Eduardo M. Rocha
DOI: 10.1590/S0004-27492010000300001
EDITORIAL
Ética em publicações científicas: um trabalho de todo dia - a busca do valor absoluto no mundo relativizado
Ethics in scientific publication: an everyday work - the search for an absolute value in a relativized world
Eduardo M. Rocha
Ética se refere a reflexões sobre o certo e errado frente aos valores de um grupo social. Ela faz intersecção com a moral, com o conjunto das leis e com os usos e costumes, mas não é sinônimo ou substituto de nenhum deles. O centro do seu conceito deve ser o bem-estar desse grupo ou comunidade.
A ciência médica ultrapassa barreiras impensáveis e os Arquivos Brasileiros de Oftalmologia (ABO), como veículo dessas informações, está chegando a uma comunidade cada vez maior e mais distante. Isso se deu pelas indexações nas ferramentas de busca (PubMed e ISI) assim como pelo acesso eletrônico gratuito via Scielo(1).
Em anos recentes o tema da ética na pesquisa e na publicação cientifica foi abordado em editoriais dos ABO, de forma competente e didática(2-4). O papel e a responsabilidade do elenco de autores foi também tema de editorial(5). Todo jovem ou veterano autor pode e deve se orientar sobre a importância do termo de consentimento para todos os envolvidos: sujeitos e autores de pesquisa(4).
Em editorial de 2008, a justificativa e caminho para obtenção de aprovação prévia por comitê de ética foi claramente exposta. O texto esclarece que todos os tipos de artigos, provenientes de instituições públicas ou privadas, devem e podem recorrer aos comitês de ética em pesquisa(3). A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) está pronta para orientar e oferecer esse serviço de utilidade pública(6). Da mesma forma, o artigo revela que os ABO é signatário de acordo que prevê a exigência de comprovação de aprovação ética de todo estudo a ser publicado em suas páginas(7).
Observada a crescente universalização dos ABO, tanto na busca de informações como na divulgação de trabalhos de diferentes partes do mundo, questionamentos internacionais surgirão, e os padrões de aprovação e condução do estudo, adotados pelos autores, deverão ser avaliados em cada caso. O Brasil tem um excelente padrão referencial de controle das pesquisas em seres humanos, oferecido pelo Sistema Nacional de Informações sobre Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (SISNEP)(8). Os estudos também são avaliados internamente, nas instituições, sendo previsível que variações institucionais ocorram em função das diferenças na cultura interna e em correntes de pensamento.
Ao aprovar um estudo e emitir um documento prévio a sua execução, o comitê de ética em pesquisa (CEP), pode não ser capaz de antever problemas abordados durante o andamento do estudo e não ter condições de monitorar o seu fiel cumprimento. Para isso, comitês de acompanhamento ou auditoria de estudos foram sugeridos(9).
Autores de pesquisas realizadas em regiões do mundo que não possuem CEP ou que sofram com a forma de atuação desses comitês, devem ser avaliados para publicação desde que sejam salvaguardados os conceitos da análise prévia por indivíduos independentes, o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e as normas internacionais que protegem os direitos de pacientes ou animais. Devemos contribuir para que, desta maneira, seja promovida a educação para ética evitando que estes locais tornem-se bolsões de clandestinidade em experimentação médica. Da mesma forma, autores e leitores que observem entraves alheios a princípios éticos, mas vinculados a divergências por conflitos de interesse ou políticos, devem ter espaço para expressar isso. Retardar ou dificultar a aprovação de projetos, condução de pesquisas ou avaliação de manuscritos, interfere na qualidade científica e informativa da comunidade.
Apesar de muito bem vindas, pesquisas experimentais ainda são pouco frequentes nos ABO. Informações muito importantes para a ciência médica vieram de estudos com animais e a comunidade científica deve estar atenta às condições a que os animais estão expostos(10-11). Essas também devem ser objeto de análise prévia por comitê de ética em pesquisa animal, como vem ocorrendo em todo mundo nas últimas décadas e tornou-se obrigação legal no Brasil, a partir da regulamentação da "Lei Arouca" em 2009(12-13).
A editoria dos ABO ressalta o excelente esforço e os resultados obtidos na ética de publicações, fruto do trabalho de autores, leitores e editores anteriores, e enfatiza que aspectos fundamentais e conceituais serão considerados acima e além das formalidades e conjunturas. Em última análise a editoria deverá zelar pela ética nas publicações, salvaguardando pacientes, leitores e autores; ou seja, os valores da sua comunidade.
REFERÊNCIAS
1. SciELO - Scientific Eletronic Library. 2010 [cited 2010 June 20]; Available from: http://www.scielo.org.
2. Muccioli C. O comitê de ética em pesquisa (CEP) e as publicações científicas [editorial]. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2004 [citado 2010 Jun 20];67(2):195-6. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v67n2/19739.pdf
3. Muccioli C, Dantas P, Campos M, Bicas HE. Relevância do comitê de ética em pesquisa nas publicações científicas [editorial]. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2008 [citado 2010 Jun 20];71(6):773-4. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v71n6/a01v71n6.pdf
4. Silva L, Oliveira F, Muccioli C. O processo de consentimento na pesquisa clínica: da elaboração a obtenção. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2005 [citado 2010 Jun 20];68(5):704-7. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v68n5/26751.pdf
5. Muccioli C, Campos M, Goldchmit M, Dantas P, Bechara S, Costa V. A ética, a pesquisa e a publicação científica [editorial]. Arq Bras Oftalmol [Internet]. 2006 [citado 2010 Jun 20];69(6):787. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abo/v69n6/a01v69n6.pdf
6. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Brasilia: Ministério da Saúde; 2010 [citado 2010 Jun 20]; Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/Web_comissoes/conep/index.html
7. International Commitee of Medical Journal Editors. Vancouver: ICMJE; 2009 [cited 2010 Jun 20]; Available from: http://www.icmje.org/
8. Brasil. Ministério da Saúde. Sistema Nacional de Informação sobre Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Brasília: SISNEP; 2010 [citado 2010 Jun 20]; Disponível em: http://portal2.saude.gov.br/sisnep/.
9. Novack G. Data Monitoring Committees. Ocul Surf. 2010;8(1):40-3.
10. Animal research is a source of human compassion, not shame. Lancet. 2004; 364(9437):815-6. Comment in: Lancet. 2004;364(9444):1486.
11. Osborne N, Payne D, Newman M. Journal editorial policies, animal welfare, and the 3Rs. Am J Bioeth. 2009;9(12):55-9. Comment in: Am J Bioeth. 2009; 9(12): W3. Am J Bioeth. 2009;9(12):61-2. Am J Bioeth. 2009;9(12):62-4. Am J Bioeth. 2009;9(12):66-7. Am J Bioeth. 2009;9(12):64-6. Am J Bioeth. 2009; 9(12):60-1.
12. Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia. Decreto n. 6.899/09. Lei n. 11.794/08. Lei Arouca. Brasilia: Ministério da Ciência e Tecnologia; 2009 [citado 2010 Jun 16]; Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/308551.html.
13. Rezende A, Peluzio M, Sabarense C. Experimentação animal: ética e legislação brasileira. Rev Nutr [Internet].2008; [citado 2010 Jun 20];21(2):237-42. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rn/v21n2/v21n2a10.pdf