Ezon Vinicius Alves Pinto Ferraz1; Keila Miriam Monteiro de Carvalho2; Luis Carlos Peixoto Rocha2; Leopoldo Magacho dos Santos Silva2
DOI: 10.1590/S0004-27491999000500016
RESUMO
O caso descrito apresentava uma hipotropia pouco severa com acuidade visual normal e binocularidade em infra-versão; além de uma hipotonia muscular generalizada, ao contrário da severa hipotropia e ambliopia encontrada nessa afecção. O procedimento cirúrgico levou estes fatos em consideração, tendo-se optado por um retrocesso pequeno do reto inferior para que se corrigisse o torcicolo sem interferir na posição de leitura. Os resultados pós-operatórios foram satisfatórios.
Descritores: Fibrose congênita de reto inferior; Ambliopia; Hipotonia muscular generalizada
ABSTRACT
A case report of an atipical inferior rectus congenital fibrosis associated with a generalized muscular hypotonia is presented. It shows mild hipotropia with a normal visual acuity and binocularity in infraversion position contrasting with the severe hipotropia and ambliopy found. The surgical procedure took these facts into consideration, so we performed a small retrocess of the muscle with the objective to correct the head position without changes in the reading position. The postoperative results were satisfactory.
Keywords: Inferior rectus fibrosis; Ambliopy; Generalized muscular hipotony
INTRODUÇÃO
A fibrose congênita de reto inferior (FCRI) é uma entidade clínica rara, de etiologia desconhecida e sem incidência familiar 1. Trata-se de pacientes com severa hipotropia e marcada limitação da elevação tanto ativa quanto passiva 2.
A afecção é unilateral e pode acompanhar-se de blefaroptose e esotropia, porém na grande maioria dos casos trata-se de pseudoptose devida a hipotropia, que desaparece com a correção desta 2. A contratura do músculo envolvido não é secundária à paralisia dos elevadores pois a elevação melhora ou se recupera totalmente com o debilitamento do reto inferior, que não ocorre na paralisia dos elevadores 3. Os casos descritos na literatura descrevem ambliopia de difícil controle mesmo com tratamento precoce e bem realizado 4.
O tratamento é cirúrgico , através de retrocesso máximo do reto inferior 6, de modo a permitir elevação passiva do olho até 10o, tomando-se os cuidados necessários para liberar as conexões entre a pálpebra inferior e a bainha do reto inferior (ligamento de Lockwood), evitando com isso a retração da pálpebra inferior, de aspecto estético indesejável 4. A cirurgia pode ser combinada , segundo a severidade da restrição com tenotomias marginais 6.
DESCRIÇÃO DO CASO
O menor RRSO, foi atendido no setor de estrabismo do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da UNICAMP em fevereiro de 1995, com 6 anos de idade e história de olho torto desde o nascimento, sendo que a mãe referia que havia percebido o desvio desde poucos meses de idade e que a fenda palpebral direita era um pouco mais estreita que a esquerda e que ainda o olho direito tinha limitação de movimentação para cima em relação ao contra-lateral.
Com o crescimento refere ainda a mãe que o desvio ficou mais acentuado, passando a perceber que a criança inclinava a cabeça ligeiramente para a direita levantando ao mesmo tempo o queixo para olhar os objetos.
A mãe contou que a criança nunca usara óculos ou feito oclusão de algum olho e que havia deixado-a sem tratamento até então devido ao fato dela ter apresentado um atraso no desenvolvimento motor decorrente da hipotonia muscular generalizada a qual foi exaustivamente investigada pela neurologia chegando-se a um diagnóstico, por exclusão, de hipotonia muscular benigna. Somente após este fato é que ela resolveu procurar o tratamento oftalmológico.
No primeiro exame foi encontrado o torcicolo: (figura 1): A cabeça inclinada para direita e com queixo elevado. Acuidade visual de 1,0 em ambos os olhos (AO) sem correção, refração estática de +0,75 AO; biomicroscopia e fundoscopia sem alterações; estereopsia de 60" (Titmus).
As medidas do desvio foram feitas pelo método do cover teste, nas nove posições diagnósticas.
Pré-operatório:
As versões mostravam -4 RSD, -3 OID, -2 RID e -1 OSD, a ducção ativa era de -4 RSD, -3 OID e -1 RID. Ao teste de ducção passiva o paciente apresentava restrição de elevação do olho direito, que não passava da linha média no meridiano horizontal.
Foi feita a hipótese diagnóstica de FCRI e indicada cirurgia corretiva, a qual foi realizada em fevereiro de 1998 com retrocesso do reto inferior de 5 mm. Ao exame per-operatório o reto inferior encontrava-se com aspecto fibroso e inelástico.
A avaliação pós-operatória mostrou discreto torcicolo (figura 2): a cabeça inclinada para direita, sem elevação do queixo; resultado considerado satisfatório.
Pós-operatório:
DISCUSSÃO
A FCRI é descrita na literatura como responsável por hipotropias severas acompanhadas de pseudoptose e ambliopia 1. No caso descrito a atipia se manifestou não só devido ao fato da hipotropia não ser severa como também por haver acuidade visual normal e binocularidade em infraversão. O procedimento cirúrgico levou estes fatos em consideração, sendo optado um retrocesso pequeno do reto inferior para que se corrigisse o torcicolo sem interferir muito na posição de leitura. Foi verificado que a diminuição da limitação de elevação pós-operatória foi pequena, o que poderia sugerir que o plano foi hipocorretor, porém verificou-se também uma inversão do desvio vertical em infraversão o qual mostrou que para um músculo inelástico, como já era esperado, um retrocesso maior poderia ser desastroso.
A associação da FCRI com Hipotonia Muscular Benigna nunca foi descrita na literatura, embora em dois casos estudados à luz da microscopia eletrônica, tenham sido verificadas trocas miopáticas que sugeriram a relação desta entidade com as distrofias musculares. Harley e colaboradores, analisando uma série de pacientes, chegaram às mesmas conclusões, levantando a hipótese de que a FCRI faça parte da "Fibrose Generalizada de Brown", porém numa forma monosintomática 2.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Harley R, Rodrigues M, Crawford J. Congenital fibrosis of the extraocular muscles. J Ped Ophthalm, Strab 1978;15:346.
2. Prieto Díaz, Souza Dias. Fibrosis Congénita del Recto Inferior. In: Estrabismo. 2a ed., São Paulo, Roca, 1986;517-19.
3. Scott W & Jackson OB. Double elevator palsy. The significance of the inferior rectus restriction. Am Orthopt J 1977;27:5.
4. Barbosa PH. Fibroses Congênitas dos Músculos Oculomotores. In: Souza-Dias CH, Almeida, H. Estrabismo, 3a ed, São Paulo, Roca, 1993;214-5.
5. Goldstain JH. The intraoperative forced duction test. Report of a case of congenital fibrous bands. Arch Ophtalmol 1964;72:647.
6. Prieto-Díaz J, Languens R. Fibrosis congénita del recto inferior. Estudio clínico y ultraestructural. Arch Oftalmol B Aires 1973;48:301.
Trabalho realizado na Seção de estrabismo do Departamento de Oftalmologia da UNICAMP.
(1) Médico assistente do departamento de Oftalmologia /Otorrino da Universidade Estadual de Campinas ¾ UNICAMP.
(2) Profa. Dra. Assistente e Chefe do setor de estrabismo da UNICAMP.
(3, 4) Médicos Residentes de Oftalmologia da UNICAMP.
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