Paulo de Tarso Dualiby1; Jamal M. A. H. Suleiman2; Grace Sanches M. A. H. Suleiman2
DOI: 10.1590/S0004-27492000000600006
RESUMO
Objetivo: Estudo visando comparar a eficácia clínica, segurança e toxicidade do indinavir e da zidovudina quando administrados isoladamente e quando administrados concomitantemente. Métodos: Foram estudados, prospectivamente, a partir de abril de 1995, 300 pacientes (599 olhos), soropositivos para o HIV-1, sem infecção oportunista e com CD4 entre 50 e 250 células/mm ³, que fizeram parte de um estudo duplo-cego, randomizado. O parâmetro de eficácia determinado era o aparecimento de infecções oportunistas. Em julho de 1996 os pacientes que recebiam zidovudina isoladamente passaram a receber lamivudina associada. Em fevereiro de 1997 o estudo passa a ser aberto e todos os pacientes passam a receber a associação das 3 drogas. Resultados: São referidos os achados oculares observados no início do estudo e as alterações observadas prospectivamente em um período de 4 anos. Ocorreu retinite por CMV em 3 pacientes (4 olhos, 1,33%), sendo todos do braço inicial do estudo que recebeu zidovudina isoladamente. Conclusão: Os resultados sugerem redução da incidência de retinite por CMV em pacientes tratados com inibidor de protease.
Descritores: Soropositivos para o HIV-1; Indinavir; Zidovudina; Lamivudina; Achados oculares em AIDS; Infecções oportunistas
ABSTRACT
Purpose: To compare efficacy, safety and toxicity of indinavir and zidovudine, when administered either alone or concomitantly. Methods: This is a prospective study which has been carried out since April 1995, on 300 seropositive HIV-1 patients (599 eyes) without any opportunistic infection, and with CD4 between 50 to 250 cells/mm ³, who participated in a rando- mized double blind study. The determined efficacy parameter was the appearance of opportunistic infections. In July 1996, the patients who received only zidovudine started to receive also lamivudine. In February 1997, the study was opened and all the patients started to receive the three drugs. Results: In this study we report the ocular findings observed in the beginning of the study and the alterations which have been prospectively observed during 4 years. Three patients (4 eyes, 1.33%), who belonged to the group that received only zidovudine, developed CMV retinopathy. Conclusion: The results suggest an incidence reduction of CMV retinopathy in patients treated with protease inhibitor.
Keywords: HIV-1 seropositive patients; Indinavir; Zidovudine; Lamivudine; Ocular findings in AIDS; Opportunistic infection
INTRODUÇÃO
As alterações oftalmológicas observadas em pacientes com AIDS tem sido publicadas em vários estudos e com resultados bastante semelhantes 1- 3, porém esses achados variam bastante de acordo com o grau de imunidade dos pacientes do grupo estudado, bem como acredita-se que menos casos novos de retinite por CMV ocorrerão devido ao uso combinado dos anti-virais inibidores de transcriptase e inibidores de protease (HAART ¾ highly active anti-retroviral therapy) * 2. Na abordagem terapêutica dos pacientes com AIDS a associação de drogas tem-se mostrado eficaz em reduzir a carga viral, muitas vezes a níveis indetectáveis e muitas são as associações, freqüentemente usando-se um ou mais inibidores de transcriptase reversa, análogos dos nucleosídeos; zidovudina, didanosina, zalcitabina, estavudina ou lamivudina associados a inibidores de protease, entre eles, saquinavir, ritonavir ou indinavir 7.
O objetivo deste trabalho é relatar as alterações oculares observadas após 4 anos do início do acompanhamento prospectivo de um grupo de 300 pacientes, para avaliação do inibidor de protease indinavir.
PACIENTES E MÉTODOS
Trata-se de uma coorte de 300 pacientes voluntários, tendo-se como critério para inclusão no estudo a soropositividade para o HIV-1, com contagem de linfócitos CD4 entre 50 e 250 células /mm³ e sem evidências de infecções oportunistas. O estudo foi realizado no Instituto de Infectologia "Emílio Ríbas" em São Paulo (SP), após aprovação pelo Comitê de Ética e fez parte de um estudo multicêntrico, duplo-cego, randomizado, cujo objetivo é comparar a eficácia clínica, segurança e toxicidade do indinavir (IDV) (800 mg via oral, três vezes ao dia) administrado isoladamente e concomitantemente com a zidovudina (AZT) (200 mg via oral, três vezes ao dia) e com a zidovudina (AZT) isoladamente.
O parâmetro de eficácia determinado era o aparecimento de infecções oportunistas.
Este estudo iniciou-se em abril de 1995 e a duração prevista era de 156 semanas. Tão logo os dados de superioridade na eficácia da combinação de dois inibidores de transcriptase reversa tornaram-se disponíveis, em julho de 1996, os pacientes que recebiam zidovudina (AZT) isoladamente passaram a receber lamivudina (3TC) associada.
A carga viral média (Reação em Cadeia da Polimerase-PCR Roche Amplicor) no início do estudo era de 31.749 cópias/ml no braço zidovudina + indinavir; 21.612 cópias/ml no braço indinavir e 31.418 cópias/ml no braço zidovudina.
Em fevereiro de 1997 o estudo passa a ser aberto com todos os pacientes recebendo indinavir + zidovudina + lamivudina, uma vez que os dados demonstraram a superioridade do inibidor da protease associado aos inibidores da transcriptase reversa.
O protocolo incluiu avaliação oftalmológica pré-estudo e a cada 24 semanas por um período de 156 semanas e consistiu em avaliação da acuidade visual, exame da motilidade ocular, avaliação do senso cromático, reflexos luminosos, biomicroscopia, tonometria de aplanação, avaliação corneana com fluoresceína e oftalmoscopia binocular indireta.
Retinografia, angiofluoresceinografia e campimetria foram realizadas quando indicadas.
RESULTADOS
Foram incluídos no estudo os pacientes que não apresentavam infecção ou suspeita de infecção oportunista e excluídos os demais. Os achados oftalmológicos listados referem-se às alterações observadas no grupo selecionado e muitas não tem relação com a infecção pelo HIV, servindo apenas como referência inicial para o estudo prospectivo.
No grupo selecionado foram observadas as seguintes alterações:
- Alteração na visão de cores :
-Daltonismo (verde/vermelho) = 6 pac. (12 olhos)
-Outras causas(maculopatias, neuropatias, ambliopia) = 6 pacientes = 9 olhos
-Hipertensão ocular (> 20 mmHg) :
2 pac. = 3 olhos (1,0%)
-Alterações palpebrais:
-Blefarite seborréica = 17 pac. = 34 olhos (11,33%)
-Edema com eritema palpebral = 1 pac. = 1 olho (0,33%)
-Nevo palpebral = 2 pac. = 3 olhos (1,0 %)
-Molusco contagioso = 2 pac. = 2 olhos (0,66%)
-Triquíase = 2 pac. = 3 olhos (1,0%)
-Cisto hídrico palpebral = 1 pac = 1 olho (0,33%)
-Alterações de córnea e conjuntiva:
-Ceratotomia radial prévia = 5 pacientes = 9 olhos (3%)
-Pterígio = 23 pacientes = 38 olhos (12,66%)
-Pinguécula = 52 pacientes = 98 olhos (32,66 %)
-Microaneurisma conjuntival = 1 paciente = 1 olho (0,33%)
-Nevo conjuntival = 7 pacientes = 7 olhos (2,33%)
-Hemorragia sub-conjuntival = 1 paciente = 1 olho (0,33%)
-Cisto hídrico conjuntival = 1 paciente = 1 olho (0,33%)
-Arco corneano = 1 paciente = 2 olhos (0,66%)
-Distrofia epitelial corneana = 1 paciente = 2 olhos (0,66%)
-Ceratite puntacta (corando com fluoresceina) = 14 pacientes = 28 olhos (9,33%)
-Leucoma = 6 pacientes = 6 olhos (2%)
-Alterações do cristalino:
-Catarata = 5 pacientes = 8 olhos (2,66%) (2 pacientes cortical unilateral (1 traumática); 2 pacientes sub-capsular posterior bilateral;
1 paciente puntacta cortical bilateral).
-Alterações da musculatura extrínseca :
-Esotropia = 4 pacientes (1,33%) (1 associado com cicatriz macular;1 associado com alta miopia)
-Exotropia = 7 pacientes (2,33%) (2 associados com cicatriz macular)
-Exoforia = 12 pacientes(4%)
-Polo posterior:
-Cicatrizes de coriorretinite (toxoplasmose presumida) = 25 pacientes = 27 olhos(9%)
-Atrofia parcial de nervo óptico = 2 pacientes = 3 olhos (1%) (com palidez de papila,alteração do senso cromático e campo visual)
-Fibras de mielina = 2 pacientes = 2 olhos (0,66%) (associado com estafiloma de nervo óptico em 1 olho)
-Estafiloma de nervo óptico = 1 paciente = 2 olhos (0,66%) (associado com fibras de mielina em 1 olho)
-Degeneração miópica = 5 pacientes = 5 olhos (1,66%)
-Branco sem pressão = 5 pacientes = 4 olhos
-Paving stone = 1 paciente = 2 olhos (0,66%)
-Degeneração látice = 1 paciente = 2 olhos (0,66%)
-Nevo de coróide = 1 paciente = 1 olho (0,33%)
-Microangiopatia pelo HIV = 10 pacientes = 11 olhos (3,66%)
Encontram-se destacadas em negrito as alterações possivelmente relacionadas à infecção pelo HIV (1,2,3).
Os pacientes foram orientados a retornar para reavaliação oftalmológica obrigatória a cada 24 semanas, ou a qualquer momento, para detecção de possível infecção oportunista.
Durante o período de acompanhamento observamos as seguintes manifestações não presentes na avaliação de entrada:
-Blefarite = 6 pacientes = 12 olhos (4%)
-Calázio = 5 pacientes = 7 olhos (2,33%)
-Eritema palpebral = 1 paciente = 2 olhos (0,66%)
-Conjuntivite bacteriana = 3 pacientes = 4 olhos (1,33%)
-Ceratite puntacta = 24 pacientes = 46 olhos (15,33%)
-Leucoma traumático = 1 paciente = 1 olho (0,33%)
-Catarata = 2 pacientes = 2 olhos (0,66%) (1 cortical periférica, não cirúrgica, no paciente que teve Sarcoma de Kaposi conjuntival e 1 cirúrgica em paciente que desenvolveu retinite por CMV + descolamento de retina (DR), após a cirurgia para o DR).
-Sarcoma de Kaposi conjuntival = 1 paciente = 1 olho (0,33%) (realizada exerese + histopatológico)
-Microangiopatia pelo HIV = 11 pacientes = 14 olhos (4,66%) (3 olhos evoluíram para retinite por CMV)
-Neurite óptica (papilite) = 1 paciente = 1 olho (0,33%)
-Retinite por citomegalovirus (CMV) = 3 pacientes = 4 olhos (1,33%) (em todos os casos a retinite foi precedida por exsudatos algodonosos).
DISCUSSÃO
Chama atenção a pequena incidência de novas alterações oculares durante o período de estudo (4 anos), bem como a evolução das mesmas, uma vez que os pacientes apresentavam contagem inicial de linfócitos CD4 entre 50 e 250 células/ mm ³.
O número total de óbitos até o final do período de estudo foi de 4 pacientes e 29 pacientes foram excluídos por não aderirem adequadamente às normas propostas.
O paciente com Sarcoma de Kaposi conjuntival apresentou a lesão em conjuntiva bulbar do olho esquerdo, no primeiro mês após o início do estudo e foi submetido a remoção cirúrgica, com comprovação diagnóstica pelo exame histopatológico. Utilizou colírio de antibiótico + corticóide no pós operatório e não recebeu nenhuma outra terapia local. Apesar de desenvolver pequena opacificação do cristalino não teve recidiva da lesão em 4 anos de acompanhamento. Estava no braço inicial que recebeu zidovudina (AZT).
Um paciente desenvolveu papilite unilateral em olho esquerdo em março de 1999. Foi submetido a angiofluoresceinografia e tratado com corticóide sistêmico, com regressão total do processo. Após a suspensão da corticoterapia submeteu-se a exame de campo visual que resultou normal. Estava no braço inicial indinavir (IDV).
Microangiopatia pelo HIV foi observada no exame de entrada em 3,66% dos olhos e durante a evolução em mais 4,66 % (11 pacientes) que estavam distribuídos da seguinte forma; sete pacientes pertenciam ao braço inicial zidovudina (AZT), dois pacientes ao braço indinavir (IDV), sendo que um foi a óbito em função de uma adenovirose, um paciente ao braço indinavir (IDV) + zidovudina (AZT) e um paciente foi excluído do estudo. A maioria dos estudos a refere como a mais comum alteração ocular, podendo atingir aproximadamente 67% dos pacientes 4.
A retinite por CMV tem-se apresentado como a principal alteração oftalmológica causada por agente oportunista ocorrendo, quase na totalidade dos casos, quando os níveis de CD4 estão abaixo de 50 células/mm ³ e estudos sugerem que aproximadamente 20 a 40% de pacientes com AIDS poderão desenvolvê-la em algum momento do curso da doença 5.
A associação de 2 inibidores da transcriptase reversa ao inibidor de protease leva a um decréscimo da carga viral e aumento nos níveis de CD4 havendo inclusive relato de remissão de retinite por citomegalovirus, sem uso de terapia antiviral específica, em paciente tratado com esta associação de drogas 6, bem como remissão prolongada do quadro após suspensão do tratamento específico relacionada ao sucesso terapêutico anti-retroviral com esta terapêutica 7.
Como o parâmetro de eficácia determinado para este estudo era o aparecimento de infecções oportunistas, verificamos que, do ponto de vista oftalmológico, apenas três pacientes (1%) desenvolveram retinite por CMV.
Dois deles tiveram quadro unilateral, com cicatrização após terapia específica com ganciclovir e acuidade visual final de 0,5 em ambos. O terceiro apresentava ceratotomia radial prévia e desenvolveu quadro bilateral, que evoluiu com descolamento de retina em olho esquerdo, o qual foi operado e evoluiu com catarata, também operada, atingindo acuidade visual final de 0,3 e conta dedos, sem recidiva dos focos infecciosos até a última avaliação, sendo mantido com terapia específica com ganciclovir endovenoso.
Os três pacientes que desenvolveram retinite por CMV apresentaram previamente microangiopatia do HIV e pertenciam ao braço inicial zidovudina (ZVD), o que sugere uma tendência de redução da incidência desta patologia em indivíduos que recebem terapia com inibidor de protease.
A retinite por CMV se não tratada progride e leva impreterivelmente à perda visual 8 e as drogas virostáticas, além de tóxicas, necessitam repetição da terapia de indução em torno de 22,4 % dos pacientes, em função de recidivas, além do freqüente abandono da terapia por parte dos pacientes 9.
Acreditamos que novos estudos confirmarão a tendência de redução no número de casos de doenças oportunistas oculares, em indivíduos tratados com esta associação de drogas.
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Trabalho realizado no Instituto de Infectologia Emílio Ribas ¾ São Paulo (SP).
Trabalho apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Oftalmologia em Recife (PE) de 05 a 07 de Setembro de 1999, sob a forma de poster.
Estudo realizado graças ao suporte financeiro de Merck & Co., Inc Whitehouse Station, NJ, E.U.A..
(1) Oftalmologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
(2, 3) Infectologistas do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
Os autores declaram não possuir interesse comercial em nenhuma das drogas citadas.
Endereço para correspondência: Paulo de Tarso Dualiby - R. Marcelina, 576. São Paulo (SP) CEP 05044-010. E-mail: [email protected]
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência sobre a divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Haroldo Vieira de Moraes Jr.
* HAART- terapia anti-retroviral de alta potência.