Iluska Fagundes Andrade1; Mônica F. Pombo Hilarião2; Ricardo Carvalho Rocha3; Eduardo Ferrari Marback4; Roberto Lorens Marback5
DOI: 10.1590/S0004-27492008000300022
RESUMO
Apresentamos um caso de tumor orbitário congênito de grande tamanho, ocorrendo em criança recém-nascida. A paciente foi submetida a exenteração da órbita e o diagnóstico anatomopatológico foi de teratoma cístico. Os aspectos clínico-patológicos desta rara doença são comentados.
Descritores: Neoplasias orbitárias; Teratoma; Teratoma; Teratoma; Teratoma; Relatos de casos
ABSTRACT
We report on a case of an congenital orbital tumor of impressive size, occurring in a newborn. The patient underwent orbital exenteration with a histopathologic diagnosis of cystic teratoma. The clinicopathological aspects of such a rare disease are commented.
Keywords: Orbital neoplasms; Teratoma; Teratoma; Teratoma; Teratoma; Case reports
INTRODUÇÃO
O teratoma cístico da órbita é um tumor congênito benigno raro que causa proptose em recém-nascidos. O tumor é formado por tecidos normais derivados das três camadas germinativas embrionárias. O primeiro caso de teratoma da órbita foi relatado por Holmes em 1862, sendo posteriormente revisto e classificado como tumor teratóide, pois era formado apenas por duas camadas germinativas(1-2). Em 1876, Bröer e Weigert, relatam o primeiro caso verdadeiro de teratoma da órbita, com documentação da presença de elementos derivados dos três folhetos embrionários(3).
O tumor acomete recém-nascidos sem outros achados associados. Exibe crescimento rápido após o nascimento, causando acentuada proptose e ceratopatia de exposição(2,4-5).
Descreveremos o caso de uma recém-nascida portadora de volumosa tumoração de órbita à esquerda, encaminhado de maternidade local para avaliação diagnóstica e conduta terapêutica.
APRESENTAÇÃO DO CASO
Paciente do sexo feminino, sete dias de idade, nascida de parto natural a termo, encaminhada com relato de volumosa tumoração em órbita à esquerda presente desde o nascimento. A genitora referiu acompanhamento pré-natal completo sem intercorrências (seis consultas e três ultra-sonografias), não havendo identificação do tumor às ultra-sonografias.
Ao exame notava-se tumor muito volumoso em órbita esquerda, impedindo oclusão de fenda palpebral e exibindo ulceração e pontos hemorrágicos em conjuntiva (Figura 1A). O olho direito era normal. Foi solicitada tomografia computadorizada (TC) das órbitas para programação cirúrgica. Face às dificuldades em obter a TC e conseguir reserva de vaga em unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal, a cirurgia só foi realizada 15 dias após a primeira consulta. A TC mostrava alargamento da cavidade orbitária esquerda, que estava preenchida por tumor com densidade heterogênea, compatível com partes moles, exibindo áreas de calcificação e císticas, sem aparente extensão intracraniana (Figura 1B).
A suspeita diagnóstica foi de teratoma cístico de órbita. A paciente foi submetida a exenteração parcial da órbita, poupando pele palpebral, sendo necessária hemotransfusão pér-operatória e cuidados pós-operatórios em UTI neonatal. Em relação ao exame inicial, o tumor exibia no dia da cirurgia, acentuado aumento de volume com perfuração de globo ocular e extrusão de seu conteúdo (Figura 1C). Evoluiu com boa cicatrização por segunda intenção da cavidade e sem sinal de recidiva após 22 meses de acompanhamento (Figura 1D). Apesar de ter sido encaminhada para adaptação de prótese, os pais optaram por não fazê-lo.
Macroscopicamente a peça cirúrgica media 8,0x6,5x5,0 cm, apresentava coloração castanho-amarelada e superfície irregular. À superfície de corte, notava-se tecido esbranquiçado com partes pigmentadas e áreas císticas preenchidas por líquido claro, não sendo possível identificar estruturas oculares (Figura 2).
À microscopia havia neoplasia benigna constituída por elementos derivados dos três folhetos embrionários. Do ectoderma havia tecido nervoso. Do mesoderma: tecido adiposo, músculo liso e cartilagem. Do endoderma: cistos revestidos por epitélio intestinal e respiratório (Figura 2).
DISCUSSÃO
O teratoma é um tumor embrionário derivado das três camadas germinativas. Usualmente há predomínio de componentes ectodérmicos e mesodérmicos. Os elementos endodérmicos freqüentemente estão ausentes ou são difíceis de detectar(4,6). Nestes casos, a denominação utilizada é a de tumor teratóide(4). As camadas germinativas surgem de células pluripotentes e, portanto, estão presentes principalmente nas gônadas, mais raramente podem ser encontradas nos restos de células primitivas seqüestrados em outras áreas(7). Raramente, pode haver transformação maligna(6,8).
As células pluripotentes podem se diferenciar em várias linhagens germinativas(7). O ectoderma superficial dá origem ao epitélio escamoso estratificado, folículos pilosos e glândulas sudoríparas. O neuro-ectoderma inclui o tubo neural primitivo, plexo coróide e gânglios. O mesoderma é representado por músculo, osso, cartilagem e gordura. O endoderma pode originar tecido gastrointestinal e epitélio colunar pseudoestratificado do tipo respiratório(7).
A revisão de literatura mostra que o teratoma de órbita predomina em olho esquerdo (60%) e a relação entre sexo feminino e masculino é de 2:1. Sua característica típica é o rápido crescimento após o nascimento, por isso, tumores não tratados por um período de meses podem alcançar grandes dimensões(2,4,6). Com a expansão da massa pode ocorrer compressão do globo ocular e nervo óptico, ceratopatia de exposição e eventual perfuração, como no nosso caso(2,4,6).
As características mais freqüentemente encontradas no teratoma orbitário são acentuada proptose unilateral em recém-nascidos, distensão das pálpebras e aumento da fenda palpebral, ausência de comunicação direta entre as cavidades císticas e a cavidade intra-craniana, desenvolvimento normal do olho com freqüentes mudanças degenerativas secundárias ao crescimento do tumor, aumento da cavidade orbitária cerca de 2 a 3 vezes o tamanho normal e transiluminação de parte ou de todo o tumor(6,9).
No passado a exenteração da órbita em crianças com teratoma estava associada a uma alta taxa de mortalidade. Atualmente com o avanço das técnicas anestésicas, cirúrgicas e de cuidado pós-operatório em UTI neonatal, houve diminuição da mortalidade destes pacientes(5). O tratamento cirúrgico quase sempre é efetivo, conseguindo a exérese completa do tumor. Entretanto, mesmo nos casos de teratomas orbitários pequenos nos quais é possível a ressecção isolada do tumor, raramente a função visual pode ser preservada, devido às alterações secundárias no globo ocular e nervo óptico(6,10). Não encontramos, na literatura pesquisada, referência a reabilitação tardia dos pacientes submetidos a exenteração por teratoma orbitário. Nossa paciente foi encaminhada para adaptação de prótese, porém por opção dos pais, permanecia sem prótese quase dois anos após a cirurgia.
Merecem destaque em nosso caso, o acentuado volume da tumoração, e o fato da mesma não ter sido observada às ultrasonografias pré-natais. Vale lembrar ainda que tais recém-nascidos apresentam volemia em torno de 280 ml. Com volemia tão pequena, é necessário dispor de sangue para reposição na programação cirúrgica. No caso em questão, conseguimos minimizar o sangramento durante o ato cirúrgico através ligadura do pedículo do tumor no vértice da órbita, utilizando faixa umbilical e cauterização com bisturi elétrico.
Dentre os 7.500 casos submetidos a estudo no Laboratório de Patologia Ocular do Serviço de Oftalmologia do Hospital Professor Edgar Santos até o momento, este é segundo caso de teratoma cístico da órbita, o que enfatiza sua raridade.
REFERÊNCIAS
1. Holmes T. Congenital tumour removed from the orbit. Trans Pathol Soc Lond. 1862-3;14:248.
2. Levin ML, Leone CR Jr, Kincaid MC. Congenital orbital teratomas. Am J Ophthalmol. 1986;102(4):476-81.
3. Broer WC, Weigert C. Teratoma orbitae congenitum. Virchows Arch Pathol Anat. 1876;67:518-22.
4. Weiss AH, Greenwald MJ, Margo CE, Myers W. Primary and secondary orbital teratomas. J Pediatr Ophthalmol Strabismus. 1989;26(1):44-9.
5. Ferry AP. Teratoma of the orbit: a report of two cases. Surv Ophthalmol. 1965;10(5):434-42.
6. Garrity JA, Henderson JW. Orbital teratoma. In: Garrity JA, Henderson JW, Cameron JD. Henderson's orbital tumors. 4th ed. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2007. p.44.
7. Robins SL, Kumar V, Cotran RS, Schoen FJ. Neoplasias. In: Robins SL, Cotran RS, Kumar V. Patologia estrutural e funcional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996. p.215.
8. Mahesh L, Krishnakumar S, Subramanian N, Babu K, Biswas J. Malignant teratoma of the orbit: a clinicopathological study of a case. Orbit. 2003;22(4): 305-9.
9. Hoyt WF, Joe S. Congenital teratoid cyst of the orbit. A case report and review of the literature. Arch Ophthalmol. 1962;68:196-201.
10. Gnanaraj L, Skibell BC, Coret-Simon J, Halliday W, Forrest C, DeAngelis DD. Massive congenital orbital teratoma. Ophthal Plast Reconstr Surg. 2005; 21(6):445-7.
Endereço para Correspondência:
Eduardo F. Marback
Rua Rodrigo Argolo, 89 - Apto. 201
Salvador (BA) CEP 41940-220
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 26.12.2006
Última versão recebida em 25.11.2007
Aprovação em 11.01.2008
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia - UFBA - Salvador (BA) - Brasil.