Otacílio de Oliveira Maia Júnior1; Roberto Murad Vessani3; Walter Yukihiko Takahashi5; Remo Susanna Júnior6
DOI: 10.1590/S0004-27492008000200011
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar alterações na camada de fibras nervosas da retina na retinopatia diabética tratada por panfotocoagulação com laser de argônio. MÉTODOS: Estudo prospectivo de portadores de retinopatia diabética submetidos a panfotocoagulação retiniana. Inicialmente, foram realizados exame oftalmológico completo e tomografia de coerência óptica. Todos pacientes foram submetidos a panfotocoagulação em um dos olhos. A camada de fibras nervosas foi avaliada por meio da tomografia de coerência óptica na 1ª semana, no primeiro, terceiro e sexto meses do tratamento. RESULTADOS: A amostra foi composta por 27 pacientes (27 olhos) portadores de diabetes mellitus tipo 2. A idade variou entre 41 e 64 anos (média de 53,7 ± 6,2 anos), sendo 10 (37%) pacientes do sexo masculino e 17 (63%) do feminino. Quanto ao tipo de retinopatia, 22,2% apresentavam RD proliferativa e 77,8%, RD não proliferativa muito grave. Houve aumento significante nas medidas da espessura da camada de fibras nervosas, permanecendo nos setores temporal, 3 e 4 horas após seis meses de seguimento. Não foi observada qualquer redução na espessura em todos parâmetros analisados. CONCLUSÃO: Não foi evidenciada, a curto e médio prazo, redução na espessura da camada de fibras nervosas em portadores de retinopatia diabética tratada por panfotocoagulação que possa ser identificável por meio da tomografia de coerência óptica. Por outro lado, alguns setores mostraram aumento na espessura durante o seguimento.
Descritores: Fibras nervosas; Retinopatia diabética; Retinopatia diabética; Coagulação por laser; Diabetes mellitus; Glaucoma; Tomografia de coerência óptica
ABSTRACT
PURPOSE: To evaluate the alterations in the retinal nerve fiber layer in diabetic retinopathy treated by argon laser panphotocoagulation. METHODS: Prospective study of patients with diabetic retinopathy submitted to retinal panphotocoagulation. Initially, complete ophthalmologic examination and optical coherence tomography were performed. All patients were submitted to panphotocoagulation with argon laser in one of the eyes. The retinal fiber layer was evaluated by means of optical coherence tomography in the first week, in the first, third and sixth months after treatment. RESULTS: The sample was composed of 27 patients (27 eyes) with type 2 diabetes mellitus. The age varied from 41 to 64 years (mean of 53.7 ± 6.2 years), with 10 (37%) males and 17 (63%) females. Regarding the retinopathy, 22.2% presented proliferative DR and 77.8% very severe non proliferative DR. There was a significant increase in the fiber layer thickness measurements, remaining in the temporal sectors, 3 and 4 hours, after 6 months of follow-up. Reduction of thickness was not observed in any of the analyzed parameters. CONCLUSIONS: Reduction of the fiber layer thickness, identifiable by means of optical coherence tomography, in short and average term, was not observed in patients with diabetic retinopathy treated with panphotocoagulation. On the other hand, some sectors showed thickness increase during the follow-up.
Keywords: Nerve fibers; Diabetic retinopathy; Diabetic retinopathy; Laser coagulation; Diabetes mellitus; Glaucoma; Tomography, optical coherence
INTRODUÇÃO
O Early Treatment Diabetic Retinopathy Study (ETDRS) definiu as estratégias do tratamento da retinopatia diabética (RD) de acordo com a sua classificação(1), bem como a técnica de aplicação recomendada(2-3). Segundo este estudo, a panfotocoagulação da retina é recomendada a partir da RD não proliferativa grave ou muito grave e para RD proliferativa, preconizando a técnica "full scatter photocoagulation" com laser de argônio(4).
A energia liberada pelo laser é primeiramente absorvida pelo epitélio pigmentado da retina e, mesmo utilizando baixa intensidade e intervalo de tempo reduzido, a lesão não é limitada a esta estrutura. Foi demonstrado que micropulsos de laser com baixa energia lesaram também os fotorreceptores(5). Outro estudo evidenciou lesões em todas as camadas da retina, incluindo a membrana limitante interna, ao utilizar laser de argônio(6). Assim, a panfotocoagulação poderia causar alterações na camada de fibras nervosas (CFN). Por outro lado, um estudo retrospectivo não evidenciou alterações significativas na relação escavação de disco óptico pós-tratamento de panfotocoagulação, avaliada subjetivamente por meio de estereofotografia de disco óptico(7).
A tomografia de coerência óptica (OCT) permite a obtenção de medidas objetivas da camada de fibras nervosas (CFN), baseada no princípio da interferometria de baixa coerência(8), sendo detectadas alterações devido à diferença relativa de refletividade na interface óptica das estruturas examinadas(9-10). Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar objetivamente a CFN peripapilar por meio do OCT nos pacientes submetidos à panfotocoagulação com laser de argônio.
MÉTODOS
Foram incluídos pacientes do Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) portadores de RD com indicação de panfotocoagulação retiniana, conforme critérios do ETDRS, e avaliados prospectivamente, no período entre março e dezembro 2005. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos e Pesquisa da Diretoria Clínica do HC-FMUSP e todos os pacientes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Os critérios de exclusão foram: tratamento retiniano prévio ou outras doenças maculares, portadores de glaucoma, catarata, opacidades na córnea ou complicações da RD (hemorragia vítrea e/ou descolamento de retina), prévias ou durante seguimento.
No intuito de caracterizar o controle sistêmico, foi solicitada hemoglobina glicosilada (HbA1c) no pré, no terceiro e no sexto meses do tratamento (Método certificado pelo NGSP - National Glycohemoglobin Standardization Program, valor de referência= 4,1 a 6,5%).
Os pacientes foram submetidos, inicialmente, à medida da acuidade visual com melhor correção (Tabela de Snellen) e ao exame oftalmológico completo, incluindo pressão intra-ocular (tonômetro de aplanação de Goldmann), biomicroscopia da mácula e do disco óptico. Os exames complementares realizados foram: retinografia, angiofluoresceinografia e OCT.
Todos os pacientes foram submetidos à panfotocoagulação retiniana com laser de argônio (Ophthalas 532 Eyelite, Alcon Surgical), segundo padronização recomendada pelo ETDRS(5). A distância entre as marcas dos disparos é aproximadamente metade do seu diâmetro, sendo iniciada a partir de 2 diâmetros papilares do centro da mácula (margeando as arcadas vasculares) em direção à periferia. A média de disparos para realizar o tratamento completo é de 1.600 tiros, geralmente em 3 sessões ou mais(5). Após tratamento, a avaliação foi realizada por meio de OCT (na primeira semana, no primeiro, no terceiro e sexto meses do tratamento). Foi considerado apenas um olho por paciente.
As imagens obtidas pelo OCT "Stratus version 4.0 software" (Carl Zeiss Meditec) foram realizadas no algoritmo "fast RNFL" para determinar a medida da espessura da CFN. Obtiveram-se três imagens de cada indivíduo, cada uma consistindo em 256 pontos de varredura ao longo de um círculo de 3,4 mm de diâmetro, centrado em torno do disco óptico e uma imagem média foi automaticamente calculada pelo software do aparelho. A qualidade das imagens foi avaliada através do "Signal Strength" (intensidade de sinal), fornecido pelo aparelho após execução do exame, no qual o valor do parâmetro deveria ser maior ou igual a seis. Todas as avaliações oftalmológicas, exames complementares e tratamento foram executados por apenas um dos autores (OOM Jr.).
Inicialmente todas as variáveis foram analisadas descritivamente. Para as variáveis quantitativas, esta análise foi feita por meio de observação dos valores mínimos e máximos e do cálculo de médias, desvios-padrão e medianas. Para as variáveis qualitativas, calcularam-se freqüências absolutas e relativas. Para avaliar se as médias dos parâmetros medidos apresentaram alterações ao longo do tempo, utilizou-se o método de análise de variância com medidas repetidas(11). Quando alguma diferença significativa foi detectada, foram construídos contrastes para comparar a média de cada instante de medição com o instante inicial (antes do tratamento). O nível de significância utilizado para os testes foi de 5%. A análise foi realizada no programa SPSS for Windows, versão 6.0(12).
RESULTADOS
Dos 36 pacientes, 5 foram excluídos em decorrência de hemorragia vítrea e 4 por defeitos técnicos na determinação da CFN no OCT. Assim, 27 pacientes completaram o seguimento, sendo todos portadores de diabetes mellitus tipo 2.
A idade variou entre 41 e 64 anos (média de 53,7 ± 6,2 anos), sendo 10 (37%) pacientes do sexo masculino e 17 (63%) do feminino. Quanto ao olho em estudo, 14 (51,9%) olhos direitos tratados e 13 (48,1%) olhos esquerdos. Quanto ao tipo de retinopatia, 22,2% apresentavam RD proliferativa e 77,8%, RD não proliferativa muito grave. A acuidade visual pré-tratamento variou de 0,3 a 1,0 (média de 0,85 ± 0,2). A pressão intra-ocular variou de 10 a 16 mmHg (média de 12,8 ± 2,0). A quantidade total de disparos do laser por tratamento variou de 1.512 a 2.023 (média de 1.738,4 ± 123,5).
A hemoglobina glicosilada (HbA1c), pré-tratamento, variou de 5,2 a 12,1% (média de 9,0 ± 2,0%), no terceiro mês de tratamento de 5,5 a 14,2% (média 8,5 ± 2,0%) e no sexto mês variou de 5,0 a 12,9% (média de 8,4 ± 1,4%). A média da hemoglobina glicosilada não foi a mesma nos três instantes (p=0,028), sendo significativamente menor aos 6 meses do que no pré-tratamento (p=0,04).
Quanto aos parâmetros obtidos por meio do OCT, houve aumento significante nas medidas da espessura média da CFN entre o momento avaliado e instante inicial (antes do tratamento), na 1ª semana: 3 h (p=0,02), 4 h (p=0,04), 8 h (p=0,02), 9 h (p=0,04), 10 h (p=0,03), N (p=0,02), T (p=0,02), Imax (p=0,047) e Avg (p=0,01); no 1º mês: 3 h (p=0,03), T (p=0,01) e Imáx (p=0,048); no 3º mês: Imax (p=0,04) e Avg (p=0,02); e no 6º mês: 3 h (p=0,01), 4 h (p=0,01) e T (p=0,01). Nos outros parâmetros e instantes avaliados, não foi verificada alteração significante das medidas da CFN. As medidas descritivas das espessuras médias da CFN, de todos parâmetros avaliados, estão demonstradas na tabela 1.
DISCUSSÃO
A avaliação da CFN peripapilar por exames de imagens em portadores de diabetes mellitus foi demonstrada previamente por outros autores(13-14). No entanto, na literatura pesquisada, esse é o primeiro estudo que avalia longitudinalmente a CFN por meio do OCT em portadores de RD, submetidos à panfotocoagulação com laser de argônio.
Considerando os achados de estudos histológicos que mostraram comprometimento de várias camadas da retina(4) e a experiência clínica dos autores, que observam dificuldades na interpretação de discos ópticos de olhos de portadores de RD submetidos a panfotocoagulação suspeitos para glaucoma, esperava-se que a avaliação quantitativa da CFN peripapilar de maneira longitudinal revelasse redução nas medidas de espessuras. No entanto, não foi demonstrada redução na CFN em nenhum dos parâmetros avaliados. Por outro lado, houve aumento de espessura nas medidas dos setores 3 h, 4 h, 8 h, 9 h, 10 h, N, T, Imax e Avg na 1ª semana; 3 h, T e Imáx no 1º mês; Imax e Avg no 3º mês e apenas nos setores 3 h, 4 h e T, foi evidenciada persistência do aumento nas medidas de espessuras da CFN após 6 meses de seguimento.
Entre as possíveis explicações para observação de aumento na espessura, estão as alterações inflamatórias e do fluxo sanguíneo retiniano, responsáveis pelo mecanismo de aumento de permeabilidade após a laserterapia(15) e conseqüente quebra da barreira hemato-aquosa. Larsson e Nuija evidenciaram essa quebra após panfotocoagulação retiniana por meio de fotômetro a laser, sendo mais pronunciada nos primeiros 10 dias do tratamento e, no entanto, observada até 3 meses de maneira mais sutil(16). Esses mecanismos poderiam interferir na identificação da perda da camada de fibras nervosas de maneira objetiva pelo OCT, visto que o Stratus OCT gera medidas de espessura nos 360º ao redor do disco, por meio da determinação do limite anterior da CFN, que corresponde à maior refletividade na borda interna retiniana mais próxima do vítreo, e o limite posterior que é determinado por meio de um algoritmo automático do aparelho que avalia os limiares de refletividade na transição da CFN e a retina neurossensorial. Assim, a CFN poderia estar hiperestimada por acréscimo de fluido intra-retiniano, devido ao aumento da permeabilidade após panfotocoagulação com laser de argônio. Uma outra explicação para não se detectar perda da CFN seria o tempo de seguimento de 6 meses, o qual pode não ser suficiente para demonstrar as perdas de fibras.
Estudos mostraram que a instabilidade do controle glicêmico, utilizando a hemoglobina glicosilada HbA1c, pode levar à perda de CFN, mesmo na ausência da RD(17). No presente estudo, observou-se uma melhora da HbA1c no período estudado, o que sugere que a instabilidade glicêmica teria uma influência menor nas alterações da CFN dos pacientes.
Em suma, esse estudo não evidenciou, a curto e médio prazo, redução na espessura da CFN que possa ser identificável por meio da tomografia de coerência óptica. O seguimento dos pacientes estudados, por um período de tempo maior, poderá esclarecer tal questionamento.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Otacílio de Oliveira Maia Júnior
Rua Adelmário Pinheiro, 10
Salvador - BA CEP 41900-540
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 06.03.2007
Última versão recebida em 14.08.2007
Aprovação em 28.09.2007
Trabalho desenvolvido no Departamento de Oftalmologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP) - Brasil.