Thiago Bellini Oliveira1; Luis Carlos Trevelin2; Fernando Manoel Araújo Moreira4; Vanderlei Salvador Bagnato6; Paulo Schor8; Luis Alberto Vieira de CarvalhoA10
DOI: 10.1590/S0004-27492009000200003
RESUMO
OBJETIVOS: Aplicação da técnica de contraste cromático em exames de fundo de olho com oftalmoscópios indiretos. Apresentamos neste trabalho testes preliminares de um novo sistema de iluminação para oftalmoscópios indiretos, elaborado a partir de técnicas de composição cromática, denominado Sistema de Iluminação Cromático, que permite a composição de cores de luz situadas dentro do espectro visível. A finalidade deste sistema é permitir o uso da técnica de cromaticidade, já estudada em outras áreas da medicina como odontologia e dermatologia, na visualização de fundo de olho em exames de oftalmoscopia indireta. MÉTODOS: Para desenvolvimento deste trabalho foi adquirido um oftalmoscópio comercial comum e de uso geral. O equipamento teve seu sistema de iluminação original de fábrica, composto de uma fonte de luz branca alógena e filtros verde e azul, substituído pelo novo sistema de iluminação cromático implementado neste projeto. RESULTADOS: Foram realizados testes preliminares em um olho mecânico que simula as mesmas características de um olho humano biológico in vivo. Os resultados confirmam a possibilidade de obter-se luz em diferenciados comprimentos de ondas através do uso de fontes de luz independentes nas cores vermelho, verde e azul, para uso em instrumentação oftálmica. Embora exames in vivo com pacientes que possuam doenças de retina ainda estejam em fase de testes em nosso laboratório no IFSC-USP & UNIFESP, os resultados preliminares obtidos aqui demonstram que a técnica de contraste cromático para exames de fundo de olho pode futuramente representar um diferencial na qualidade dos exames de oftalmoscopia indireta. CONCLUSÃO: Foi apresentado neste trabalho o desenvolvimento de um sistema de iluminação totalmente inovador para aplicação em oftalmoscopia. Através dos diferentes contrastes e brilhos nas imagens de fundo de olho proporcionados pelas diferentes cores do sistema de iluminação cromático, acreditamos que em uma próxima etapa possamos verificar as vantagens e/ou desvantagem desta técnica no diagnóstico de diferentes patologias da retina.
Descritores: Oftalmoscopia; Técnicas de diagnóstico oftalmológico; Fluorescência; Fundo de olho; Oftalmoscópios; Equipamentos e provisões; Ophthalmoscopy
ABSTRACT
PURPOSE: Chromatic contrast is a technique used in some areas of medicine to provide better visualization of biological tissues. Based on principles of color composition, a new illumination system was constructed using colored emitting diodes to reproduce the spectral range of visible light. This technique was devised to be used in indirect ophthalmoscopes to improve the visualization of the posterior segment of the eye. METHODS: The original illumination system of a general purpose indirect ophthalmoscope was substituted by a system of color-emitting diodes. RESULTS: Using an electronic interface it was possible to control the intensity of the color lights and therefore generate different wavelengths in the visible spectrum of the light. Preliminary tests undertaken in a mechanical model of the human eye generated very clear and homogenous colors. However in vivo examinations with patients were performed in our laboratory at the IFSC-USP and UNIFESP, and obtained the preliminary results show the possibilities of the chromatic contrast technique, and may represent in the future a differential in the analyses of the posterior segment of the eye. CONCLUSION: The use of color-emitting diodes to reproduce the spectral range of the visible light in indirect ophthalmoscopes seems to be a promising technological advance in the fundoscopy of the eye. This is an innovation that can yield better quality examinations with indirect ophthalmoscopes.
Keywords: Diagnostic techniques, ophthalmological; Fluorescence; Fundus oculi; Ophthalmoscopes; Equipment and supplies
INTRODUÇÃO
A aplicação de recursos de contraste cromático para análise de tecidos biológicos é uma prática que vem sendo pesquisada em alguns ramos da medicina(1). Comprimentos de ondas situados no intervalo do espectro visível, quando entram em contato com tecidos biológicos, interagem com os mesmos tanto na superfície, como em seu interior. Essas interações (absorção, dispersão, refração) alteram a composição espectral da luz emergente, modificando a imagem observada de acordo com a morfologia e propriedades ópticas das substâncias e estruturas presentes. A luz que é refletida, ou que atravessa o tecido, carrega informações a respeito de sua constituição, propriedades ópticas, densidade, e geometria(1). Variações nos comprimentos de ondas da luz incidente podem então proporcionar uma maior percepção visual para diferenciação de estruturas orgânicas, desde que estas produzam diferentes respostas ópticas e, por último, alcance um contraste maior em torno das áreas observadas.
Um amplo número de técnicas é aplicado com o intuito de analisar imagens biológicas, muitas das quais foram inicialmente desenvolvidas para aplicações de propósito dermatológico(2-4). Estudos posteriores têm destacado órgãos internos, particularmente o fígado, que é de grande interesse em estudos bioquímicos e patológicos, devido sua importância em muitas reações metabólicas(5-6). O fígado também abrange muitas outras organelas, bem como estruturas morfológicas formadas por hepatócitos e vasos sanguíneos. Cada um destes constituintes tende a absorver e refletir a luz de um modo específico(7-8).
Em estudo realizado em(1), um microscópio Carl Zeiss®(9) teve seu sistema de iluminação adaptado para o RGB (do inglês, "Red, Green and Blue"), possibilitando a visualização de amostras de tecidos biológicos com diferentes intensidades de cores, proporcionando realces diferenciados das estruturas do tecido de acordo com o comprimento de onda aplicado. Trabalhos relacionados à medicina oftálmica utilizam técnicas de retinografia colorida e "red free", para realce de contraste em imagens de fundo de olho visando o estudo de patologias(10-11). Em oftalmologia, o exame denominado retinografia colorida ilumina o polo posterior com luz de comprimento de onda na região do visível do espectro e a imagem da retina pode ser capturada através de fotografia ou filmagem, dependendo do tipo de equipamento(12).
Algumas estruturas podem ser ressaltadas quando iluminadas com luz de comprimento de onda na região verde do espectro e esse tipo de retinografia pode ser realizada com o equipamento utilizando uma fonte de luz emitindo apenas nessa região(12). Neste tipo de exame, conhecido como "red free", a imagem da retina está livre da banda vermelha do espectro de radiação, o que permite melhor contraste na imagem retiniana capturada(13). A figura 1A ilustra uma imagem adquirida em um exame de retinografia colorida e a figura 1B uma imagem "red free".
Neste trabalho é apresentado um novo sistema de iluminação para aplicação em oftalmoscopia indireta. Este sistema, elaborado a partir do modelo de cores RGB, será adaptado em um oftalmoscópio binocular indireto, equipamento utilizado por oftalmologistas na realização de exames de fundo de olho. O exame de fundo de olho avalia as condições do humor vítreo, da retina, dos vasos sanguíneos (veias e artérias retinianas) e do nervo óptico. Além das doenças oculares, como glaucoma e retinopatia, é possível detectar outras enfermidades como diabete, distúrbios da tireóide, câncer, AIDS, leucemia, toxoplasmose e inflamações reumáticas. O fundo do olho é o único local do corpo humano em que os vasos sanguíneos são vistos diretamente, e qualquer alteração neste local pode indicar um desequilíbrio. O contraste cromático abordado neste trabalho diferencia-se de outros trabalhos, pois não é um contraste artificial processado em computador, e também não faz uso de filtros para obtenção de cores utilizando uma fonte de luz branca como fonte principal. Aqui serão utilizadas fontes de luz independentes nas cores vermelho, verde e azul, que fazem a composição espectral da luz utilizando como base o modelo de representação de cores RGB. A inovação promete bom aproveitamento das fontes de luz colorida utilizadas, bem como uma composição uniforme das cores, devido ao sistema óptico composto de lentes conjugadas e prismas, que permite o perfeito alinhamento dos feixes de luz, fator fundamental para alcance de uniformidade e qualidade na obtenção das cores. Testes preliminares mostram a eficiência deste novo recurso e acredita-se que, sua aplicação em oftalmoscopia indireta proverá maior eficácia e confiabilidade nos exames, aumentando as chances de diagnósticos precoces devido ao melhor contraste de cores alcançado nas imagens onde a técnica de contraste cromático é aplicada.
O oftalmoscópio é um instrumento óptico portátil cujo sistema de iluminação é posicionado entre os olhos do examinador, tornando possível obter observações estereoscópicas de partes extensas da retina a pequenas magnificações(13).
O princípio do oftalmoscópio indireto consiste em focalizar o feixe de luz oriundo de uma extensa área da retina do paciente sobre a retina do observador por meio de uma lente de visualização. Uma imagem invertida da retina é formada sobre o plano focal desta lente. O efeito binocular é obtido através de espelhos ou prismas.
MATERIAIS
Para o desenvolvimento deste trabalho foi adquirido um oftalmoscópio comercial comum e de uso geral fabricado pela empresa Eyetec. Neste mesmo equipamento foi então adaptado nosso sistema de iluminação. O equipamento teve seu sistema de iluminação original de fábrica, composto de uma fonte de luz branca alógena e filtros verde e azul, substituído pelo novo sistema de iluminação RGB baseado em super LEDs (do inglês, "Light Emitting Diode") implementados neste projeto. A seguir descrevemos como este novo sistema de iluminação foi construído.
Sistema de iluminação construído
A composição do feixe de luz colorido é processada através da combinação das luzes de LEDs de alta intensidade nas cores vermelha, verde e azul, acoplados em um sistema de lentes e espelhos. As lentes produzem feixes de luz divergentes que são sobrepostos através do alinhamento dos espelhos. Uma interface eletrônica configurada para fornecer tensões diferentes para cada LED permite o ajuste individual de intensidade luminosa. Esta característica é o que possibilita a varredura do espectro visível em diferentes tonalidades de cor.
RESULTADOS
Nesta seção mostramos os resultados práticos obtidos. A figura 2 mostra uma foto do protótipo onde o sistema de iluminação cromático foi adaptado à estrutura de um oftalmoscópio binocular indireto.
A figura 3 ilustra o novo equipamento em funcionamento, durante a realização da composição espectral. A mistura na proporção correta de vermelho, verde e azul emite um feixe de luz branca (Figura 3A). As demais cores observadas são emitidas através de diferentes configurações dos botões que regulam a tensão de cada LED.
Na figura 4, são exibidas as primeiras imagens obtidas pelo protótipo em testes realizados em uma retina humana saudável (imagens da direita) e um olho mecânico (este olho é fabricado pela empresa Heine® www.heine.com) e tem características semelhantes a um olho biológico, sendo um importante acessório para o aprendizado de médicos residentes com especialização em oftalmologia - imagens da esquerda). As imagens captadas pela câmera CCD (do inglês, "Charge Coupled Device") acoplada ao oftalmoscópio ilustram uma retina humana real e uma artificial iluminadas por luz em comprimentos de ondas variados. Em 4A, B, C, D e E estão ilustradas imagens do olho mecânico sendo iluminado por quatro cores diferentes emitidas pelo sistema de iluminação cromático. O mesmo acontece nas imagens 4F, G, H, I e J, com a diferença de serem imagens de uma retina humana saudável in vivo.
DISCUSSÃO
Foi apresentado neste trabalho o desenvolvimento de um sistema de iluminação totalmente inovador para aplicação em oftalmoscopia indireta baseado no modelo de representação de cores RGB, que permite a composição espectral de luz em variados comprimentos de ondas.
Nos testes preliminares apresentados neste artigo, onde a composição de luz colorida com fontes de luz independentes mostrou-se possível, foi possível constatar que diferentes comprimentos de ondas quando utilizados para iluminar os tecidos que compõem o segmento posterior do globo ocular, provocam diferem tipos de realces de contraste. Pretende-se agora iniciar uma próxima etapa deste estudo, que consistirá na aplicação desta tecnologia em exames in vivo de fundo de olho, onde uma investigação detalhada será realizada através do acompanhamento de casos de pacientes que possuam doenças de retina. As informações coletadas neste estudo clínico fornecerão os resultados esperados a respeito da relação entre determinados comprimentos de ondas e sintomas patológicos. Acredita-se que, através do realce proporcionado pelas diferentes cores de luz emitidas pelo sistema de iluminação cromático, patologias de diferentes naturezas poderão ser analisadas sob diferentes aspectos e com maior acurácia.
A adaptação das novas peças que compõem o sistema de iluminação na estrutura do oftalmoscópio indireto, apesar de representarem também uma mudança estética, não influenciaram na parte operacional do aparelho, e a interface eletrônica destaca-se pela facilidade do manuseio e ajuste fino das cores. O protótipo apresentado, foi construído com LEDs de auto-brilho fabricados para emissão de luz exclusivamente na região visível do espectro. Medidas realizadas com um equipamento chamado espectrômetro, confirmaram a emissão de feixes de luz colorida na faixa de 450 nm a 630 nm, varrendo o espectro de cores do azul até o vermelho. Podem ser descartadas possíveis reações de fototoxicidade causadas como consequência da emissão de raios ultravioleta, cujos comprimentos de ondas estão situados abaixo dos 400 nm.
Para trabalhos futuros o equipamento pode ganhar um sistema de iluminação mais compacto, e a interface eletrônica poderá ser microcontrolada, o que significa que para cada patologia a ser estudada, existirá um botão que configurará automaticamente o feixe de luz no tom mais adequado para aquela anomalia.
CONCLUSÕES
Os testes realizados com o primeiro protótipo abriram espaço para a continuidade deste trabalho. Constatou-se nesta primeira etapa, a possibilidade de realizar a composição de luz varrendo o espectro visível, característica fundamental para que a aplicação da técnica de contraste cromático para exames de fundo de olho seja realizada com sucesso. Também foi possível notar que mesmo em uma retina humana saudável, diferentes comprimentos de ondas causam efeitos de contraste diferenciados, como no caso das imagens iluminadas pelo vermelho (Figura 4F) e pelo verde (Figura 4G). O próximo estágio deste trabalho está sendo preparado e consiste em uma longa bateria de testes in vivo em pacientes que possuam diversos tipos de doenças de retina. Nesta próxima etapa, serão constatados os possíveis efeitos benéficos que a cromaticidade poderá proporcionar em exames do segmento posterior e quantos e quais comprimentos de ondas terão uma aplicabilidade real na análise de sintomas patológicos. Com os diferentes realces proporcionados pelas cores do novo sistema de iluminação, acredita-se que as diferentes anomalias poderão ser estudadas sob vários aspectos, o que seria uma importante contribuição para a Oftalmologia, no caso específico de exames de fundo de olho.
REFERÊNCIAS
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13. Bruno OM, Carvalho LAV. Óptica e fisiologia da visão: uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Editora Roca; 2008.
Endereço para correspondência:
Thiago Bellini Oliveira
Instituto de Física de São Carlos - USP
Av. Trabalhador São Carlense, 400 - Caixa Postal 369
São Carlos (SP)
CEP 13560-970
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 14.08.2008
Última versão recebida em 08.01.2009
Aprovação em 14.01.2009
Trabalho conjunto realizado entre o Grupo de Óptica Oftálmica da Universidade de São Paulo - USP - São Carlos (SP) - Brasil e Departamento de Biotecnologia da Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR - São Carlos (SP) - Brasil.
Foi requerida a patente deste instrumento, junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial).
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Rodrigo Pessoa Cavalcanti Lira sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.