Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Fator de correção para indivíduos com capacidade acomodativa baseado no uso do refrator automático

Correction factor for individuals with accommodative capacity based on automated refractor

Rodrigo Ueno Takahagi1; Andréia Lavagnoli2; Tatiana Moura Fernandes2; Silvana Artioli Schelinni3; Carlos Roberto Padovani4

DOI: 10.1590/S0004-27492009000600009

RESUMO

OBJETIVO: Pesquisar um fator de correção para avaliação do erro refrativo sem a utilização da cicloplegia. MÉTODOS: Foram estudados 623 pacientes (1.246 olhos), de ambos os sexos, com idade entre 3 e 40 anos. As refratometrias estática e dinâmica foram obtidas usando-se o refrator automático Shin-Nippon Accuref-K 9001. A cicloplegia foi obtida com a instilação de uma gota de colírio ciclopentolato a 1%, com refratometria estática 30 minutos após. Os dados foram submetidos à análise estatística usando a técnica do modelo de regressão linear e modelo de regressão múltipla do valor dióptrico com e sem cicloplegia, em função da idade. RESULTADOS: A correlação entre valores dióptricos sem e com cicloplegia quanto ao erro astigmático variou de 81,52% a 92,27%. Quanto ao valor dióptrico esférico, a correlação foi menor (53,57% a 87,78%). O mesmo se observou em relação ao eixo do astigmatismo (28,86% a 58,80%). O modelo de regressão múltipla em função da idade mostrou coeficiente de determinação múltiplo maior para a miopia (86,38%) e astigmatismo (79,79%). O menor coeficiente foi observado para o eixo do astigmatismo (17,70%). CONCLUSÃO: Avaliando-se os erros refrativos com e sem cicloplegia, observou-se alta correlação nas ametropias cilíndricas. Foram desenvolvidas equações matemáticas como fator de correção para refratometrias dos pacientes sem cicloplegia, portadores de ametropias cilíndricas e esféricas.

Descritores: Erros de refração; Acomodação ocular; Miopia; Hipermetropia; Astigmatismo

ABSTRACT

PURPOSE: To determine a correction factor for refractive errors evaluated without cycloplegy effect. METHODS: A study was made with 623 patients (1,246 eyes) of both sexes, aging between 3 and 40 years old. The dynamic and static refractometries were obtained using the automated refractor Shin-Nippon Accuref-K 9001. 1% Cyclopentolate was dropped and the static refractometry was performed in 30 minutes. Data were analyzed using the linear regression model and the multiple regression model of the diopter values with and without cycloplegy effect according to age. RESULTS: The correlation between the astigmatism diopter values with and without cicloplegy ranged from 81.52% to 92.27%. Analyzing the spherical diopter values, the correlation was lower (53.57% to 87.78%). The astigmatism axis also revealed low correlation values (28.86% to 58.80%). The multiple regression model according to age demonstrated multiple determination coefficient with high values for myopia (86.38%) and astigmatism (79.79%). The lowest multiple determination coefficient was observed for astigmatism axis (17.70%). CONCLUSION: It was possible to demonstrate a high correlation in refractive errors with and without cycloplegy effect on the cylindrical ametropies. Mathematical formules, for cylindrical and spherical ametropies, were presented as a correction factor for refraction of the patients not submitted to cycloplegy.

Keywords: Refraction errors; Ocular accommodation; Myopia; Hyperopia; Astigmatism


 

 

INTRODUÇÃO

A acomodação resulta da mudança na forma do cristalino, por meio de alteração na sua curvatura e espessura central, modificando o poder dióptrico do olho(1). A teoria clássica de Helmholtz, respeitada até hoje, propõe que o músculo ciliar, ao se contrair, produz relaxamento das fibras zonulares, aumentando a espessura e a curvatura do cristalino e, em consequência, aumentando o seu poder refrativo. Esta teoria foi questionada por Schachar e colaboradores(2) o que não foi confirmado posteriormente(3-4).

Durante a vida ocorre redução fisiológica da acomodação, sendo esta mudança atribuída à desidratação e esclerose do cristalino, mesmo que permaneça a integridade funcional do músculo ciliar(5). O poder acomodativo varia com o envelhecimento e existe uma tolerância acomodativa em função das idades, que é a medida do esforço acomodativo assintomático para focar objetos próximos dos olhos.

O exame no estado dinâmico, em pacientes com capacidade acomodativa, tende a subcorrigir defeitos hipermetrópicos e supercorrigir os miópicos, podendo produzir dados de aproveitamento errôneos, se estes pacientes não estiverem ciclopegiados.

A atropina, o ciclopentolato e a tropicamida atuam paralisando as fibras inervadas pelo parassimpático anulando, assim, a capacidade acomodativa.

A refratometria objetiva clássica é realizada através da retinoscopia. Esta importante técnica tem sido substituída em alguns consultórios oftalmológicos pelo refrator automático, cuja precisão é confiável e possibilita ao médico maior agilidade no atendimento, embora não dispense a cicloplegia(6-8).

Seria interessante a existência de um fator de correção para ser aplicado em refratometrias dinâmicas, de modo a dispensar o uso de drogas cicloplégicas. Desta forma, poderia haver maior conforto para o paciente, rapidez nas consultas e adequada prescrição de lentes corretivas.

O objetivo do presente estudo foi obter este fator de correção.

 

MÉTODOS

Foram avaliados 623 pacientes (1.246 olhos), atendidos na Faculdade de Medicina de Botucatu, de ambos os sexos, com idade entre 3 e 40 anos.

As refratometrias estática e dinâmica foram obtidas usando-se sempre o mesmo refrator automático, modelo Shin-Nippon Accuref-K 9001.

Foi realizada a refratometria dinâmica, seguida pela instilação de uma gota de ciclopentolato a 1% com avaliação da refratometria estática 30 minutos após a administração do colírio.

O exame refrativo foi realizado pelo mesmo oftalmologista.

Foram excluídos os indivíduos portadores de fatores que pudessem influenciar na avaliação da refração como: defeitos corneanos, opacidades de meio, alterações retinianas, estrabismo, pacientes não colaborativos e parâmetros que estivessem fora da capacidade de atuação do equipamento.

Os dados foram analisados, usando o modelo de regressão linear para eixo e valor dióptrico cilíndrico, com e sem cicloplegia. Por meio de um modelo de regressão múltipla, analisou-se também o poder dióptrico com e sem cicloplegia, em função da idade.

 

RESULTADOS

Em relação à ametropia esférica, avaliando-se indivíduos por faixa etária, observou-se baixa correlação entre as refrações dinâmica e estática para os indivíduos com idade menor ou igual a 10 anos, e aumento gradual na faixa etária de 11 a 40 anos (Tabela 1).

O índice de correlação entre refratometrias dinâmica e estática para o astigmatismo apresentou-se alto (>0,8) e praticamente constante em todas as faixas etárias (Tabela 2).

No eixo do astigmatismo, a correlação apresentou-se baixa entre as refratometrias dinâmica e estática, em todas as faixas etárias (Tabela 3).

A avaliação das ametropias com e sem cicloplegia, segundo o modelo de regressão múltipla em função da idade, mostrou coeficiente de determinação múltiplo maior para a miopia e astigmatismo. O menor coeficiente foi observado para o eixo do astigmatismo (Tabela 4).

 

DISCUSSÃO

O refrator automático é um recurso propedêutico que tem sido muito utilizado para a avaliação dos erros refrativos. Entretanto, deve-se considerar a refratometria estática para que se tenha melhor acurácia(9).

Este estudo foi realizado com o intuito de encontrar um fator de correção a ser aplicado para a realização de refratometria dinâmica, visando a compensação do mecanismo de acomodação e evitando a necessidade do uso de cicloplegia, uma vez que esta acarreta embaçamento visual, fotofobia e consequente prejuízo das atividades dos pacientes. A avaliação da refração dinâmica é influenciada pela idade, uma vez que a capacidade acomodativa diminui ao longo dos anos. Logo, os indivíduos foram separados em faixas etárias. Foram incluídos indivíduos abaixo dos 40 anos de idade, visto estes apresentarem poder acomodativo maior do que indivíduos acima desta faixa etária. Ademais, acima dos 40 anos, há alta correlação entre as refrações dinâmica e estática(10), justamente por causa da falência do sistema acomodativo. A correlação se mostra elevada em indivíduos afácicos e pseudofácicos, pois neste grupo de indivíduos a acomodação é nula(11).

O tipo de erro refrativo também influencia nos resultados, sendo conhecido que há variação principalmente do erro refrativo esférico, com tendência à subcorreção dos defeitos hipermetrópicos e supercorreção dos miópicos. Esta afirmação se confirma quando se observa que a correlação entre os valores com e sem cicloplegia foi baixa nos erros esféricos, principalmente para os indivíduos mais jovens.

Em estudo prévio, foram examinadas 4.973 crianças chinesas, entre 7 e 18 anos, com uso refrator automático, antes e após a cicloplegia. Os resultados mostraram que o erro esférico apresentava-se mais negativo ou menos positivo antes da cicloplegia. As diferenças foram maiores para olhos hipermetrópicos (diferença significativa de -2,98 ± 1,65 D), menores para os olhos emétropes e menores ainda para olhos míopes (diferença significativa de -0,41 ± 0,46 D). Pequena diferença foi encontrada para medidas do astigmatismo com e sem cicloplegia (0,08 ± 0,13 D)(12).

A correlação entre refratometrias estática e dinâmica com relação ao valor do astigmatismo foi alta. Em outro estudo, do qual fizeram parte indivíduos da mesma faixa etária, também não se observou variação importante do erro astigmático antes e após a cicloplegia(9).

Nos testes subjetivos com cicloplegia, há a desvantagem de a pupila permanecer dilatada, ocasionando fotofobia e aberrações ópticas que também interferem no exame refratométrico e, consequentemente, nos resultados. Este fator pode ter sido responsável pela baixa correlação observada neste estudo no eixo do astigmatismo, antes e após a dilatação.

Variações no eixo do astigmatismo foram observadas por outros quando foram avaliadas crianças sob retinoscopia antes e após a cicloplegia, principalmente em crianças com estrabismo(13).

Em outro estudo realizado com crianças chinesas entre 3 e 5 anos, foram comparadas as retinoscopias antes e após a ciploplegia. Observou-se que o erro refrativo com cicloplegia poderia ser aproximado multiplicando o erro esférico por 1,45 e adicionado +0,39 D ao produto, enquanto o poder do astigmatismo e o seu eixo permaneceram iguais(14).

Nosso estudo visou o estabelecimento de um fator de correção para compensação do sistema acomodativo. Na tabela 4 estão apresentadas as equações que podem ser empregadas para este fim, contendo refração dinâmica e idade como variáveis.

Portanto, há formas de se ter o valor do erro refrativo sem que se empregue a cicloplegia. Entretanto, novos estudos devem ser providenciados a fim de tornar mais simples estes cálculos.

 

CONCLUSÃO

Avaliando-se os erros refrativos com e sem cicloplegia observou-se que há correlação alta nos erros astigmáticos. Foram desenvolvidas equações matemáticas como fator de correção para refratometrias dos pacientes sem cicloplegia, portadores de ametropias cilíndricas e esféricas.

 

REFERÊNCIAS

1. Helmholtz HLF. Triatise on physiological optics. New York: Dover; 1962.         

2. Schachar RA, Black TD, Kash RL. The mechanism of accommodation and presbiopia in the primate. Ann Ophthalmol. 1995;27:58-67.         

3. Glassner A, Kaufman PL. The mechanism of accommodation in primates. Ophthalmology. 1999;106(5):863-72.         

4. Burd HJ, Judge SJ, Flavell MJ. Mechanism of accommodation of the human eye. Vision Res. 1999;39(9):1591-5.         

5. Alves, AA. Refração. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1989. p.67-8.         

6. Bicas HEA, Alves AA, Uras R. Refratometria Ocular. São Paulo: Cultura Médica; 2005. p.350.         

7. Alves, A.A. Refração. Rio de janeiro: Cultura Médica, 2000. p.470.         

8. Salvesen S, Kohler M. Automated refraction. A comparative study of automated refraction with Nidek AR - 1000 autorefractor and retinoscopy. Acta Ophthalmol (Copenh). 1991;69(3):342-6.         

9. Passos Jr WS, Manetti LD, Schellini SA, Padovani CR, Padovani CRP. [Importance of cycloplegia in the objective auto-refraction and subjective refraction]. Rev Bras Oftalmol. 2005;64(6):371-5. Portuguese        

10. Ghose S, Nayak BK, Singh JP. Critical evaluation of the NR-1000F auto refractometer. Br J Ophthalmol. 1986;70(3):221-6.         

11. Isenberg SJ, Del Signore M, Madani-Becker G. Use of the HARK autorefractor in children. Am J Ophthalmol. 2001;131(4):438-41.         

12. Zhao J, Mao J, Luo R, Li F, Pokharel GP, Ellwein LB. Accuracy of noncycloplegic autorefraction in school-age children in China. Optom Vis Sci. 2004; 81(1):49-55.         

13. Bujara K, Schulz E, Haase W. [Retinoscopy under cycloplegic and non-cycloplegic conditions in children comparison of measurements of three examiners]. Albrecht Von Graefes Arch Klin Exp Ophthalmol. 1981;216(4):339-43. German        

14. Chan OY, Edwards M. Comparison of cycloplegic and noncycloplegic retinoscopy in Chinese pre-school children. Optom Vis Sci. 1994;71(5):312-8.         

 

 

Endereço para correspondência:
Silvana Artioli Schellini
Dep. OFT/ORL/CCP
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Botucatu (SP)
CEP 18618-000
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 18.03.2009
Última versão recebida em 19.10.2009
Aprovação em 23.11.2009

 

 

Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil.


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