Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Reconstrução marginal de pálpebras utilizando enxerto de palato duro

Margin eyelid reconstruction with hard palate graft

Tiana Gabriela Burmann1; Ítalo Marcon3; Tiago Rizzato5; Karin Scheid7

DOI: 10.1590/S0004-27492008000400009

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os benefícios e complicações do uso do palato duro na reconstrução de pálpebras inferiores acometidas por carcinomas basocelulares extensos. MÉTODOS: Revisão da literatura e descrição da técnica utilizada no Setor de Oculoplástica do Hospital Santa Casa de Porto Alegre. RESULTADOS: O enxerto de palato duro é um excelente substituto da lamela posterior na reconstrução palpebral, pois apresenta os benefícios da superfície mucosa, associado ao fato de atuar como suporte semi-rígido. CONCLUSÃO: A técnica de sanduíche utilizando palato duro mostrou-se eficiente, com um resultado estético e funcional bastante satisfatório.

Descritores: Palato duro; Mucosa bucal; Transplante autólogo; Pálpebras; Carcinoma, basal cell

ABSTRACT

PURPOSE: To investigate the advantages and the complications of the use of hard palate graft in the reconstruction of the inferior eyelids with large basocelular carcinoma. METHODS: Review of specialized articles and report of the technique used in the Oculoplastic Department of the "Hospital Santa Casa de Porto Alegre". RESULTS: The hard palate graft is an excellent replacement for posterior lamellar defects in eyelid reconstruction, because it presents the benefit of a mucous layer in addition to a semirigid support. CONCLUSION: The sandwich technique using hard palate was shown to be efficient, with good functional and esthetic results.

Keywords: Palate, hard; Mouth mucosa; Transplantation, autologous; Eyelids; Carcinoma basocelular


 

 

INTRODUÇÃO

A busca pela técnica capaz de reconstruir uma pálpebra e satisfazer não apenas a anatomia palpebral, mas também a sua função tem levado à utilização de diversos tecidos. Na reconstrução palpebral, três elementos são importantes: a pele, a estrutura de sustentação e a mucosa.

A reconstrução palpebral com a técnica de sanduíche compreende um retalho local de avançamento de músculo orbicular entre dois enxertos livres. A estrutura semi-rígida pode ser tarso, esclera preservada, cartilagem auricular, septo nasal ou palato duro(1-5). A superfície externa é reconstruída através de um enxerto livre de pele.

Este estudo tem por objetivo avaliar os benefícios e complicações da técnica de sanduíche, utilizando o palato duro como substituto da lamela posterior.

 

MÉTODOS

Foram selecionados 9 pacientes que apresentavam lesões palpebrais clinicamente suspeitas de neoplasia, extensas, comprometendo mais de 50% da margem palpebral inferior.

Os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião oculoplástico, sob anestesia local e sedação e as margens da lesão foram avaliadas pela técnica de congelação. A reconstrução palpebral foi realizada no mesmo ato cirúrgico mediante a confirmação anátomo-patológica de termos margens livres e seguras.

A técnica de sanduíche, também denominada de reconstrução topográfica, foi utilizada na reconstrução das pálpebras desses pacientes. A lamela posterior foi reconstruída com enxerto de palato duro, a lamela anterior com pele da pálpebra superior ipsi ou contralateral, e, entre os dois enxertos, foi avançado um retalho de músculo orbicular (incisões verticais no músculo facilitaram o avançamento) (Figura 1).

O sítio doador de palato foi limitado pelas pregas palatinas anteriormente e pela junção do palato duro com o mole posteriormente. Alguns cuidados foram observados: evitou-se a retirada de enxertos muito espessos; manteve-se distância da linha média e do forame palatino maior e promoveu-se uma boa cauterização local (Figura 1).

Na técnica realizada nessa série de casos, utilizou-se enxertos (palato e pele) um pouco maiores que o tamanho do defeito causado pela retirada da lesão. Além disso, foi colocado o curativo de Brown e a sutura de Frost nas primeiras 48 horas de pós-operatório.

 

RESULTADOS

Participaram do estudo 9 pacientes, 4 do sexo masculino e 5 do feminino, com faixa etária entre 62 e 79 anos. Todos os pacientes apresentavam carcinomas basocelulares extensos das pálpebras inferiores com comprometimento do canalículo inferior em 1 caso.

Não foram observadas complicações no sítio doador de palato duro e também não ocorreram complicações nos sítios doadores de pele.

A pele utilizada para reconstruir a lamela anterior apresentou-se com boa cicatrização e resultado estético. Além disso, não se observou casos de necrose do enxerto nesses pacientes.

A retração do enxerto foi regra, no entanto discreta na maioria dos pacientes, exceto em um caso onde houve retração moderada que comprometeu o resultado estético final.

Os pacientes foram acompanhados por um período médio de 18 meses (entre 12 e 36 meses) e não apresentaram, nesse período, sinais de recidiva no local.

 

DISCUSSÃO

A utilização do palato duro foi inicialmente sugerida na reconstrução de pálpebras acometidas por tumores, em 1985, por Siegel(6). Atualmente, não se restringe apenas a reconstrução de pálpebras acometidas por tumores palpebrais, mas também é utilizado para tratar uma série de desordens incluindo retração da pálpebra inferior pós-blefaroplastia, entrópio cicatricial, retração palpebral secundária à orbitopatia de Graves, lagoftalmo secundário à cirurgia de ptose paralítica e reconstrução de cavidades anoftálmicas(5,7-9).

O palato duro tem a vantagem de possuir uma superfície regular, funcionar como um suporte nas reconstruções palpebrais e permitir a retirada de enxertos grandes, possibilitando a correção de defeitos extensos da margem palpebral, sem causar dano ao sítio doador(4). Além disso, trata-se de um tecido autógeno, retrai pouco e o sítio doador tem um curto período de cicatrização(6,10-11). Estudos sugerem que a contração média do enxerto de palato duro seja aproximadamente 16%(11).

A retirada do enxerto requer conhecimento da anatomia local, devendo-se evitar incisões muito profundas que possam causar sangramentos importantes e lesar o periósteo, comprometendo a cicatrização(1).

Os pacientes selecionados nessa amostra apresentavam carcinomas basocelulares que comprometiam amplamente a margem da pálpebra inferior. A utilização desse tipo de enxerto em pálpebras superiores pode causar abrasões corneanas intratáveis devido à metaplasia do epitélio(7).

Existem diversas complicações descritas com o enxerto de palato duro e estas podem acometer o sítio doador (sangramento, desconforto local, fístula oro-nasal e infecções) e o receptor (necrose, queratinização e secreção mucóide persistente produzida pelas glândulas salivares presentes no enxerto)(1,12-13). Nesse estudo observou-se um caso de secreção mucóide persistente e outro de retração significativa do enxerto, esse último tratando-se de uma pálpebra comprometida na sua totalidade (Figura 2). Nessa série de casos não foi observada necrose dos enxertos e complicações relacionada aos sítios doadores.

 

 

Queixas de desconforto e sensação de corpo estranho são comuns e usualmente transitórias. Observamos que enxertos discretamente maiores que o defeito podem minimizar o risco de retração, observação essa já apontada em outros estudos(14).

A exérese dos tumores palpebrais com a técnica de congelação e imediata reconstrução parece apresentar menor índice de recidivas. Outra opção é a excisão de tumores malignos microscopicamente controlada (técnica de Mohs), que propicia um alto índice de cura e preservação de tecidos(15).

A reconstrução da margem palpebral pela técnica de sanduíche, utilizando enxerto do palato, retalho de músculo orbicular e enxerto de pele, confere bons resultados funcionais. A pele, especialmente palpebral, costuma ter a textura e a cor muito semelhantes, por isso a estética não fica comprometida (Figura 3).

 

CONCLUSÃO

O palato funciona como um ótimo substituto para a lamela posterior porque tem uma superfície mucosa, permitindo o deslizamento sobre a superfície do globo; é abundante e proporciona um suporte desejável. Nessa série de casos, a utilização da técnica de sanduíche mostrou-se eficiente e com boa reabilitação estética.

 

REFERÊNCIAS

1. Fernandes JB, Nunes TP, Matayoshi S, Moura EM. Enxerto de mucosa do palato duro: complicações na área doadora - relato de casos. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(6):884-6.         

2. Yildirim S, Gideroglu K, Akoz T. Application of helical composite sandwich graft for eyelid reconstruction. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2002;18(4):295-300.         

3. Callahan A. Reconstruction of the eyelids with cartilage and mucosa from the nasal septum. Trans Ophthalmol Soc U K. 1976;96(1):39-44.         

4. Perry MJ, Langtry J, Martin IC. Lower eyelid reconstruction using pedicled skin flap and palatal mucoperiosteum. Dermatol Surg. 1997;23(5):395-7; discussion 397-8.         

5. Cohen MS, Shorr N. Eyelid reconstruction with hard palate mucosa grafts. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1992;8(3):183-95. Comment in: Ophthal Plast Reconstr Surg. 1994;10(1):64-5.         

6. Siegel RJ. Palatal grafts for eyelid reconstruction. Plast Reconstr Surg. 1985; 76(3):411-4.         

7. Goldberg RA, Joshi AR, McCann JD, Shorr N. Management of severe cicatricial entropion using shared mucosal grafts. Arch Ophthalmol. 1999;117(9): 1255-9.         

8. Patel BC, Patipa M, Anderson RL, McLeish W. Management of postblepharoplasty lower eyelid retraction with hard palate grafts and lateral tarsal strip. Plast Reconstr Surg. 1997;99(5):1251-60.         

9. Ito O, Suzuki S, Park S, Muneuchi G, Kawazoe T, Saso Y, et al. Usefulness of palatal mucoperiosteal grafts for artificial eye socket contracture. Ann Plast Surg. 2003;51(3):278-82.         

10. Kersten RC, Kulwin DR, Levartovsky S, Tiradellis H, Tse D. Management of lower-lid retraction with hard palate mucosa grafting. Arch Ophthalmol. 1990;108(9):1339-43.         

11. Sullivan SA, Dailey RA. Graft contraction: a comparison of acellular dermis versus hard palate mucosa in lower eyelid surgery. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2003;19(1):14-24.         

12. Kim JW, Kikkawa DO, Lemke BN. Donor site complications of hard palate mucosal grafting. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1997;13(1):36-9.         

13. Pelletier CR, Jordan DR, Brownstein S, Li S. An unusual complication associated with hard palate mucosal grafts: presumed minor salivary gland secretion. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1998;14(4):256-60.         

14. Leibovitch I, Malhotra R, Selva D. Hard palate and free tarsal grafts as posterior lamella substitutes in upper lid surgery. Ophthalmology. 2006; 113(3):489-96.         

15. Ceilley RI, Anderson RL. Microscopically controlled excision of malignant neoplasms on and around eyelids followed by immediate reconstruction. J Dermatol Surg Oncol. 1978;4(1):55-62.         

 

 

Endereço para correspondência:
Tiana Gabriela Burmann
Av. Nilo Peçanha, 724 - Sala 401
Porto Alegre (RS) CEP 90470-000
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 23.09.2007
Última versão recebida em 25.11.2007
Aprovação em 11.01.2008

 

 

Trabalho realizado no Serviço de Oftalmologia da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre - ISCMPA, Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre - FFFCMPA - Porto Alegre (RS) - Brasil.


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