Roberta Ventura1; Juliana Serrano Machado Malta1; Alessandra Freitas Carneiro Lyra2; Diana Maria Rodrigues Danda1; Lúcia Carvalho de Ventura Urbano3
DOI: 10.1590/S0004-27492009000100012
RESUMO
OBJETIVOS: Avaliar, em mulheres em idade fértil, a associação entre o uso de anticoncepcionais (ACO) orais de baixa dosagem e alterações na visão de cores. MÉTODOS: Foram incluídas no estudo 30 mulheres, 16 usuárias de ACO oral há menos de cinco anos (Grupo I) e 14 usuárias de anticoncepcionais orais há mais de cinco anos (Grupo II). Foram utilizados os testes de Ishihara, City University Color Vision Test e D 15 dessaturado. RESULTADOS: Não foram observados padrões característicos de distúrbio da visão cromática em nenhum teste dos dois grupos. CONCLUSÃO: Na amostra estudada, o uso de ACO oral de baixa dosagem não influenciou a visão de cores, independente do tempo de uso.
Descritores: Percepção de cores; Visão; Defeitos da visão cromática; Anticoncepcionais orais
ABSTRACT
PURPOSE: To evaluate the association between oral low-dose contraceptives and color vision alterations. METHODS: Were included in the study 30 women, sixteen used oral contraceptive for less than five years (Group I) and 14 used it for more than five years (Group II). The Ishihara, City University Color Vision Test, and the D 15 desaturated tests were used. RESULTS: No characteristic alterations in the chromatic perception were found in any of the groups. CONCLUSION: In the studied sample, low-dose oral contraceptive has not influenced color vision, independent of the time of use.
Keywords: Color perception; Vison; Color vision defects; Contraceptives, oral
INTRODUÇÃO
A discromatopsia é um termo genérico usado para designar qualquer distúrbio no olho da percepção de cores(1).
Do ponto de vista cromático, os indivíduos podem ser classificados em tricromata (normal ou anormal), dicromata, monocromata ou acromata, sendo o tricromata normal também chamado de ortocromata(2).
Os defeitos da visão de cores podem ser classificados em hereditários e adquiridos. Os hereditários, geralmente bilaterais, têm incidência maior que 99% para os distúrbios "vermelho-verde", afetando 4% dos homens e 0,5% das mulheres e afetam ambos os olhos igualmente. A boa acuidade visual é a regra, exceto nos monocromatas(3). Os defeitos adquiridos, mais frequentes na variedade "amarelo-azul", afetam igualmente homens e mulheres. Muito comumente mais um olho que outro. As discromatopsias hereditárias são constantes em tipo e gravidade durante toda a vida; as adquiridas variam em tipo e gravidade durante a vida, dependendo da causa que as originou(4).
A hipertensão arterial(5), o diabetes(6) e a cirrose hepática (alcoólica e não alcoólica)(7) são enfermidades que frequentemente apresentam alteração do senso cromático, principalmente na percepção da cor azul. O uso de drogas como a cloroquina, a hidroxicloroquina e anticoncepcionais hormonais são muitas vezes relacionados com anormalidade na visão de cores(8-10).
Relatos de doenças oculares em mulheres em uso de anticoncepcionais (ACO) orais foram publicados nas décadas de 60 e 70. Todavia, os estudos epidemiológicos realizados neste período foram insuficientes, por incluírem amostras pequenas sem resultados esclarecedores(11).
No Brasil, aproximadamente 20,7% das mulheres usam anticoncepcionais orais(12). A avaliação cromática se faz cada vez mais necessária devido ao grande número de atividades profissionais que requerem uma visão de cores normal(13-14). O presente estudo tem por objetivo avaliar, em mulheres em idade fértil, a associação entre o uso de ACO e alterações na visão de cores.
MÉTODOS
O estudo, observacional, prospectivo, tipo corte transversal, foi realizado no Departamento de Visão Subnormal da FAV -Setor Visão de Cores da Fundação Altino Ventura (FAV).
Trinta voluntárias foram abordadas durante consulta ambulatorial oftalmológica sobre o uso de ACO orais e convidadas a participar da pesquisa no período de outubro a novembro de 2005. Todas tinham exame de fundoscopia e biomicroscopia normais e eram usuárias de ACO orais de baixa dosagem (etinilestradiol < 30 mg). Foram excluídas as pacientes que tivessem doenças oculares causadoras de baixa visual, ou uso de outras drogas ou que pudesse interferir nos testes, fumantes e diabéticas.
A amostragem foi estratificada em dois grupos: Grupo I: 16 mulheres com a média das idades de 25,6 ± 3,9 anos, variando de 19 anos - 31 anos, usuárias de ACO oral há menos de cinco anos e Grupo II: 14 mulheres com média das idades de 27,8 ± 1,6 anos, variando de 25 anos - 31 anos, usuárias de ACO oral há mais de cinco anos.
Foram aplicados monocularmente os seguintes testes: Ishihara (de discriminação), City University Color Vision Test e D 15 dessaturado (de comparação).
O projeto de investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação Altino Ventura. A participante foi previamente informada sobre os objetivos e procedimentos deste estudo e convidada a assinar um termo de consentimento livre autorizando a sua participação.
RESULTADOS
O tempo médio de uso da medicação no Grupo I foi de 18,9 ± 10,4 meses e no Grupo II foi de 77,3 ± 20,8 meses.
Todas as pacientes tinham acuidade visual monocular linear de 0,8, ou melhor. Não referiam dificuldade na discriminação de cores. Não foram observados padrões característicos de distúrbio da visão cromática em nenhum teste dos dois grupos.
DISCUSSÃO
No estudo foi observado, nos dois grupos, que nenhuma das usuárias de ACO apresentou alteração na visão cromática.
Muitas reações adversas oculares dos ACO já foram descritas, porém a maioria nem sempre foi confirmada. Já foram relatadas doenças vasculares retiniana em associação com o uso de ACO, como oclusão de artéria central da retina, hemorragia intraocular, e mais raramente edema macular, mas suas documentações têm sido insuficientes para determinar a relação causal. Na análise feita em dois grandes estudos foi concluído que com exceção da doença vascular da retina, não havia evidência consistente do aumento de risco de doença ocular nas usuárias de ACO. Neste estudo não foi avaliada a visão cromática(11).
Em estudos anteriores, que avaliaram a visão cromática em usuárias de ACO foi demonstrado déficit na percepção do azul(10,15-16). Foi verificado, ainda, aumento dessa incidência em pacientes com uso mais prolongado(10,16). Porém, não foram relatadas as dosagens da medicação, o que poderia alterar os resultados.
Além disso, em outros estudos onde foram observadas alterações na visão cromática foi observado que esta condição é especialmente prevalente nos portadores de diabetes(16) e em indivíduos no uso combinado de ACO e cafeína(17), porém não foi possível assegurar de forma estatística a influência dos contraceptivos hormonais na percepção cromática.
No presente estudo as pacientes não tinham doenças sistêmicas, e não eram usuárias de tabaco-álcool ou cafeína. Provavelmente, o tamanho reduzido da amostra possa ter influenciado nos resultados. A incorporação de testes de visão de cores na rotina oftalmológica para diagnóstico de defeitos adquiridos possibilita uma compreensão melhor dos aspectos funcionais de determinadas enfermidades(2).
Dessa forma, pode-se sugerir que o uso de ACO orais de baixa dosagem não influenciou a visão de cores, independente do tempo de uso.
REFÊRENCIAS
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Endereço para correspondência:
Fundação Altino Ventura
Rua da Soledade, 170 - Boa Vista
Recife (PE) CEP 50070-040
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 02.11.2006
Última versão recebida em 04.10.2008
Aprovação em 18.11.2008
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Fundação Altino Ventura - FAV- Recife (PE) - Brasil.