritação meningea ou déficit neurológico, proptose, perda de visão ou movimentos oculares, mal formação do olho ou cirurgia nas vizinhanças(6) fique explicada a negatividade da hemocultura em 71% dos pacientes.

 

CONCLUSÕES

O tratamento cirúrgico, mesmo na presença de abscesso subperiosteal, só deve ser realizado após piora do quadro clínico com 48 horas de antibioticoterapia sistêmica(2,4) justificando o fato de apenas sete pacientes da nossa série (13,4%) terem sido submetidos à drenagem externa.

Foi observada apenas uma complicação representada por úlcera de córnea. Não foi possível comparar dados oftalmológicos iniciais com finais pois apenas 30,9% dos pacientes foram examinados por oftalmologista.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS

1. Jakobiec FA, Jones IS. Orbital inflammations. In: Tasman W, Jaeger EA editors. Duane´s clinical ophthalmology. Philadelphia: JB Lippincott; 1991. p. 51-6.         

2. Souliere CR Jr, Antoine GA, Martin MP, Blumberg AI, Isaacson G. Selective non-surgical management of subperiosteal abscess of the orbit: computerized tomography and clinical course as indication for surgical drainage [see comments]. Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1990;19:109-19, Comment in: Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1991;21:277-9; comment in: Int J Pediatr Otorhinolaryngol 1993;25:277-8.         

3. Donahue SP, Schwartz G. Preseptal and orbital cellulitis in childhood. A changing microbiologic spectrum. Ophthalmology 1998;105:1902-5; discussion 1905-6.         

4. Harris GJ. Subperiosteal abscess of the orbit: computed tomography and the clinical course. Ophthal Plast Reconstr Surg 1996;12:1-8.         

5. Barone SR, Aiuto LT. Periorbital and orbital cellulitis in the Haemophilus influenzae vaccine era. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 1997;34:293-6.         

6. Dudin A, Othman A. Acute periorbital swelling: evaluation of management protocol. Pediatr Emerg Care 1996;12:16-20.         

7. Jackson K, Baker SR. Periorbital cellulitis. Head Neck Surg 1987;9:227-34.         

8. Chandler JR, Langenbrunner DJ, Stevens ER. The pathogenesis of orbital complications in acute sinusitis. Laryngoscope 1970;80:1414-28.         

9. Aidan P, Francois M, Prunel M, Narcy P. Cellulite de la region orbitaire chez l'enfant. Arch Pediatr 1994;1:879-85.         

10. Noel LP, Clarke WN, MacDonald N. Clinical management of orbital cellulitis in children. Can J Ophthalmol 1990;25:11-6.         

11. Goodwin WJ Jr, Weinshall M, Chandler JR. The role of high resolution computerized tomography and standardized ultrasound in the evaluation of orbital cellulitis. Laryngoscope 1982;92(7 Pt 1):729-31.         

12. Towbin R, Han BK, Kaufman RA, Burke M. Postseptal cellulitis: CT in diagnosis and management. Radiology 1986;158:735-7.         

 

 

1 Médico Assistente. Serviço de Oftalmologia Hospital São Rafael. Fundação Monte Tabor. Salvador (BA).
2 Alunas do Curso de Especialização em Oftalmologia Faculdade de Medicina Universidade Federal da Bahia.
3 Professor Titular Oftalmologia. Doutor. Faculdade de Medicina Universidade Federal da Bahia. Chefe Serviço Oftalmologia Hospital São Rafael. Fundação Monte Tabor. Salvador (BA).

Endereço para correspondência: Av. Garibaldi, 1987, sala 304 - Salvador (BA) CEP 40210-070


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