João Guilherme Valentim Neto1; Cristina Góes Schaurich2
DOI: 10.1590/S0004-27492009000100018
RESUMO
Apresentamos um caso no qual foi realizada orbitotomia de urgência em paciente com granuloma de células de Langerhans intraorbitário o qual apresentava comprometimento anatômico e funcional da função visual devido à hipertensão intraorbitária. Paciente masculino, 2 anos, apresentou exoftalmia, proptose conjuntival, olho vermelho, oftalmoplegia completa com midríase não fotorreativa e ptose palpebral direita. À fundoscopia apresentava engurgitamento venoso com edema de papila à direita. Foi realizada abordagem cirúrgica com orbitotomia via intracraniana sendo removida a lesão com remissão total da clínica tanto anatômica quanto funcionalmente. O manejo do granuloma de células de Langerhans pode variar desde a abordagem cirúrgica primária, passando pela terapia com esteróides até quimioterapia e radioterapia. No caso, a cirurgia foi a primeira opção devido ao e iminente risco de perda da função visual.
Descritores: Granuloma eosinófilo; Histiocitose de células de Langerhans; Hipertensão ocular; Blefaroptose; Doenças orbitárias; Relatos de casos
ABSTRACT
We present a case in which a patient with intraorbital Langerhans' cell granuloma, with anatomical and functional skills compromised by intraorbital hypertension, which was treated with urgency orbitotomy by cranial approach. Male, two years-old, presented conjuntival proptosis, red eye, complete ophthalmoplegy, exophthalmos, with non-fotoreactive mydriasis and blepharoptosis of the right eye. Fundoscopy presented venous enlargement with optic disc edema. A cranial approach with orbitotomy was carried out, removed the lesion with total remission of clinical presentation and anatomic appearance as well. The handling of Langerhans' cell granuloma can vary from primary surgical approach as corticotherapy to chemotherapy and radiotherapy. In this case, the surgery was the first option due to the imminent risk of loss of visual function.
Keywords: Eosinophilic granuloma; Histiocytosis, Langerhans-cell; Orbital diseases; Ocular hypertension; Blepharoptosis; Orbital diseases; Case reports
INTRODUÇÃO
A histiocitose de células de Langerhans (HCL) é uma patologia rara com diferentes formas de apresentação. Na descrição de Buza et al.(¹), a maioria dos casos apresentava lesões ósseas uni ou multifocais e o eventual envolvimento visceral, sendo o mesmo menos frequente.
A lesão orbitária possui prevalência maior em crianças representando, segundo Shields et al.(2), de 1% a 3% dos tumores intraorbitários da infância. Entretanto, o comprometimento de partes moles como a periórbita e as meninges, no caso de invasão intracraniana não é raro.
A lesão apresenta coleção granulomatosa de histiócitos com número variado de linfócitos, eosinófilos, neutrófilos granulócitos e células gigantes tipo Langerhans. Em algumas vezes, a lesão intraorbitária pode ter remissão espontânea(3-4).
Nosso objetivo é apresentar um caso de hipertensão intraorbitária com comprometimento grave da acuidade visual e da função oculomotora devido ao que, a abordagem cirúrgica primária foi tratamento de eleição.
RELATO DO CASO
Paciente masculino, 2 anos, branco, procedente da cidade de Lageado, Rio Grande do Sul, Brasil, previamente hígido chegou ao nosso serviço apresentando aumento de volume progressivo na pálpebra superior direita há 20 dias.
A história médica pregressa não revelou doença ocular prévia e relatava otite média de repetição homolateral a lesão desde os seis meses de idade.
Ao exame neuro-oftalmológico realizado na chegada do paciente ao nosso serviço, identificou-se à direita: exoftalmia com proptose conjuntival, olho vermelho, oftalmoplegia completa com midriase não fotorreativa e ptose palpebral. A fundoscopia verificou-se aumento do calibre venoso (relação A-V 1:3) com três dioptrias de diferença entre o disco óptico e o tapete posterior configurando edema de papila. O exame neurológico era normal.
A tomografia computadorizada mostrou um processo expansivo intraorbitário à direita, extraconal, ocupando os dois quadrantes superiores da órbita, lesão lítica do teto da órbita com invasão da fossa craniana anterior, o que provocava desvio antero-inferior do globo ocular (Figura 1A, B e C).
Após o exame físico e de imagem foram levantadas as seguintes hipóteses diagnósticas: linfoma, neuroblastoma, sarcoma, granuloma eosinofilico e tumor embrionário. Devido ao quadro de hipertensão intraocular grave e comprometimento da função visual, decidimos realizar orbitotomia superior por abordagem intracraniana primária no momento do diagnóstico.
Foi realizada craniotomia com abordagem frontotemporal direita e abordagem extradural da órbita. Identificada a lesão avermelhada, aderida à dura-máter ocupando a porção anterior da fossa craniana anterior, com extensão intraorbitária.
A lesão era sólida, bem vascularizada e aderida aos planos adjacentes.
A lesão intracraniana foi removida, ampliada a lesão lítica préexistente do teto da órbita sendo retirada da lesão intraorbitária.
Macroscopicamente a exérese da lesão foi completa e o globo ocular retornou à posição anatômica usual.
O paciente foi encaminhado à Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrico (UTIP) em bom estado geral em uso de difenilhidantoina 7,5 mg/kg/dia por via endovenosa e dexametasona 0,75 mg/kg/dia por via endovenosa somado aos cuidados pós-cirúrgicos de rotina.
No primeiro dia pós-operatório, o paciente encontrava-se em bom estado geral, com pupilas fotorreativas e ainda apresentando oftalmoplegia.
Recebeu alta neurocirúrgica no décimo dia pós-operatório em boas condições clínico-neurológicas.
O diagnóstico anatomopatológico foi de histiocitose de células de Langerhans (Figura 1D).
O paciente, após cumprir o tempo pós-operatório mínimo com boa evolução do quadro, recebeu alta neurocirúrgica e foi encaminhado ao serviço de hematologia para avaliação e estadiamento.
O estadiamento foi negativo para outras lesões à distância sendo indicada corticoterapia.
Foi realizada pulsoterapia com metilprednisona 30 mg/ kg/dia por via endovenosa por três dias consecutivos.
Aos trinta dias, sete, nove e doze meses, de pós-operatório foram realizadas avaliações morfológicas, ressonâncias nucleares magnéticas e/ou tomografias computadorizadas de encéfalo somadas às reavaliações neurológica, hematológica e oftalmológica todas com resultados normais (Figura 2D).
O paciente, hoje com cinco anos de idade, não apresenta qualquer alteração anatômica ou funcional ocular ou neurológica e permanece em acompanhamento ambulatorial com nosso serviço.
DISCUSSÃO
A histiocitose de células de Langerhans consiste em um distúrbio previamente conhecido como histiocitose X, pertence ao espectro das doenças infiltrativas granulomatosa como granuloma eosinofilico, doença de Hand-Shuller-Christian e síndrome de Letter-Seiwe(³). Embora a maioria das HCL na infância não preencha critérios para malignidade, algumas podem ser muito graves, sendo necessário o diagnóstico diferencial com quadros como granulomatose de Wegener e outras patologias associadas a considerável morbimortalidade(5).
A infiltração pode ser unifocal limitada ao osso ou tecidos moles, multifocal limitada ao osso ou multifocal acometendo outros tecidos adjacentes(³).
A lesão se origina no osso e causa lesões líticas que são bem visualizadas na janela óssea da TC. Quando o periósteo é infiltrado, ocorre uma forte reação inflamatória que causa dor e edema regional, podendo, no entanto, ser a dor somente por hipertensão intraorbitária(5-6). O tempo de evolução costuma ser maior que da celulite intraorbitária e do pseudo-tumor, mas é similar ao rabdomiosarcoma(1).
Em um estudo realizado por Jerry A. Shields, no qual foram realizadas 250 biópsias para descartar o diagnóstico de rabdomiosarcoma, foi encontrado apenas um caso de histiocitose de Langerhans, o que demonstra não ser uma das lesões intraorbitárias mais comuns nesta faixa etária(2). Não foi encontrado na literatura, até o presente relato, estudos semelhante aos deste autor.
Apesar de não existir um consenso quanto ao manejo inicial, consideramos a biópsia mandatória para o diagnóstico etiológico. De acordo com a literatura, a conduta terapêutica pode variar desde simples observação clínica à excisão cirúrgica total da lesão(3).
Retomamos a idéia da necessitade do diagnóstico etiológico sendo portanto, imperativo o diagnóstico anatomopatológico.
No presente caso, a excisão cirúrgica via transcraniana foi a conduta adotada devido ao quadro grave de hipertensão intraorbitária, com distúrbio visual e oculomotor e envolvimento da dura-máter.
Portanto, em pacientes com processos expansivos intraorbitários extraoculares ou não, a abordagem cirúrgica da lesão é mandatória, se não para o tratamento do déficit funcional devido à hipertensão intraorbitária, certamente para o diagnóstico etiológico de certeza, o que determinará o manejo posterior da lesão.
REFERÊNCIAS
1. Buza N, Lagarde DC, Dash S, Haque S. Langerhans cell histiocytosis: report of a single organ involvement in child. J Cell Mol Med. 2004;8(3):397-401.
2. Shields JA, Bakewell B, Augsburger JJ, Donoso LA, Bernardino V. Space-occupying orbital masses in children. A review of 250 consecutive biopsies. Ophthalmology. 1986;93(3):379-84.
3. Shields JA, Bakewell B, Augsburger JJ, Flanagan JC. Classification and incidence of space-occupying lesions of the orbit. A survey of 645 biopsies. Arch Ophthalmol. 1984;102(11):1606-11.
4. Paula JS, Chahud F, Cruz AAV. Remissão espontânea de um granuloma eosinofílico orbitário após biópsia: relato de caso e revisão da literatura. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(4):523-6.
5. Kramer TR, Noecker RJ, Miller JM, Clark LC. Langerhans cell histiocytosis with orbital involvement. Am J Ophthalmol. 1997;124(6):814-24.
6. Castillo BV Jr, Kaufman L. Pediatric tumors of the eye and orbit. Pediatr Clin North Am. 2003;50(1):149-72.
Endereço para correspondência:
João Guiherme Valentim Neto
Centro Clínico do Hospital São Lucas da PUCRS
Av. Ipiranga, 6.690 - Sala 809
Porto Alegre (RS) CEP 90610-000
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 09.11.2007
Última versão recebida em 28.05.2008
Aprovação em 18.11.2008
Trabalho realizado no Serviço de Neurocirurgia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre (RS) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Áisa Haidar Lani sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.