Bárbara Sawitzki Jost1; Érica Hilgemberg2; Eduardo Büchele Rodrigues3; Alexandre Ferreira Daniotti4; Elcio Luiz Bonamigo5
DOI: 10.1590/S0004-27492010000300010
RESUMO
Objetivo: Avaliar a prevalência de retinopatia diabética dos pacientes portadores de diabetes mellitus tipo 2 do município de Luzerna (SC). Métodos: Estudo transversal onde foram incluídos os indivíduos portadores de diabetes mellitus tipo 2, de todas as idades e ambos os sexos, residentes no município de Luzerna. O trabalho analisou o banco de dados de 5.350 pessoas dos dois Programas de Saúde da Família onde está cadastrada toda a população residente no município. Um total de 136 pessoas portadoras de diabetes mellitus tipo 2 foi encontrado e, destas, 120 (89%) completaram todas as etapas do trabalho. Os pacientes realizaram exame oftalmológico para diagnóstico de retinopatia e exame de acuidade visual. Os pacientes foram submetidos a um questionário domiciliar para avaliar perfil demográfico, tempo de evolução da doença e tipo de tratamento realizado. Também foi avaliada a presença de fatores de risco para retinopatia diabética: hipercolesterolemia, glicemia de jejum, hemoglobina glicada e hipertensão arterial sistêmica. Resultados: A prevalência de retinopatia diabética encontrada foi de 38,4%. Além disso, houve associação direta de retinopatia diabética com: tempo de evolução (p<0,0001), lesão renal (p<0,0001) (microalbuminúria ou macroalbuminúria), insulinoterapia (p<0,0001) e hemoglobina glicada alterada (p=0,003). Não houve relação entre retinopatia diabética e: hipertensão arterial (p=0,184), hipercolesterolemia (LDL p=0,745, TGC=0,163, CT=0,528), sexo (p=0,299) e etnia (p=0,889). Conclusão: A prevalência da retinopatia diabética encontrada entre os pacientes com diabetes mellitus tipo 2 foi de 38,4%. Este resultado confirma a necessidade de maior atenção por parte dos serviços públicos na prevenção, orientação e tratamento dos pacientes portadores de diabetes tipo 2, fazendo o diagnóstico precoce e prevenindo a doença.
Descritores: Retinopatia diabética; Diabetes mellitus tipo 2; Hemoglobina A glicosilada; Fatores de risco
ABSTRACT
Purpose: To evaluate the prevalence of diabetic retinopathy in patients affected by type 2 diabetes mellitus in the city of Luzerna (SC). Methods: Cross-sectional study including all individuals with type 2 diabetes mellitus, all ages, both genders, residents in the city of Luzerna. The work analyzed database of 5,350 people from two Family Health Programs, where all city residents are registered. A total of 136 people with type 2 diabetes mellitus were encountered and 120 completed data gathering to the end, resulting in an inclusion rate of 89%. All patients underwent ophthalmologic examination for diagnosis of retinopathy and visual acuity examination. Patients underwent a household questionnaire to evaluate the demographic profile, duration of disease and type of treatment performed. The presence of risk factors for diabetic retinopathy: hypercholesterolemia, fasting plasma glucose, glycosylated hemoglobin and hypertension were also assessed. Results: The prevalence of diabetic retinopathy was 38.4% in the studied population. Moreover, a direct relationship was established between diabetic retinopathy and diabetes mellitus evolution time (p<0.0001), renal damage (p<0.0001), insulin use (p<0.0001) and glycosylated hemoglobin change (p=0.003). There was no correlation between diabetic retinopathy and hypertension (p=0.184), hypercholesterolemia (LDL p=0.745, TGC=0.163, CT=0.528), gender (p=0.299) and origin (p=0.889). Conclusion: The prevalence of diabetic retinopathy found among the patients with type 2 diabetes mellitus was of 38.4%. This result confirms the need for greater attention by public services in prevention and counseling patients with type 2 diabetes, in order to achieve early diagnosis and disease prevention.
Keywords: Diabetic retinopathy; Diabetes mellitus, type 2; Hemoglobin A; glycosylated; Risk factors
INTRODUÇÃO
O diabetes mellitus (DM) é uma síndrome metabólica complexa que ocasiona deficiência relativa ou absoluta de insulina. Aproximadamente 90% a 95% dos pacientes portadores de DM possuem o chamado DM tipo 2, previamente denominado DM não dependente de insulina(1). Uma das complicações microvasculares mais importantes e mais comuns do DM é a retinopatia diabética (RD) que é uma complicação tardia e comum nos indivíduos diabéticos, sendo encontrada após 20 anos de doença em mais de 90% das pessoas com DM tipo 1 e em 60% dos de tipo 2(2). Essa complicação está presente, sobretudo em pacientes com longo tempo de doença e difícil controle glicêmico. O comprometimento visual constitui importante fator de morbidade com elevado impacto social e econômico(3). A RD é a causa mais frequente de cegueira adquirida que compromete pessoas em idade produtiva(2).
Nas capitais brasileiras há uma variação muito grande de indivíduos diabéticos entre a população adulta (acima de 18 anos) que pode ir de 1,8% a 7,5%. Neste conjunto populacional 5,7% das mulheres e 4,8% dos homens informam terem tido o diagnóstico prévio de diabetes(4).
Ao longo do tempo aproximadamente quase a metade dos pacientes portadores de DM desenvolvem RD cujas consequências variam desde a redução parcial da acuidade visual até cegueira, resultando em 7,5% das causas de incapacidade para o trabalho em adultos(5).
Com a finalidade de estabelecer programas de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce de uma doença é importante definir a porcentagem da população atingida. Para isso, estudos epidemiológicos brasileiros têm fornecido informações valiosas sobre a RD. Porém, durante a revisão de literatura realizada para esta pesquisa não foram encontrados dados a respeito da prevalência da RD no Estado de Santa Catarina (SC) o que torna o Estado carente de informações que venham respaldar políticas públicas de prevenção. O objetivo primário deste estudo é estabelecer a prevalência da RD na cidade de Luzerna. A cidade em questão está localizada no Centro Oeste de SC e apresenta cerca de 5.350 habitantes, sendo que desses, 136 são portadores de DM. Os objetivos secundários deste estudo são relacionar possíveis fatores de risco para RD como hipercolesterolemia, nefropatia diabética, níveis elevados de glicemia, hipertensão arterial sistêmica e tempo de evolução do diabetes.
MÉTODOS
Um estudo transversal foi realizado com toda população portadora de diabetes mellitus tipo 2 no município de Luzerna (SC). Foram incluídos na amostra todos os indivíduos portadores de diabetes mellitus tipo 2 de qualquer idade, de ambos os sexos, residentes no município de Luzerna, sendo excluídos todos os pacientes portadores de diabetes mellitus tipo 1. Na análise do banco de dados dos dois Programas de Saúde da Família (PSF), onde se encontra cadastrada toda a população residente no município, que totaliza 5.350 habitantes, foram encontradas 136 pessoas portadoras de diabetes mellitus tipo 2. Todas as 136 pessoas haviam realizado exames laboratoriais confirmatórios prévios para diabetes, alguns de forma particular e a maioria através do PSF. Os resultados destes exames estavam arquivados no banco de dados do PSF. Todos os portadores de diabetes mellitus tipo 2 do município foram cientificados da pesquisa por meio das Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) e convidados individualmente a participarem da mesma, independentemente de fazerem ou não acompanhamento do diabetes junto ao Programa de Saúde da Família do município. Um total de 120 pacientes (89%) participou da pesquisa em todas as suas etapas.
O diagnóstico da RD foi obtido mediante exame oftalmológico realizado por três médicos oftalmologistas, constando de medida da acuidade visual prévia obtida através da tabela de Snellen, estando a refração corrigida e com uso de buraco estenopêico. A seguir foi realizada a fundoscopia binocular indireta sob midríase, obtida com instilação de 1 gota de colírio tropicamida 1% e fenilefrina 10%, sendo este último exame realizado exclusivamente por um retinólogo. Todos os exames foram realizados em um único momento. A partir do exame de fundoscopia binocular os pacientes foram classificados em:
1 - Pacientes sem retinopatia diabética, portanto sem alterações oftalmoscópicas visíveis ou com menos de seis hemorragias puntiformes.
2 - Pacientes com RD não proliferativas (RDNP) leve: somente microaneurismas;
3 - Pacientes com RDNP moderada: olhos com mais alterações do que microaneurismas, mas de forma menos intensa do que a RDNP severa;
4 - Pacientes com RDNP severa: presença de microaneurismas ou hemorragias intrarretinianas severas em 4 quadrantes, veias em rosário em 2 ou mais quadrantes e/ou IRMA (anormalidades microvasculares intrarretinianas) moderada em 1 ou mais quadrantes(6-9).
Para classificar a retinopatia diabética proliferativa (RDP) foi usada a classificação descrita por Kroll et al., que diferencia os estágios da doença baseados em alterações morfológicas como segue: Estágio A, Estágio B fase Bn e Bt, Estágio C1-C4(10-11). Foi avaliada a relação da retinopatia diabética com sexo, idade, tempo estimado de diagnóstico, nível de glicemia, nefropatia, hipercolesterolemia, acuidade visual, nível de hemoglobina glicosilada e quanto à presença sistêmica de hipertensão arterial. Para a avaliação de tais critérios foram realizados os seguintes exames laboratoriais: hemoglobina glicada, glicemia de jejum, colesterol total, HDL, triglicerídeos e microalbuminúria, além da aplicação de um questionário na residência de cada participante. Esse questionário teve por objetivo avaliar hábitos de vida, perfil socioeconômico e história da doença (diabetes) bem como o tempo de evolução e tipo de tratamento em uso no momento da coleta dos dados.
O controle glicêmico foi avaliado através de exame da glicemia de jejum de 12 horas e dosagem da hemoglobina glicosilada realizada através do método de cromatografia com resina de troca iônica. A avaliação do perfil lipídico foi realizada por métodos enzimáticos específicos com leitura colorimétrica. Os níveis de LDL colesterol foram estimados através da equação de Friedewald. Para a avaliação da nefropatia os pacientes diabéticos foram classificados em: Normoalbuminúria valores <17 mg/L; Microalbuminúria (Nefropatia incipiente): valores de 17 a 174 mg/L; Macroalbuminúria (Nefropatia clínica): valores >174 mg/L(12).
A pressão arterial foi determinada com o paciente em posição sentada, após repouso de 5 minutos, em intervalos de 5, 10 e 15 minutos pelas pesquisadoras. Foram calculadas a partir desses dados as médias aritméticas das três aferições, obtendo-se as médias da pressão arterial sistólica e diastólica. Os indivíduos foram classificados como portadores de hipertensão sistêmica quando a pressão arterial sistólica média foi maior ou igual a 140 mmHg ou quando a pressão diastólica média foi maior ou igual a 90 mmHg e/ou uma história prévia de hipertensão com o uso de medicamentos anti-hipertensivos no momento do exame.
O protocolo deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNOESC sob nº 096/2008. A coleta dos dados foi realizada no período de outubro a dezembro de 2008. Para a análise estatística, a amostra estudada foi inicialmente descrita por meio de frequências para as variáveis categóricas e média e desvio padrão para as variáveis quantitativas. Nas comparações dos resultados entre grupos foram utilizados os testes qui-quadrado, exato de Fischer e regressão logística. Para a análise foi utilizado o programa de domínio público Epi Info versão 3.4.3. A significância estatística foi admitida quando p<0,05.
RESULTADOS
Dos 136 pacientes portadores do diabetes mellitus tipo 2 cadastrados no PSF do município de Luzerna, 120 efetivamente participaram da pesquisa, ou seja, 89% da população estudada. Todos os 136 pacientes foram convidados para participar do estudo, porém, uma paciente veio a óbito no decorrer da coleta de dados, 11 pacientes apresentaram dados incompletos por não comparecerem ao laboratório para realização dos exames solicitados ou por não se apresentarem para o exame oftalmológico, sendo retirados da análise final de dados. Três pacientes encontravam-se fora da cidade no período de coleta de dados e um paciente recusou-se a participar da pesquisa.
Em relação ao perfil demográfico encontrado neste estudo, houve maior prevalência do sexo feminino (51,7%). A idade média do grupo, considerando-se ambos os sexos, foi 63,5 anos. A maioria dos participantes (80%) classificou seu tom de pele como branca e afirmou ser de descendência italiana (45%). Quanto ao grau de escolaridade, a maior frequência encontrada neste estudo foi de pacientes com o 1º grau incompleto (67%).
Dos 120 pacientes avaliados, 46 (38,4%), apresentaram algum grau de retinopatia diabética, sendo que destes 41 (34,2%) apresentavam retinopatia diabética não proliferativa e 5 (4,2%), apresentavam retinopatia diabética proliferativa. Foram avaliados 58 indivíduos do sexo masculino e 62 do sexo feminino. Encontrou-se prevalência maior de RD no sexo masculino (43%) em relação ao sexo feminino (33,8%). Pelo teste do qui-quadrado encontrou-se correlação entre RD e tempo de evolução do diabetes, uso de insulina, presença de hemoglobina glicosilada acima do normal (78,2% dos pacientes com RD apresentavam HbA1c ³7), presença de nefropatia (43% dos pacientes com RD apresentaram lesão renal associada) e diminuição da acuidade visual (p=0,034). Não foi encontrada associação entre a prevalência de RD e Hipertensão (PAS apresentou p=0,319), dislipidemia (CT apresentou p=0,528) e uso de hipoglicemiantes orais (p=0,339). Características clínicas e laboratoriais relacionadas à RD estão apresentadas na tabelas 1 e 2.
Na análise de regressão logística, tendo a retinopatia diabética como variável dependente, houve três correlações que se mostraram estatisticamente significantes: uso de insulina (p=0,001), doença renal (p=0,004) e diminuição de acuidade visual (p=0,005). Pacientes que fazem uso de insulina aumentam sua chance de desenvolver retinopatia diabética em 4,68 vezes [95% Intervalo de confiança IC (1,39 a 15,74) em relação a quem não faz uso. Pacientes com doença renal aumentam sua chance de desenvolver retinopatia diabética em 3,24 vezes [95% IC (1,04 a 10,04)] em relação a quem não tem doença renal. A chance de comprometimento da acuidade visual é de 4,30 vezes [95% IC (1,57 a 11,52)]. Os demais resultados não foram significantes do ponto de vista estatístico pelo teste da regressão logística.
DISCUSSÃO
A prevalência de RD encontrada neste estudo foi de 38,4%. Quanto ao sexo a RD foi encontrada em 43% dos homens e 33,8% das mulheres. Quanto ao tipo de RD, 34,2% apresentaram RDNP e apenas 4,2% apresentaram RDP. Recentes estudos brasileiros mostraram uma grande variação na prevalência da RD. Estudo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Ribeirão Preto-USP, que analisou o perfil oftalmológico de 2.360 pacientes, encontrou a prevalência de RD em 20% dos pacientes diabéticos Tipo 1 e 2, sendo 12% com retinopatia diabética não proliferativa (RDNP) e 8% com retinopatia diabética proliferativa (RDP)(13). O mais recente estudo brasileiro que avaliou a retinopatia, incluindo todos os diabéticos (Tipo 1 e 2), de uma amostra de 46 sujeitos (63,9% da população) de um Programa de Saúde da Família do Estado do Rio de Janeiro, encontrou uma prevalência de RD em 19,5%, sendo 13% RDNP e 6,5% RDP(14).
Discordando dos dados acima, estudo realizado no Rio de Janeiro, que analisou somente os diabéticos Tipo 2, encontrou, a partir de uma amostra de 41 pacientes, que 20 (48,8%), apresentavam retinopatia diabética, sendo que 16 apresentavam RDNP e 4 RDP(15). Resultado semelhante foi encontrado em estudo publicado nos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia que avaliou a frequência de RD na população do estado de Pernambuco, comparando a população da região metropolitana, grupo I, com a população de cidades do interior do estado de Pernambuco, grupo II. Em relação à frequência entre os pacientes do grupo I, encontrou-se que 477 (24,2%) diabéticos apresentavam RD, enquanto que no grupo II foi detectada em 89 diabéticos (39,4%)(16). A frequência de RDNP para o grupo I foi de 427 (21,6%) pacientes e para o grupo II, 65 (28,8%). Em relação à RDP, encontraram-se 50 (2,4%) pacientes no grupo I e 24 (10,6%) pacientes no grupo II. Este resultado de maior incidência de retinopatia diabética em pacientes que habitam cidades do interior de Pernambuco (39,4%) está muito próximo daquele encontrado na presente pesquisa (38,4%) cuja cidade também pertence ao interior do Estado.
Portanto, nos estudos científicos consultados há uma variação significativa da prevalência de retinopatia diabética que vai de 19,5%(14) a 48,8%(15), quando se considera o conjunto de pacientes diabéticos Tipo 1 e 2, ou de 24,2%(16) a 48,8%(15) quando são incluídos somente os de Tipo 2. Tal fato pode ser explicado por vários fatores como a grande variação da amostra dos estudos supracitados, diferentes metodologias empregadas por tais estudos e diversidade de etnias e regiões demográficas, entre outras causas. Alguns autores(16) consideram que pacientes de cidades de interior do Estado estão mais propensos a desenvolver retinopatia diabética devido a três fatores: desinformação, condições menos favoráveis de transporte dos pacientes e ausência de unidades descentralizadas de atendimento especializado. Estes autores recomendam basicamente o uso da telemedicina e a descentralização de unidades de atendimento para diminuir a prevalência.
No presente estudo há outro fator a ser considerado. A cidade em que foi realizada a pesquisa possui um IDH-M elevado (0,857), ocupando o 5º lugar no Estado e o 19º no Brasil, segundo levantamento realizado em 2000 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano(17). Tal fator, que é positivo do ponto de vista do desenvolvimento humano, poderia estar influenciando negativamente os hábitos da população na medida em que favorece a ingestão de alimentos com maior quantidade de substâncias hiperglicemiantes, dificultando o controle da glicemia e favorecendo o aumento da prevalência de retinopatia diabética entre os pacientes. Uma causa apontada por alguns autores(13) para um índice mais baixo de RD em seu trabalho (24%) foi a predominância de pacientes da faixa econômica mais pobre na amostra analisada, desfavorecendo teoricamente a alimentação hiperglicemiante. O aumento da idade dos pacientes favorece o desenvolvimento de RD por prolongar o tempo de exposição à doença. Como a média de idade da amostra deste estudo é de 63,5 anos, este fator pode estar contribuindo para a elevação da prevalência de RD. Não obstante, a prevalência da diabetes na população adulta (acima de 18 anos) foi de 3,17%. Este índice está um pouco abaixo do recente estudo feito nas capitais brasileiras pelo Ministério da Saúde, através da Secretaria de Vigilância Sanitária, que encontrou a prevalência de 5,7% de portadores de diabetes entre as mulheres e 4,8% entre homens(4). Tal divergência permite supor que existam casos não diagnosticados ou que não sejam de conhecimento do PSF, apesar do rigor com que foi feita a busca dos pacientes pelos autores e agentes de saúde.
Um estudo publicado pela Organização Mundial da Saúde(18) estima que o número de pacientes diabéticos no Brasil passe de 4,6 para 11,3 milhões no período que vai do ano 2000 a 2030. Desta forma, considerando-se a prevalência dos dados do presente trabalho e de outros mencionados(14-15), o número de pacientes com retinopatia diabética passaria dos prováveis 897 mil a 2,24 milhões para 2,20 a 5,51 milhões, considerando-se a menor e a maior prevalência encontrada na literatura (respectivamente 19,5% e 48,8%). Este contingente bastante significativo de pacientes vai exigir especial atenção e recursos das autoridades públicas brasileiras uma vez que tanto haverá necessidade de tratar a doença básica e suas complicações, especialmente a retinopatia diabética. Outros estudos serão necessários para determinar com mais precisão a prevalência da RD no Brasil, bem como explicar as diferenças de prevalência entre capitais e cidades do interior.
Não foi encontrada significância estatística ao relacionar-se hipertensão arterial com retinopatia diabética uma vez que no momento da coleta dos dados 73% dos pacientes com retinopatia diabética e 62% dos pacientes sem retinopatia apresentaram níveis pressóricos elevados. Em concordância com o presente trabalho, dois estudos brasileiros recém realizados, respectivamente no Rio Grande do Sul(19) e Rio Grande do Norte(20), avaliaram fatores de risco relacionados ao diabetes e concluíram que a hipertensão arterial não pareceu constituir fator agravante da retinopatia diabética. No entanto, a Sociedade Brasileira de Diabetes considera o controle da hipertensão arterial uma medida importante para evitar complicações secundárias como a RD(21).
A média de tempo de doença (DM) para a manifestação da RD de acordo com o presente estudo foi de 13 anos. Segundo o teste qui-quadrado houve significância estatística com p<0,001 e erro padrão de 1,38. Em concordância com a literatura, a duração do DM é um dos fatores mais importantes na prevalência de RD(15,19).
O índice de HbA1c³7 entre os pacientes diabéticos tipo 2 portadores de RD pesquisados alcança 78,2% (p=0,003). No entanto, considerando-se o total dos pacientes diabéticos, com e sem RD, o índice de HbA1c³7 baixa para 62%. Este resultado está de acordo com o recente estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo(22) que avaliou 6.671 pacientes diabéticos tipo 2 e encontrou HbA1c³7 em 73%, confirmando que a maioria dos pacientes pesquisados em ambos os trabalhos apresentava controle glicêmico inadequado. Esta pesquisa mostrou evidência estatística entre HbA1c e RD pelo teste qui-quadrado (p=0,003).
Neste sentido, a necessidade de controle glicêmico para a diminuição do risco de RD foi demonstrada em diversos estudos prospectivos(15,19). Um ensaio clínico randomizado denominado UKPDS (UK Prospective Diabetes Study Group)(23) acompanhou 4.209 pacientes portadores de DM tipo 2 recém diagnosticados. Para avaliar o controle glicêmico, os pacientes (n=3.867) foram submetidos a tratamento intensivo do DM (sulfoniluréias ou insulina) ou convencional (dieta) por 10 anos, concluindo-se que para cada ponto porcentual de redução nos valores de HbA1c houve aproximadamente 35% de redução no risco de complicações microvasculares. Divergindo deste resultado, o trabalho de Deveza et al(15) não encontrou associação entre prevalência de RD e HbA1c. Os autores justificam a ausência de associação ao fato de seu estudo ser transversal, diferindo do UKPDS que é prospectivo.
Pelo teste da regressão regressão logística (p=0,41) a chance de ocorrência de RD em pacientes com nefropatia está aumentada em 3,24 vezes (IC 1,04 a 10,04). O controle rígido da glicemia reduz a incidência de nefropatia e RD, reforçando a associação entre ambas as complicações microvasculares(2).
O uso de insulina demonstrou estar associado à presença de RD (p>0,0001) pelo teste qui-quadrado. Pela análise de regressão logística (p=0,005), pacientes que fazem uso de insulina aumentam sua chance de desenvolver retinopatia diabética em 4,68 vezes (IC 1,39 a 15,74). Este resultado está de acordo com estudo realizado em Porto Alegre(19) que encontrou maior gravidade da RD em pacientes com dependência insulínica.
A média de acuidade visual no grupo com RD, obtida com a tabela de Snellen, foi de 0,59 (±0,058), variando de percepção de vultos a 1,0, enquanto que no grupo sem RD a média de acuidade visual foi de 0,71 (±0,06). Este valor de 0,59 (p=0,05) do grupo com RD é inferior ao descrito por estudo brasileiro que avaliou tardiamente portadores de RD(24) e encontrou uma média de acuidade visual de 0,83, variando de 0,5 a 1,0, também medida com a tabela de Snellen. Isto pode ser explicado devido àquele estudo ter sido realizado com portadores assintomáticos de retinopatia diabética, sem queixas de diminuição da acuidade visual. Pelo teste de regressão logística (p=005) a chance de comprometimento visual em pacientes com RD aumenta em 4,30 vezes (IC 1,57 a 11,82).
Não houve associação entre o uso de hipoglicemiantes, hipercolesterolemia e a presença de retinopatia tanto através do teste qui-quadrado como de regressão logística. Em relação à hipercolesterolemia, a mesma vem sendo discutida em vários estudos. Muitos trabalhos e instituições consideram a existência da correlação, embora apresentem a ressalva de que a hiperglicemia constitui o fator de risco mais importante(2,25-28).
CONCLUSÃO
A prevalência da retinopatia diabética encontrada entre os pacientes portadores de diabetes mellitus tipo 2 pesquisados no presente trabalho foi de 38,4%. Houve significância estatística da retinopatia diabética em relação ao tempo de evolução do diabetes, ao uso de insulina, à HbA1c acima de 7%, à presença de microalbuminúria e à diminuição de acuidade visual. Este resultado confirma a necessidade de maior atenção por parte dos serviços públicos na prevenção, orientação e tratamento dos portadores de diabetes tipo 2. A prevenção e o diagnóstico precoce, por serem meios de ação mais econômicos para o governo, justificam a importância da realização de estudos epidemiológicos como fonte de dados essenciais à formulação de novas políticas públicas.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem Luciana Hilgemberg pela correção gramatical deste trabalho, a acadêmica do 6º ano do Curso de Medicina da UNOESC Caroline Rockenkol pela participação nos exames oftalmológicos realizados e a professora Andréia Antoniuk Presta pela colaboração estatística.
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Endereço para correspondência:
Elcio Luiz Bonamigo
Rua Francisco Lindner, 310
Joaçaba (SC) CEP 89600-000
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 24.09.2009
Última versão recebida em 15.03.2010
Aprovação em 28.04.2010
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC - Joaçaba (SC) - Brasil.