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Editorial

Textos padronizados em português (BR) para medida da velocidade de leitura: comparação com quatro idiomas europeus

New standardized texts in Brazilian Portuguese to assess reading speed: comparison with four European languages

André Messias1; Antonio Augusto Velasco e Cruz3; Sonia Jecov Schallenmüller4; Susanne Trauzettel-Klosinski5

DOI: 10.1590/S0004-27492008000400016

RESUMO

OBJETIVO: Desenvolver textos para medida da velocidade de leitura comparáveis com outros quatro idiomas europeus. MÉTODOS: Dez textos com similar grau de dificuldade, número de caracteres, número de palavras e sintaxe (segundo a teoria de Gibson) foram desenvolvidos por um especialista em lingüística, em português (BR), fazendo-se a tradução de textos previamente padronizados em quatro idiomas: inglês, francês, finlandês e alemão. A velocidade de leitura foi medida em 25 indivíduos saudáveis de idade entre 19 e 35 anos (mediana=24 anos) com os dez textos. RESULTADOS: A velocidade de leitura nos textos em português foi em média 1100 ± 167 (desvio padrão) caracteres por minuto. Pequenas diferenças foram encontradas entre as velocidades de leitura medidas com os dez textos, e essas diferenças não foram estatisticamente significantes em grupos de no mínimo seis textos. A velocidade de leitura dos voluntários da mesma faixa etária nos outros idiomas foi: alemão: 1126 ± 105; finlandês: 1263 ± 142; francês: 1214 ± 152 e inglês: 1234 ± 147. CONCLUSÃO: Os autores desenvolveram um conjunto de textos em português (BR) padronizados e homogêneos para medida da velocidade de leitura, que são comparáveis com textos em outros quatro idiomas europeus. Esses textos podem ser usados para estudos multicêntricos internacionais envolvendo leitura e visão subnormal.

Descritores: Leitura; Movimentos oculares; Baixa visão; Fixação ocular; Acuidade visual; Campos visuais; Testes visuais; Tradução (produto); Vocabulário; Processos mentais; Lingüística; Comparação transcultural

ABSTRACT

PURPOSE: To develop standardized texts in Brazilian Portuguese to assess reading speed and compare performances among four European languages. METHODS: 10 texts were designed by a linguistic expert at the level of a sixth grade reading material (reading ages 10-12 years) and were matched for length and syntactic complexity, according to the syntactic prediction locality theory of Gibson. Normally sighted native speaking volunteers aged 18-35 years read each text aloud at random. RESULTS: The reading speed was on average 1100 ± 167 (standard deviation) characters per minute. Only small differences were found between the measured reading speeds of the 10 texts, and these differences were not statistically significant in groups of at least 6 texts. The mean reading speed in age-matched volunteers in Finnish was: 1263 ± 142; French: 1214 ± 152; English: 1234 ± 147; and German: 1126 ± 105. CONCLUSIONS: The authors developed a set of standardized, homogeneous, and comparable texts in Brazilian Portuguese. These texts will be a valuable tool to measure reading speed for repeated measurements and in international studies in the field of reading and low vision research.

Keywords: Reading; Eye movements; Vision, low; Fixation, ocular; Visual acuity; Visual fields; Vision tests; Translations; Vocabulary; Mental processes; Linguistics; Cross-cultural comparison


 

 

INTRODUÇÃO

Desde a criação da escrita, a leitura tornou-se uma das mais importantes atividades de formação cultural e integração social do homem. Por definição, leitura é um complexo processo que envolve o sistema sensório, motor e cognitivo, e difere da simples detecção e reconhecimento de letras isoladas (soletrar). Muitos são os fatores que podem influenciar este processo, sendo a integridade do campo visual central um dos principais fatores relacionados a aferência visual(1).

Dificuldade para ler é um dos principais sintomas relatados por pacientes com problemas envolvendo o campo visual central, é citada como uma das principais responsáveis pela piora da qualidade de vida desses pacientes(2), e podem aparecer no decorrer da evolução de certas doenças até mesmo antes da diminuição da acuidade visual central, como por exemplo, em pacientes com doença de Stargardt(3).

A causa mais freqüente de perda da visão central é a degeneração macular relacionada à idade (DMRI). Com o aumento da população da terceira idade nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a necessidade de métodos para avaliação e programas eficientes de reabilitação visual tem aumentado consideravelmente nas últimas décadas, sem descartar-se o uso de tais programas para pacientes de outras faixas etárias com perdas funcionais semelhantes.

As relações entre a função visual e a estratégia de leitura utilizada por esses pacientes têm sido intensamente estudadas nos últimos anos, e está clara a importância da sua compreensão para a otimização das estratégias de reabilitação(1,4-9). Além disso, habilidade de leitura tem sido incluída como padrão de medida da visão, e tem se mostrado mais sensível do que a medida da acuidade visual na detecção desses problemas(10-12).

A área da retina utilizada no processo de leitura compreende alguns milímetros quadrados, que são desproporcionalmente representados no córtex visual. Os 10° centrais do campo visual, que correspondem a aproximadamente 2% do campo total, utilizam mais de 50% do córtex visual primário(13). Enquanto a acuidade visual, de acordo com a densidade de fotorreceptores, diminui exponencialmente com o aumento da excentricidade na retina. Assim, a acuidade visual, que na fovéola normal é no mínimo igual a 1 minuto de arco, na borda foveal cai para 0,4, e esse último compreende o mínimo poder resolutivo necessário para o reconhecimento de letras de impressão padronizadas de jornais (Fonte: Times new roman, tamanho: 9 pontos a 25 cm de distância)(1).

Durante o processo de leitura, uma área relativamente pequena de campo visual é requerida: 4° no meridiano horizontal e 2° no vertical, distribuídos simetricamente em torno do ponto de fixação(1). Esta área mínima de visão foi recentemente denominada "visual span" e corresponde, aproximadamente, ao tamanho da fóvea(14). A capacidade de leitura é então determinada, por um lado, pela resolução espacial da retina e, por outro, pela área mínima de percepção visual.

Durante o processo normal de leitura, são captados seqüencialmente grupos de letras. Para cada captura, o sistema oculomotor estabiliza a posição ocular durante um intervalo de tempo da ordem de 150 ms, para que a imagem contendo as letras possa ser visualmente e cognitivamente processada. Tal intervalo é denominado "fixação", e sua duração é também dependente da presença ou não de escotoma central(15).

Entre as sucessivas fixações, são realizados movimentos sacádicos oculares. Estes movimentos são de alta velocidade, são realizados da esquerda para a direita (línguas européias), e têm amplitude aproximada de 4° de ângulo visual. Ao fim das linhas ocorrem os retornos, que são movimentos de maior amplitude, da direita para a esquerda, realizados para se encontrar o início da próxima linha. Alguns pequenos sacádicos corretores da esquerda para direita podem também ocorrer durante o processo.

Vários testes para medida da habilidade de leitura têm sido desenvolvidos. Entre eles os principais são a tabela de leitura de palavras Bailey-Lovie(16) e a tabela "Minnesota Low Vision Reading Test" (MNREAD)(17), este último recentemente traduzido e adaptado para o português brasileiro(18). Esses testes são essenciais para medida da acuidade de leitura e do aumento necessário para pacientes com baixa visão, porém eles consistem de frases únicas e relativamente curtas, e podem mascarar dificuldades para ler textos longos e com várias linhas.

Considerando a complexidade envolvida na leitura, esta deve ser avaliada em textos contínuos e com várias linhas, pois essas são as condições encontradas em jornais, livros, bulas de remédios, etc. Tais textos devem ser padronizados quanto ao tamanho, dificuldade de compreensão e sintaxe, e freqüência das palavras para que os resultados obtidos possam ser interpretados corretamente.

Recentemente, o grupo europeu AMD-Read (http://www.amd-read.net) desenvolveu um conjunto de textos para medida da velocidade de leitura em 4 idiomas europeus: Alemão, Finlandês, Francês e Inglês(19), o objetivo do presente trabalho é traduzir e adaptar esses textos para o português brasileiro e avaliar a performance de indivíduos normais em comparação com os outros quatro idiomas.

 

MÉTODOS

Textos

Conteúdo

Os dez textos originais foram retirados de uma enciclopédia escrita para crianças entre 9 e 11 anos, e de material de leitura para a sexta série do currículo escolar alemão (equivalente à sexta série da grade brasileira) e posteriormente traduzidos e adaptados para os demais idiomas por especialistas em lingüística de cada país. Todos os textos contêm passagens de interesse geral e de baixa dificuldade de compreensão para assegurar que as habilidades intelectuais não sejam principais fatores responsáveis por possíveis dificuldades na leitura.

Número de caracteres

Os textos em português possuem em média de 813 ± 13 caracteres, enquanto textos nos outros quatro idiomas tiveram em média 830 ± 2 caracteres. A razão número de caracteres por palavra nos dez textos dos cinco idiomas foi 6,30 ± 0,06 em alemão; 7,85 ± 0,09 em finlandês; 6,18 ± 0,08 em francês; 5,43 ± 0,11 em inglês e 6,11 ± 0,09 em português brasileiro.

Freqüência das palavras e sintaxe

A freqüência das palavras utilizadas e a sintaxe são fatores determinantes na velocidade de leitura de um texto. Por isso, foram utilizadas somente palavras com freqüência de no mínimo 0.0001%, em frases de no máximo quatro "unidades de integração sintática" segundo a teoria de Gibson(20-21). Este valor é definido como sendo proporcional à distância entre as palavras integradas e o centro semântico das orações.

Layout

Os dez textos foram impressoss com 98% de contraste com uma impressora laser comercial (HP LaserJet 4500). A fonte utilizada foi "Times New Roman" de 9 pontos com espaçamento simples entre as linhas para se aproximar ao máximo do padrão usado em jornais. A figura 1 mostra um dos textos em português.

 

 

Voluntários

A população de estudo consistiu de 25 brasileiros, e os resultados foram avaliados juntamente com dados previamente publicados(19) de voluntários ingleses, finlandeses, franceses e alemães. Distribuição das idades e gêneros é mostrada na tabela 1. Não houve diferença estatisticamente significante de idade entre os indivíduos de diferentes nacionalidades (F=0,605; p=0,6594).

 

 

Medida da velocidade de leitura

Os testes foram realizados com os voluntários sentados confortavelmente em frente a uma bancada de leitura a uma distância fixa de 25 cm com luminária para garantir boa iluminação.

Os textos foram apresentados em ordem randômica e os voluntários foram orientados a lê-los em voz alta o mais rápido possível sem cometer erros, e se caso erros cometessem não parar a leitura para corrigi-los. O tempo de leitura foi medido com cronômetro comercial e a velocidade de leitura foi calculada dividindo-se o número de caracteres do texto lido pelo tempo gasto. O número de caracteres das palavras não pronunciadas ou lidas erroneamente foram descontadas no total de caracteres no texto.

Ao invés do número de palavras por minuto, número de caracteres lidos por minuto foi unidade usada para comparação das velocidades de leitura, pois o tamanho das palavras varia muito entre os idiomas. Para facilitar compreensão, alguns resultados são mostrados também em palavras por minutos.

Análise estatística

Two-way análise de variância foi realizada para comparar efeitos dos textos e idiomas na velocidade de leitura. Em seguida, o teste Tukey-HSD foi aplicado para comparar as médias. Foram considerados significativos valores de p menores do que 0,05. A análise estatística foi realizada com o programa JMP-IN versão 5.1.

 

RESULTADOS

Comparação entre os textos em português

Houve diferença estatisticamente significante entre as velocidades de leitura medidas com alguns textos (ANOVA: F=12,71; p<0,001). A máxima diferença encontrada entre a velocidade de leitura medida com os textos em português foi 12%, encontrada comparando-se texto número 4 (lido mais rapidamente) e texto número 1. A figura 2 mostra a velocidade de leitura de todos os textos em todos os idiomas. A tabela 2 lista as médias e o desvio padrão da velocidade de leitura medida com todos os textos em português e o resultado da análise estatística, onde textos não conectados pela mesma letra apresentaram diferença estatisticamente significante.

 

 

 

 

Conjuntos de pelo menos seis textos em português podem ser utilizados sem que diferenças entre as velocidades de leitura sejam esperadas.

Comparação entre os idiomas

As médias das velocidades de leitura em caracteres por minuto foram: Alemão: 1126 ± 105; Finlandês: 1263 ± 142; Francês: 1214 ± 152; Inglês: 1234 ± 147; e Português 1100 ± 167. Apesar de pequena, houve diferença estatisticamente significante entre as velocidades de leitura entre alguns dos idiomas (Figura 3, Tabela 3), porém com variabilidade das medidas muito semelhantes.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A medida objetiva da velocidade de leitura é fundamental na avaliação de pacientes com visão subnormal, principalmente em estudos com novas terapias para doenças que acometem o campo visual central(10). Para realizá-la, é necessário um conjunto de textos homogêneos quanto ao conteúdo e forma, e que sejam lidos com velocidades comparáveis, para que o pesquisador possa oferecer diferentes textos em diferentes consultas, ou realizar múltiplas medidas.

Os testes previamente descritos para avaliação da leitura apresentam algumas dessas características. As frases que compõem o MNREAD, por exemplo, foram criadas com o mesmo número de caracteres, tem palavras de mesma freqüência e estão disponíveis em vários idiomas. Esse teste pode ser aplicado em diferentes tamanhos de letras e é útil para determinar o quanto texto deve ser aumentado em tamanho (magnification need) que um paciente com baixa visão necessita para ler, todavia é composto por sentenças únicas e curtas, o que impede uma exata avaliação do desempenho de leitura em textos contínuos. Com isso, esses pacientes não precisam, por exemplo, movimentar o sistema de aumento sobre o texto ou encontrar a próxima linha.

Os resultados do presente estudo mostram que a velocidade de leitura dos textos em português de um pouco varia em indivíduos com visão normal. Porém, pequenas diferenças são encontradas quando diferentes textos e idiomas são comparados, de modo que adequada utilização desses textos permite a comparação do desempenho de leitura. É possível formar sub-grupos de até seis textos que não apresentam velocidade de leitura estatisticamente significante diferente entre si (por exemplo, tabela 2 - textos marcados com as letras C e D), resultados similares aos encontrados por alguns autores em outros idiomas(19). Assim, velocidades de leituras medidas com esses sub-grupos de textos poderiam ser diretamente comparadas em futura aplicação clínica. No caso de necessidade de um conjunto com maior número de textos, os dez textos poderiam ser aplicados desde que a velocidade de leitura seja corrigida de acordo com os seus valores normativos.

Em caso de comparações entre a performance em diferentes idiomas, o mais importante é pequena diferença entre as variabilidades (desvio padrão) encontrada em cada um: desvio padrão mínimo encontrado foi de 105 caracteres/minuto (9% da média) em alemão e o máximo foi de 175 caracteres/minuto (16% da média) em português; o que mostra que apesar das diferenças estruturais de cada idioma - número médio de caracteres por palavra, colocação dos verbos, construções gramaticais, e diferenças de dificuldade na pronúncia - levarem a uma pequena, porém estatisticamente significante diferença entre as velocidades de leitura em alguns idiomas, a leitura dos textos traduzidos podem ser comparadas se corrigidas com os seus valores normativos.

 

CONCLUSÃO

Em suma, um conjunto de textos contínuos de passagens completas foi desenvolvido, os autores os recomendam para medida da velocidade de leitura em avaliações clínicas, principalmente em casos de defeitos no campo visual central em pacientes com baixa visão.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem Paula Chiaradia por recrutar os voluntários brasileiros.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Susanne Trauzettel-Klosinski
Schleichstr, 12-16 - 72076
Tübingen - Alemanha
E-mail: [email protected]-tuebingen.de

Recebido para publicação em 05.10.2007
Aprovação em 24.04.2008
Esse estudo contou com apoio financeiro da Herbert-Funke-Stiftung. http://www.herbert-funke-stiftung.de/

 

 

Trabalho realizado no Center for Ophthalmology, Universidade de Tübingen - Alemanha
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Rosane da Cruz Ferreira sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.


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