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Editorial

Retinoblastoma bilateral de aparecimento tardio: relato de caso

Late presentation of bilateral retinoblastoma: case report

Maria Cecília Santos Cavalcanti Melo1; Liana Maria Vieira de Oliveira Ventura3; Clélia Maria Erwenne5; Ana Lúcia Andrade Lima Arcoverde6

DOI: 10.1590/S0004-27492008000300027

RESUMO

É relatado um caso de retinoblastoma de aparecimento tardio, com características pouco freqüentes, com o objetivo de melhorar o controle da afecção. Em 1993, SJMMF, nove meses, masculino, leucodermo, apresentou tumor na retina esquerda. O paciente tinha história familiar de retinoblastoma. A enucleação foi realizada, comprovando-se retinoblastoma. Os exames para estadiamento sistêmico foram normais. O olho direito evoluiu normal por dez anos. Em exame de rotina, foram constatadas três lesões de retinoblastoma na retina nasal. Foi feita termoterapia transpupilar, com laser de diodo de 810 nm. Após 30 dias, as lesões regrediram. Após 60 dias houve recidiva na borda da lesão, onde foi realizada crioterapia transescleral, com regressão do tumor por seis meses. Durante o controle, observaram-se condensações próximas à lesão tumoral atrófica (sementes vítreas). Foi feito braquiterapia com Iodo125, havendo desaparecimento das mesmas após 30 dias. Novas sementes surgiram três meses pós-braquiterapia, depositadas na superfície retiniana, sendo tratadas com crioterapia transescleral e termoterapia transpupilar, havendo regressão. O paciente evoluiu com nova semente vítrea após seis meses, a qual, após depositar-se na superfície da retina, foi tratada com termoterapia transpupilar. Está em seguimento há 38 meses desde o aparecimento do tumor bilateral, mantendo acuidade visual de 20/20 e exames clínicos normais. Considera-se importante este caso pela pouca freqüência de aparecimento da doença nesta idade. Julga-se necessário o alerta para os casos de retinoblastoma já considerados curados.

Descritores: Retinoblastoma; Enucleação ocular; Lasers; Hipertermia induzida; Humanos; Masculino; Lactente; Relatos de casos

ABSTRACT

A case of retinoblastoma with uncommon features is reported, aiming at improving follow-up. In 1993, SJMMF, 9-month-old white boy, presented a squint in the left eye. A retinal tumor was detected. The patient had a family history of retinoblastoma. Enucleation was performed and retinoblastoma was proved. The patient underwent examination for staging, all were normal. The fellow eye remained normal for 10 years. During routine examination the retina map revealed three retinoblastoma white lesions in the nasal retina. The patient underwent transpupillary thermotherapy with diode laser. After 30 days, the lesions became atrophic. After 60 days there was tumor recurrence on the border of the lesion. Sclera cryotherapy was performed. There was tumor regression for six months. During follow-up, condensations next to the atrophic tumor lesions were discovered, which were vitreous seeds. Brachitherapy with 125 iodine was done. The lesions disappeared after 30 days. New vitreous seeds appeared 3 months later, set on the retina surface. They were blocked with sclera cryotherapy and transpupillary thermotherapy. The patient presented with new vitreous seeds after six months, which adhered to the retina. They were blocked with transpupillary thermotherapy. Follow-up was for 38 months since the appearance of the bilateral tumor. The patient presents normal visual acuity and clinical examination. This case is important considering the low frequency of the disease at this age. It is essential to maintain alertness when cases of retinoblastoma are seen as cured.

Keywords: Retinoblastoma; Eye enucleation; Laser; Induced hyperthermia; Humans; Male; Infant; Case reports


 

 

INTRODUÇÃO

Embora o retinoblastoma seja um tumor relativamente incomum, ocorre numa proporção de 1:15.000 a 1:20.000 nascidos vivos(1). Nos EUA, aproximadamente 300 crianças e adolescentes menores que 20 anos de idade são diagnosticadas com a doença a cada ano(2). No Brasil, a notificação de dados sobre a incidência deste tumor é ainda desconhecida, havendo relatos de variações entre diversas regiões, sendo descritos 5,9 casos por milhão de habitantes em São Paulo(3).

O retinoblastoma tem origem neuroectodérmica, apresentando-se em sua forma hereditária em 40% dos casos, com herança autossômica dominante, ligada à mutação no braço longo do cromossomo 13. Clinicamente é evidenciado de forma bilateral, uni ou multifocal. Em 60% dos casos, na sua forma esporádica, o retinoblastoma é geralmente unilateral e unifocal. Em 5 a 15% dos casos bilaterais pode-se encontrar o tumor desenvolvendo-se na glândula pineal (pinealoblastoma ou retinoblastoma trilateral)(4-8).

A maioria dos casos ocorre em crianças bastante jovens, com 63% abaixo de dois anos de idade e 95% antes dos cinco anos(2). Após essa faixa etária, o aparecimento de retinoblastoma é raro, observando-se descrição de poucos casos na literatura(4-8).

Este estudo tem por objetivo relatar um caso de retinoblastoma caracteristicamente incomum em sua apresentação clínica e evolução, bem como discutir a conduta terapêutica instituída em um serviço de referência em oncologia ocular, assim como estimular o controle rigoroso na condução desta doença.

 

RELATO DO CASO

Em 1993, SJMMF, nove meses de idade, gênero masculino, leucodermo, procedente da zona rural de Alagoas, apresentou desvio no olho esquerdo, percebido pelo seu genitor. Foi avaliado por oftalmologista, sendo constatado a presença de um "tumor na retina".

O pai apresentou história de desvio ocular por lesão na retina desde infância (provável retinoblastoma de regressão espontânea). O primo paterno apresentou história de enucleação em um dos olhos por tumor maligno. Negava consangüinidade.

Na ocasião, submeteu-se a enucleação do olho esquerdo, sem intercorrências. Por problemas técnicos durante a preparação do espécime para análise anátomo-patológica (carbonização do material), houve dificuldades para a interpretação das lâminas, onde apenas se observou células com formação em rosetas, não sendo possível a análise do grau de diferenciação e extensão do tumor ao nervo óptico. O laudo do patologista limitou-se a compatibilidade com retinoblastoma, sem possibilidade de estadiamento. O caso evoluiu com a realização de exames completos (tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética de crânio e órbita, análise do líquido cefalorraquidiano, mielograma) para estadiamento clínico, realizados com oncologista pediátrico, os quais foram normais. Após análise com equipe multidisciplinar, o caso foi considerado como retinoblastoma intra-ocular unilateral, não sendo indicado o tratamento com quimioterapia adicional. O paciente foi acompanhado com exames periódicos de controle sistêmico e oftalmológico, que se mantiveram normais por 10 anos.

Em julho de 2003, compareceu ao oftalmologista para exame anual, sem queixas, com acuidade visual sem correção de 20/20 e à biomicroscopia, segmento anterior sem anormalidades.

Ao mapeamento da retina evidenciaram-se três lesões esbranquiçadas <1diâmetro de disco (DD), seguindo arcada nasal inferior com nervo óptico, mácula e vítreo sem alterações. A suspeita diagnóstica foi retinoblastoma com aparecimento tardio. Realizou-se retinografia (Figuras 1 e 2) e angiografia fluoresceínica (Figura 3) para documentação e procedeu-se a aplicação de termoterapia transpupilar (TTT) com laser de diodo de 810 nm por via oftalmoscópica indireta (mira de 3 mm, duração de 60 s e potência de 400 mw), em outro serviço. Após 30 dias deste procedimento o paciente retornou para controle, tendo sido observado que as lesões evoluíram com grau de regressão do tipo IV (plana e atrófica). Após dois meses, detectou-se recidiva do tumor na borda da lesão. Realizou-se uma sessão de crioterapia transescleral, obtendo-se controle por período de seis meses (Figuras 4 e 5).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Após sete meses da crioterapia detectou-se a presença de sementes tumorais vítreas, localizadas próximas à lesão tumoral atrófica (Figuras 6 e 7). Realizou-se ultra-sonografia ocular com cálculo da distância entre as sementes e a parede posterior do globo, tendo sido realizado braquiterapia com sementes de Iodo125, incluindo-se a altura das sementes tumorais na área de tratamento. Após um mês de tratamento observou-se regressão das sementes vítreas.

 

 

 

 

Com três meses de controle, surgiu uma nova condensação vítrea com toque retiniano próxima à borda da lesão atrófica, sendo esta considerada como nova semente tumoral.

Realizou-se ultra-sonografia ocular, detectando-se toque desta lesão na superfície da retina (Figura 8) e indicou-se aplicação de crioterapia com bom acesso ao ápice da lesão. Com 30 dias deste procedimento, notou-se subdivisão da condensação vítrea e base atrófica retiniana optando-se assim, por ampliação das bordas da lesão com TTT (Figura 9).

 

 

 

 

Por aproximadamente seis meses o paciente evoluiu com ausência completa dessas sementes e base tumoral atrófica. Em uma reavaliação, observou-se surgimento de outra condensação arredondada e flutuante, próxima à borda nasal da cicatriz atrófica que foi seguida quinzenalmente por meio de mapeamento de retina, no intuito de observar o comportamento desta lesão (Figura 10). Houve modificação da forma da condensação, que se tornou mais alongada e esta se depositou na superfície da retina nasal equatorial (Figura 11), sendo tratada com TTT.

 

 

 

 

Com seguimento total de 38 meses após o aparecimento do tumor bilateral, não se pode afirmar uma condição de estabilidade do quadro clínico da neoplasia até o presente momento e mesmo estando o paciente com boa acuidade visual e exames de controle sistêmicos normais, o caso requer um controle rigoroso diante da sua evolução.

 

DISCUSSÃO

O retinoblastoma é um tumor intra-ocular caracteristicamente da infância e acredita-se ser originado de células precursoras dos fotorreceptores da retina.(3) Pacientes com história familiar positiva têm seu diagnóstico mais precoce, algumas vezes dentro dos primeiros dias de vida. Em casos com história familiar negativa, unilateral ou bilateral, o diagnóstico em geral se dá mais tardiamente(5).

Alguns autores revisaram 400 casos de retinoblastoma, onde 8,5% eram crianças maiores de cinco anos de idade. Apenas 0,8% tinham mais de 15 anos ao diagnóstico inicial(4).

A incidência de tumores bilaterais diminui após dois anos de idade com picos entre quatro e cinco meses e entre os unilaterais, o pico ocorre entre seis e sete meses(2).

As características clínicas da criança demonstram apresentação atípica no que concerne à idade do aparecimento da bilateralidade do tumor, assim como a evolução clínica antes e após tratamento.

Tem sido relatado início tardio dos sintomas de casos de retinoblastoma em adultos(5). Na avaliação do presente caso, o paciente teve o diagnóstico de retinoblastoma unilateral aos nove meses e em seu controle, durante 10 anos, acreditou-se que o mesmo estivesse fora de risco para a bilateralidade, mesmo com história familiar positiva. Esse intervalo do aparecimento do tumor bilateral é pouco freqüente, mesmo em outros relatos da literatura. Nos casos de apresentação tardia são postuladas duas teorias. Na primeira, é postulada a transformação maligna de células embrionárias da retina(8), e a outra, a reativação de retinoblastoma de regressão espontânea(9).

Embora o retinoblastoma seja incomum antes dos 10 anos de idade, a apresentação em grupo de idade mais avançada pode existir, havendo descrições em adulto de 74 anos(10). No presente relato, no exame inicial e em todos os outros que se seguiram durante o acompanhamento deste paciente, não havia lesão no olho contralateral, o que se leva a crer na possibilidade de algum fator desencadeante para a ativação dessas células retinianas imaturas. Não se sabe se estímulos hormonais poderiam estar envolvidos nessa cadeia de ativação, já que este aparecimento se deu durante a fase puberal do paciente, o que estimula investigação mais aprofundada.

Embora o retinoblastoma apresente-se, geralmente, com quadro clínico clássico, incluindo leucocoria e estrabismo, outros sinais da doença, entretanto, podem ocorrer, como rubeosis(11), hifema e hemorragia vítrea. A forma oligossintomática com a qual se apresentou o paciente do presente relato reafirma a necessidade de manutenção de acompanhamento periódico do olho contralateral em longo prazo, mesmo naqueles casos em que se considera cura após enucleaçâo do primeiro olho.

A abordagem terapêutica, usando-se tratamento local com termoterapia transpupilar, e, posteriormente, braquiterapia com Iodo125, resultou em regressão parcial da neoplasia, contudo, houve o aparecimento de outras sementes no seguimento clínico, demonstrando alta agressividade do tumor. Não foi indicado esquema de quimioterapia associada ao tratamento local, pois, no seguimento, a lesão encontrava-se completamente atrófica, sem vascularização ou área tumoral residual. A possibilidade de irradiação da órbita por radioterapia externa conformacional em três dimensões foi aventada por ocasião do aparecimento da última condensação vítrea; mas por ter havido depósito na superfície da retina, optou-se por tratamento local com TTT.

A característica da evolução do caso relatado levanta a possibilidade de se estar diante de um tumor germinal, com forte penetrância e comportamento agressivo, de difícil controle, onde possivelmente a abordagem do tratamento através de terapia gênica(12) poderia ser uma opção mais adequada. Por outro lado, a apresentação atípica e tardia do paciente relatado pode constituir a base para maiores investigações na condução desses tumores.

Como perspectiva futura as pesquisas utilizando imunohistoquímica para dosagem da enzima ácido graxo sintetase(13), presente em diversos tipos de câncer, inclusive no retinoblastoma, poderão relacioná-la às apresentações clínicas de caráter mais agressivo, podendo fornecer dados promissores para seguimento e avanços terapêuticos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para Correspondência:
Cecília S. C. Melo
Fundação Altino Ventura
Rua da Soledade, 170
Recife (PE) CEP 50070-040
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 27.10.2006
Última versão recebida em 24.07.2007
Aprovação em 11.01.2008

 

 

Trabalho realizado na Fundação Altino Ventura - FAV - Recife (PE) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Martha Maria Motono Chojniak sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.


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