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Editorial

Osteoma do etmóide com invasão orbitária: relato de três casos e revisão da literatura

Ethmoid sinus osteoma with orbital invasion: report of three cases and literature

Clodomir Salgueiro Cordeiro de Carvalho1; Silvana Artioli Schellini2; José Vicente Tagliarini3; Vitor Nakajima4; Maria Aparecida Domingues5

DOI: 10.1590/S0004-27492007000600027

RESUMO

São apresentados três raros casos de osteoma do etmóide, com extensão para o quadrante medial da órbita e que apresentavam algumas particularidades que os tornavam ainda mais inusitados, como terem acontecido em mulheres, em faixa etária não usual e com queixa de epífora. Os achados radiográficos foram típicos da afecção e os casos foram operados, com resolução do problema.

Descritores: Osteoma; Neoplasias dos seios paranasais; Seio etmoidal; Órbita; Doenças do aparelho lacrimal; Manifestações oculares; Procedimentos cirúrgicos otorrinolaringológicos; Feminino; Adulto; Meia-idade; Relatos de casos

ABSTRACT

We report three rare cases of ethmoid osteoma extending to the medial quadrant of the orbit that had singular particularities, such as occurring in women, at an unusual age group, and complaint of epiphora. The radiographic images were typical of this condition. Patients were submitted to surgery with complete resolution of the disease.

Keywords: Osteoma; Paranasal sinus neoplasms; Ethmoid sinus; Orbit; Lacrimal apparatus diseases; Eye manifestations; Otorhinolaryngologic surgery procedures; Female; Adult; Middle aged; Case reports


 

 

INTRODUÇÃO

Osteomas são tumores benignos raros, lesões ósseas encapsuladas de crescimento lento e ilimitado, etiologia desconhecida, podendo estar associados a traumas prévios (5 a 29%); afetam mais comumente o nariz e os seios paranasais, sendo mais comuns nos seios frontal (57%) e etmóide e acometendo mais raramente os seios esfenoidal e maxilar(1-4).

Ocorre mais no sexo masculino 2:1 - 3,75:1, com incidência variável de 0,01 a 3%(5-6), ocorrendo mais na terceira e quarta décadas de vida (média= 38,4 anos)(3), ou quinta e sexta décadas(3,5,7-10).

A dor é o sintoma mais freqüente, geralmente localizada na face (70%) ou região frontal, surgindo após 6 meses a 3 anos de crescimento tumoral.

Parece que o osteoma se desenvolve sobre a junção do osso frontal, de origem membranosa e do osso etmoidal, de origem endocondral. Entretanto, a etiologia embrionária como causa isolada dos osteomas do seio frontal é pouco provável, uma vez que a localização destes tumores na junção destes ossos é encontrada em apenas 10% a 20% dos pacientes(5).

Além da etiologia traumática e embrionária admite-se a teoria genética e infecciosa. Na teoria genética existe a possibilidade de participação de um padrão de penetrância, expressividade e dominância desconhecidos pela ocorrência de osteomas múltiplos na síndrome autossômica dominante de Gardner, na comunidade Mórmon de Utah(11-12).

A etilogia infecciosa é discutida devido a 30% dos pacientes com osteoma apresentarem infecção sinusal. Entretanto, alterações infecciosas crônicas da mucosa como causa do osteoma são altamente questionáveis, podendo ser conseqüência do osteoma e não sua causa(10-11,13).

A invasão orbitária é relativamente incomum, ocorrendo em 0,9% a 5,1% dos casos(5,7-16). Quando invadem a região da fossa lacrimal, podem simular ou evoluir com quadro de obstrução das vias lacrimais, condição que é pouco freqüente(17).

Os autores pretendem apresentar três casos de osteoma com invasão orbitária e que cursaram com epífora.

 

RELATO DOS CASOS

Caso 1

ECA, 33 anos, sexo feminino, negra, procurou este HC, com queixa de nodulação no canto medial do olho direito há 6 meses, com crescimento progressivo, associado à epífora constante. Há 2 semanas, dor a palpação da região. A paciente negava doenças sistêmicas associadas. Ao exame, acuidade visual para longe (Tabela de Snellen) sem uso de correção óptica era de 0,7 no olho direito (OD) e 1,0 no olho esquerdo (OE). A pressão ocular era de 13 mmHg no olho direito e 10 mmHg no esquerdo. O exame ectoscópico mostrava aumento da distância intercantal, com desvio do OD lateralmente, nódulo endurecido, fixo, localizado no canto nasal do OD, medindo 2 cm de diâmetro, doloroso a palpação, sem sinais flogísticos (Figura 1). Teste do desaparecimento da fluoresceína positivo à direita. Restante do exame ocular sem alterações. O exame das fossas nasais mostrava hipertrofia de cornetos inferiores.

 

 

Foi realizado exame dacriocistográfico que revelou obstrução baixa, tipo extrínseca, com saco lacrimal dilatado, de paredes lisas. Na região do saco lacrimal identificava-se lesão sólida, de densidade óssea.

O exame tomográfico mostrou a massa de cerca de 2 cm de diâmetro, de densidade óssea, heterogênea, localizada e preenchendo a região do seio etmoidal e ocupando o quadrante medial da órbita, além da fossa nasal média. A lesão também causava discreto deslocamento do olho para a posição lateral (Figuras 2A e B). Este quadro sugeria osteoma de seio etmoidal direito.

 

 

Foi realizada exérese da lesão por acesso orbitário direto, com incisão externa na região do dorso nasal, procedendo-se remoção de toda a lesão óssea usando osteótomo de Citelli modificado, envolvendo a cavidade etmoidal, a parede medial da órbita, a fossa lacrimal, o saco lacrimal e parte medial do soalho orbitário. Após a remoção da lesão, foi reinserido o ligamento cantal medial ao periósteo usando fio inabsorvível 4-0 (Prolene®, Ethicon). A via lacrimal foi refeita por entubação bicanalicular, usando fio de silicone 0,18 mm, que permaneceu na via lacrimal por 60 dias. O exame histológico da lesão removida mostrou se tratar de osteoma osteóide (Figura 3).

 

 

A paciente evoluiu bem, estando 2 anos após a cirurgia, assintomática.

Caso 2

DZS, 62 anos, sexo feminino, branca, apresentando queixa de epífora, associada à obstrução nasal bilateral há 20 anos, acompanhada de rinorréia freqüente, espirros, prurido nasal e ocular intenso e cefaléia frontal em peso. Exame oftalmológico normal, pressão intra-ocular 10 mmHg, em ambos os olhos. Paciente era hipertensa e apresentava fossas nasais amplas, secreção hialina e desvio de septo nasal.

A tomografia de órbita mostrava imagem com densidade óssea, contornos regulares, localizada no interior do seio etmoidal direito, e se estendendo até o corneto nasal médio direito, compatível com Osteoma de seio etmoidal direito (Figuras 4A e B). A paciente foi submetida a etmoidectomia por via endoscópica, com remoção completa da lesão, sem lesar a via lacrimal. Apresentou melhora importante dos sintomas 1 mês após a cirurgia. O exame histológico confirmou se tratar de um osteoma osteóide. (Figura 5).

 

 

 

 

Caso 3

AJP, 49 anos, sexo feminino, branca, com queixa de epífora, hiperemia ocular e aparecimento de nódulo no canto interno do OE há 3 anos, indolor. Como antecedentes apresentava hipertensão arterial e sinusopatia crônica.

O exame ocular era normal. À ectoscopia havia nódulo móvel, indolor, consistência fibroelástica, no canto nasal do OE. Expressão sobre o saco lacrimal provocava a saída de secreção esbranquiçada. A dacriocistografia mostrou lesão no canto interno do OE, dilatação e obstrução baixa da via lacrimal (Figura 6). Portanto, havia uma dilatação do saco lacrimal, provavelmente secundária à lesão que foi evidenciada na tomografia, sendo também observada a lesão de densidade óssea, localizada no seio etmoidal e invadindo cavidade nasal, compatível com osteoma do etmóide (Figura 7A e B).

 

 

 

 

A paciente foi submetida à exérese da lesão por via endoscópica endonasal (sinusectomia etmoidal). Durante o procedimento cirúrgico foi feito exploração da via lacrimal excretora que se mostrou sem lesão e pérvia. Houve boa evolução pós-operatória e remissão dos sintomas oculares. O anatomopatológico confirmou se tratar de osteoma do etmóide (Figura 8).

 

 

DISCUSSÃO

Os casos apresentados possuem algumas particularidades: os três casos relatados são do sexo feminino, sendo que na literatura há incidência maior em homens(5,7-9), provavelmente pelo fato do sexo masculino estar mais exposto a traumas e pelo maior tamanho dos seios da face(17).

Com relação à idade, nossas pacientes apresentavam idade dentro da faixa de aparecimento que consta da literatura (33, 49 e 62 anos na época do diagnóstico). A segunda paciente já apresentava os sintomas há 20 anos. É possível que o tumor permaneça assintomático por tempo variável.

O osteoma não tem predileção por raça, o que se confirma com os casos aqui apresentados, já que uma de nossas pacientes era negra e as outras duas, de cor de pele branca.

O seio paranasal mais acometido por este tipo de tumor é o seio frontal (57% dos tumores), seguindo-se do seio etmoidal (16,9%), seio maxilar (6,3%) e esfenóide (4,9%) 9. Nossos três casos apresentavam osteoma com origem no seio etmoidal.

A queixa de cefaléia é a mais freqüente, podendo-se ter ainda deformidade facial, rinorréia (presente no caso 2), anosmia, sinusite e diminuição da capacidade de concentração(15,17). Os sintomas oculares apresentados podem ser: proptose, estrabismo, diplopia, dobras da coróide, edema de disco, atrofia óptica.

A queixa de epífora apresentada pelas pacientes aqui relatadas costuma estar presente em mulheres de idade semelhante com as de nossas pacientes. Em geral essa queixa leva o oftalmologista a suspeitar de obstrução de vias lacrimais excretoras. Também a localização da massa levava a essa mesma suspeita. Porém, chamava a atenção a consistência endurecida da massa à palpação, uma vez que as lesões císticas que se estabelecem secundariamente à obstrução das vias lacrimais e que correspondem ao saco lacrimal dilatado e repleto de conteúdo líquido, em geral, possuem consistência elástica, com saída de secreção muco-purulenta ou purulenta pelo ponto lacrimal à expressão. O interessante que a paciente 3 apresentava saída de secreção a expressão, por possível estase devido a compressão extrínseca, o que aumenta a dificuldade no diagnóstico diferencial.

A possibilidade de se ter massa palpável na região do canto medial da órbita vai depender de localização do tumor, pois quando a mesma se encontra em posição mais profunda na órbita, como no caso 2, não há como se detectar a massa somente pela palpação.

Outro sintoma bastante comum com o deslocamento do bulbo ocular é a diplopia. Porém, apesar do deslocamento do olho pela massa tumoral na paciente 1, não havia queixa de diplopia nem de perda visual, somente referência a diminuição leve a moderada da acuidade visual. Essas perdas visuais costumam estar asssociadas ao acometimento ou compressão do nervo óptico(18).

Por se tratar de lesão benigna, o crescimento, em geral, é lento e com aparecimento de sintoma tardio, exceto quando originado do seio etmoidal, pode ocorrer aparecimento rápido do sintoma, provavelmente devido às pequenas dimensões do seio etmoidal.

O diagnóstico por imagem é obtido pela radiografia simples. A avaliação por tomografia computadorizada de seios paranasais com janela óssea e reconstrução tridimensional é útil no planejamento cirúrgico, com a identificação do óstio nasofrontal, permitindo avaliar a localização, local de implantação e a expansão da lesão, seu volume e eventuais lesões associadas(7).

Mapeamento ósseo por rádio-fármacos pode ser empregado podendo demonstrar aumento do metabolismo. A captação do osteoma demonstra grande potencial de crescimento, sendo por si só, indicativo de cirurgia. Teste negativo, traduz osteoma inerte, com possibilidade de seguimento clínico(3).

Quanto ao tratamento, deve ser conservador nos casos assintomáticos(19). Entretanto, se existir obstrução lacrimal, compressão do nervo óptico, cefaléia constante, rinorréia, sinusite recorrente, sintomas neurológicos, extensão para estruturas vizinhas ou alterações estéticas, justifica-se o tratamento cirúrgico(17-18). Nos casos 1 e 3 havia dacrioestenose secundária ao crescimento da massa tumoral e no caso 2 havia proximidade importante com o canal óptico, sendo descritos casos de perda visual por este tipo de tumor quando há comprometimento do nervo óptico(17).

As pacientes apresentavam tumor localizado no seio etmoidal e interferência na drenagem lacrimal, o que pode também ocorrer nos osteomas do seio maxilar, que é também uma rara localização. Na literatura há apenas 7 casos que relacionam a obstrução da drenagem lacrimal com a presença de osteoma de seio paranasal, 3 deles no seio etmoidal(17-19).

Se o tumor é localizado na órbita anterior, podem ser removidos por acesso anterior. Quando se encontram mais posteriormente, sugerem-se outros acessos, dependendo da localização do tumor(17-20). Desta forma, o caso 1 teve abordagem externa, com incisão feita na região do dorso nasal até a porção inferior da órbita e que ficou esteticamente bastante satisfatório e, nos casos 2 e 3, foi optado pela cirurgia endoscópica endonasal, pela localização mais posterior do tumor. O uso de instrumentos endoscópicos oferece uma abordagem alternativa permitindo boa visibilização, além de evitar lesão de estruturas vizinhas e incisões cutâneas(18-20). Sob a visão endoscópica foi removida a lesão com o auxilio de um " drill" , preservando as estruturas da órbita e via lacrimal. Este tipo de abordagem deve ser feita por profissional que está familiarizado com cirurgias endoscópicas.

Nos nossos três casos, houve sucesso com o tratamento. Apesar do pequeno tempo de seguimento (de 1 a 3 anos), não foi observado sinal de recidiva em nenhuma das pacientes.

 

CONCLUSÃO

Os autores apresentam três casos de osteoma do etmóide, tumor benigno pouco comum, que cursaram com obstrução das vias lacrimais e que foram submetidos a tratamento cirúrgico devido ao fato de todos se apresentarem sintomáticos.

Ressalta-se que todos os casos ocorreram em mulheres, o que também não é usual.

 

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Endereço para correspondência:
Silvana Artioli Schellini
Depto de Oftalmologia/Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Botucatu (SP) CEP 18618-000
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 26.10.2006
Última versão recebida em 12.07.2007
Aprovação em 24.08.2007

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista " Julio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP) - Brasil.


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