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Editorial

Funcionamento e desempenho do sistema de Revisão por Pares

Operation and performance of the Peer-Review system

Haroldo Vieira Moraes Jr.; Eduardo Melani Rocha; Wallace Chamon

DOI: 10.1590/S0004-27492010000600001

EDITORIAL

 

Funcionamento e desempenho do sistema de Revisão por Pares

 

Operation and performance of the Peer-Review system

 

 

Haroldo Vieira Moraes Jr.; Eduardo Melani Rocha; Wallace Chamon

 

 

A revisão de manuscritos por especialistas no tema, e as sugestões deles incorporadas no trabalho ou usadas para rejeitá-los é chamada de revisão por pares ("peer-review system").

Esse recurso é usado de maneira regular desde o início do século XVIII, pela Medical Essays and Observations, de Edimburgo, Escócia e tem a sua efetividade reavaliada periodicamente(1).

O sistema já foi definido como "uma negociação entre um autor e uma publicação acerca do âmbito de conhecimento que finalmente surgirão impressas"(2) ou como "uma avaliação, por peritos, da qualidade e pertinência da investigação de outros peritos do mesmo campo"(3). O sistema, também chamado de arbitragem científica, é considerado um dos pilares fundamentais da ciência, usado também para concessão de verbas para pesquisa e prêmios ou honrarias para pesquisadores.

Na década de 80, do século XX, ele passou a ser parte da maioria das agências de fomento e revistas biomédicas do mundo. Dois fatores principais contribuíram para a sua incorporação formal no processo de publicação científica: o crescimento exponencial do número de artigos submetidos, e sua crescente especialização, fenômenos observados também no Brasil e já comentados nos ABO, anteriormente(4-5).

Curiosamente, esse crescimento também demonstrou algumas fraquezas do sistema(6). Alguns estudos abordaram a fragilidade do processo de revisão por pares, mas poucos têm oferecido alternativas razoáveis ao modelo(7). As críticas estão relacionadas a diversos pontos; como o tempo gasto no processo, o cerceamento da liberdade do leitor de fazer sua crítica completa e pessoal, além do inevitável viés dos revisores. Naturalmente, a revisão por pares também não é suficiente para evitar a fraude que, para ser combatida, sempre necessitará de ferramentas mais sofisticadas e, principalmente, da análise crítica dos leitores.

A maneira como o sistema é usado pode variar. Revistas prestigiadas como New England Journal of Medicine, The Lancet e outras aceitam entre 6 a 10% dos manuscritos submetidos. Algumas rejeitam até 50% dos artigos submetidos de imediato, por meio de revisões técnicas, não levando ao conhecimento de revisores especialistas na área, outras chegam a cobrar taxas apenas para fazer a análise, mesmo que acabe numa rápida rejeição do material, sem direito a reembolso. Na maioria das revistas, os revisores têm conhecimento de quem são os autores, no entanto, o anonimato do revisor normalmente só é quebrado se este assim o desejar.

Como já observado pelo Prof. Harley Bicas, em editorial sobre rejeição de manuscritos, a decisão de rejeitar não é fácil de ser tomada, é passível de erro e a intenção dos ABO, ao tomar essa decisão é o melhor beneficio do leitor, procurando ser educativa para autores(8).

Erros no processo de avaliação ocorrem dos dois lados, prova disso é que dentre as causas de rejeição ou pendência na literatura científica médica a inadequação da metodologia estatística é apontada como uma das mais freqüentes. Revistas importantes como Nature Medicine, chegaram a apresentar erros estatísticos em até 38% dos artigos publicados(9-10). Neste contexto, programas de apoio à capacitação de autores e revisores científicos têm sido oferecidos pelos ABO nos Congressos Brasileiros, nos últimos anos.

Os ABO agradecem anualmente os seus revisores e depositam neles a perspectiva de evolução e participação na sua qualidade(11). Boas orientações para a execução dessa árdua e anônima tarefa existem na literatura(12).

Algumas análises bibliométricas indicam que manuscritos enviados a dois ou mais revisores geralmente não obtêm concordância, sobre a qualidade do trabalho, maior do que seria ao acaso(13). Por outro lado, a priorização dada por revisores, publicando apenas manuscritos considerados "excelentes", elevaria consideravelmente o fator de impacto da revista, devolvendo a responsabilidade sobre a qualidade ao autor, que envia os seus melhores manuscritos, e aos revisores que avaliam cuidadosa e rapidamente o que recebem.

Na literatura internacional, o destino dos trabalhos rejeitados é a publicação em revistas de menor impacto, cerca de 18 meses após o envio inicial(14). Nos ABO é observado que muitos autores com artigos pendentes não voltam a enviar o artigo com as revisões feitas ou argumentos para não atender ao pedido do revisor. Nesse casos, o trabalho fica interrompido unilateralmente, faltando dos autores uma satisfação ao empenho da revista em contribuir com a melhora do manuscrito. O desfecho desejado seria atender aos questionamentos, enviar uma réplica aos editores ou abdicar da intenção de publicação. Recentemente a política editorial dos ABO passou a excluir trabalhos pendentes com o autor por mais de três meses.

Em resumo, o trabalho de revisão por pares é sujeito a críticas, que devem ser levadas pelos autores, editores e revisores, para aperfeiçoamento do sistema. O sistema, por sua vez deve persistir, pois ainda é a melhor maneira de assegurar que a boa informação científica chegue aos leitores, até que uma alternativa melhor seja comprovada.

 

REFERÊNCIAS

1. Benos DJ, Bashari E, Chaves JM, Gaggar A, Kapoor N, LaFrance M, et al. The ups and downs of peer review. Adv Physiol Educ. 2007;31(2):145-52.         

2. Goodman SN, Berlin J, Fletcher SW, Fletcher RH. Manuscript quality before and after peer review and editing at Annals of Internal Medicine. Ann Intern Med. 121(1):11-21, 1994. Comment in: Ann Intern Med. 1994;121()1):60-1.         

3. Gitanjali B. Peer review - process, perspectives and the path ahead. J Postgrad Med. 2001;47(3):210-4.         

4. Bicas HE, Dantas PE, Campos M, Muccioli C, Moral C. Sobre a editoração científica no Brasil e seu crescimento. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2008 [citado 2009 Jul 13];71(3):309. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v71n3/a01v71n3.pdf        

5. Moraes Jr HV. Reflexões sobre bioética. Arq Bras Oftalmol. 1997;60:661-2.         

6. Gallagher R. Taking on peer review. The Scientist. 2006;20(2):13.         

7. Turner L. Promoting F.A.I.T.H. in peer review: five core attributes of effective peer review. J Acad Ethics. 2003;1(2):181-8.         

8. Bicas HEA. Sobre rejeições de trabalhos encaminhados à publicação. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(3):283-4.         

9. Statistically significant. Nat Med. 2005;11(1):1.         

10. McCook A. Is peer review broken? The Scientist. 2006;20(2): 26-34.         

11. Muccioli C, Campos M, Goldchmit M, Dantas PEC, Bechara SJ, Costa VP. Revisão de artigos científicos: privilégio para poucos; benefício para todos. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2006 [citado 2010 Jun 12];69(1):5. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v69n1/27714.pdf        

12. Turka LA. After further review. J Clin Invest. 2009;119(5):1057.         

13. Rothwell PM, Martyn CN. Reproducibility of peer review in clinical neuroscience. Is agreement between reviewers any greater than would be expected by chance alone? Brain. 2000;123(Pt 9):1964-9.         

14. Ray J, Berkwits M, Davidoff F. The fate of manuscripts rejected by a general medical journal. Am J Med. 2000;109(2):131-5.         


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