Adriana Berezovsky1; Nívea Nunes Cavascan2; Solange Rios Salomão3
DOI: 10.1590/S0004-27492007000600022
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a discriminação de cores em profissionais da área técnica de empresa de material fotográfico. MÉTODOS: Foram incluídos 47 profissionais (37 homens) com idades variando de 18 a 41 anos (média 27,2 ± 5,6 anos), alocados em área técnica especializada em calibração e assistência de máquinas de revelação de fotos em 1 hora. O tempo de trabalho nesta atividade variou de 1 mês a 18 anos. O grupo controle constituiu de 22 voluntários (5 homens) com idades variando de 18 a 55 anos (Média 25,0 ± 10,6 anos). A discriminação de cores foi avaliada com o teste Farnsworth-Munsell 100-Hue. Os critérios de inclusão para os dois grupos foram: acuidade visual com a melhor correção óptica e > 0,1 logMAR, fundo de olho normal, ausência de doenças hereditárias, sintomas visuais ou cirurgia ocular prévia. RESULTADOS: Vinte e quatro (51%) profissionais do laboratório fotográfico apresentaram discriminação superior, comparados a 18% dos voluntários. Vinte (42%) apresentaram discriminação de cores dentro da média e 3 (7%) apresentaram discriminação inferior. O índice de erros foi estatisticamente menor no grupo de profissionais quando comparado ao grupo controle (T=968.000, P=0,011). Não houve correlação entre o tempo de atividade na profissão e os resultados da discriminação de cores. CONCLUSÕES: Os profissionais da área técnica da empresa fotográfica mostraram discriminação de cores superior à do grupo controle.
Descritores: Percepção de cores; Testes de percepção de cores; Defeitos da visão cromática
ABSTRACT
PURPOSE: The objective of this study was to evaluate chromatic discrimination in employees of a photographic laboratory. METHODS: A total of 47 professional employees of the technical area devoted to calibration and technical assistance for one-hour photo machines (37 men), aged 18 to 41 years (mean of 27.2 ± 5.6 years). The period working in this function ranged from one month to 18 years. Twenty-two normal volunteers (5 men) aged 18-55 years (mean of 25.0 ± 10.6 years) were tested as a control group. Color discrimination was evaluated by the Farnsworth-Munsell 100-Hue test. The inclusion criteria were visual acuity > 0.1 logMAR, normal fundus, absence of hereditary eye disease, absence of visual symptoms or ocular surgery. RESULTS: Twenty-four people (51%) of the professional group presented superior color discrimination when compared to 18% of the control group. Twenty people (42%) presented average discrimination and 3 (7%) presented inferior discrimination. Color vision discrimination was statistically better in professionals when compared to controls (T=968.000, P=0.011). There was no correlation between the period working in the function and color discrimination. CONCLUSIONS: Technical professionals working in a photographic laboratory showed better color discrimination than controls.
Keywords: Color perception; Color perception tests; Color vision defects
INTRODUÇÃO
A visão de cores é uma função complexa do sistema visual. Quando prejudicada pode revelar precocemente pequenos distúrbios no sistema de sensibilidade espectral dos fotorreceptores(1-2).
A avaliação da visão de cores pode envolver várias propostas como: diagnosticar o tipo e a gravidade de defeitos congênitos ou adquiridos; controlar e verificar eficácia de tratamentos medicamentosos; auxiliar na orientação vocacional e na seleção profissional(3-4). Também se mostra útil na avaliação da toxicidade retiniana em pacientes tratados com difosfato de cloroquina e hidroxi-cloroquina para artrite reumatóide, lúpus eritrematoso ou malária, que pode acometer a visão de cores(5). Além disso, pode ser de utilidade na detecção de danos ocupacionais à visão de cores em trabalhadores expostos a neurotóxicos químicos (solventes orgânicos e metais)(6-10).
Na indústria, tem sido de grande valia, aplicar testes de cores em profissionais que atuam em laboratórios de produção de tintas e corantes(11), materiais têxteis e fotográficos, já que tais ocupações exigem uma discriminação cromática apurada(12), representativa da maioria da população consumidora(13). A exclusão de defeitos na visão de cores torna-se imprescindível(13) para a organização e otimização das tarefas de trabalho.
O sistema Munsell foi desenvolvido no ano de 1905, pelo artista e educador, Albert Henry Munsell (1858-1918), como um sistema de ordenamento de cores. Suas especificações tem sido utilizadas na aplicação de testes psicofísicos para avaliação de deficiências na visão de cores(1).
O teste Farnsworth-Munsell 100-Hue (FM 100) foi originalmente elaborado para avaliar anormalidades congênitas, mas atualmente é um dos testes mais utilizados para defeitos adquiridos, no controle de doenças de retina e nervo óptico(12,14). O teste compreende um método simples para avaliar e classificar a discriminação cromática (superior, inferior ou dentro da média), que fornece o eixo de confusão nos indivíduos com alteração na visão de cores(3).
O objetivo deste estudo foi avaliar a discriminação de cores em um grupo de profissionais da área técnica de empresa de material fotográfico.
MÉTODOS
Participantes
Este protocolo de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (CEP 0610/06). A discriminação de cores foi avaliada em 69 indivíduos divididos em dois grupos: grupo de 47 profissionais de empresa de material fotográfico alocados em área técnica especializada em calibração e manutenção de máquinas de revelação de fotos em 1 hora e grupo controle incluindo 22 voluntários normais com outras atividades profissionais e que não trabalhavam em empresa de material fotográfico. Os critérios de inclusão para os dois grupos foram: acuidade visual com a melhor correção óptica > 0.1 logMAR (medida para longe, a 4 metros, pela tabela ETDRS), fundo de olho normal, ausência de doenças hereditárias, ausência de sintomas visuais ou de cirurgia ocular prévia.
Procedimento
Teste de 100 Matizes de Farsworth-Munsell
A discriminação cromática foi avaliada pelo FM 100, após a medida da acuidade visual com a melhor correção óptica. O procedimento foi realizado em sala escurecida em uma mesa iluminada apenas por uma lâmpada fluorescente fria(5) (Sylvania Octron 6.500 K FO32W/65K) cuja emissão espectral se assemelha à luz solar (luz dia)(3), com nível de luminosidade constante de 500 lux, posicionada perpendicularmente(3) a um metro da mesa(1). O sujeito foi instruído a ordenar 85 pastilhas(2-4,11-13,15) de 12 mm de diâmetro(2,12,15), posicionadas a uma distância de 50 cm(1). O tempo de exame foi registrado para cada uma de 4 séries de pastilhas.
As pastilhas são agrupadas em 4 caixas distintas(2-4,11-13,15): a 1ª com as pastilhas de número 85 a 22, correspondendo a matizes de rosa a amarelo; a 2ª de 21 a 43 com matizes de amarelo a verde; a 3ª de 42 a 64 com matizes de verde a azul; e a 4ª de 63 a 85 com matizes de azul a rosa(2,4,12,15). A tarefa de ordenamento dos matizes é realizada a partir de duas peças fixas como referência da seqüência e 21 livres ao acaso para o manuseio(2-4,11,15). A ordenação deve ocorrer com base nas diferenças de matiz entre as peças(3,11-13,15), já que possuem mesmo brilho e saturação(1-2,4). O verso das pastilhas é numerado para que o examinador possa determinar a pontuação do indivíduo(2-3,11,15).
Ao final de cada série, o examinador registrou os dados em um programa de computador que acompanha o teste (FM test - Gretag Macbeth)(15-16). Este aplicativo gera um gráfico polar acompanhado do cálculo de erros cometidos, subtraindo-se dois da soma das diferenças entre o valor numérico de cada pastilha e suas adjacentes. Portanto a seqüência perfeita, ou seja, uma discriminação de cores perfeita resulta em um erro total igual a zero(2-4,11-12,15).
A classificação dos participantes foi baseada no total de erros apresentados, seguindo a classificação da Visão de Cores Farnsworth-Munsell(3,11,15), portanto:
Discriminação superior: erro total de 0 a 16
Discriminação média: erro total de 17 a 100
Discriminação inferior: erro total >100
Método estatístico
A análise para comparação estatística do total de erros obtidos pelos sujeitos dos dois grupos foi realizada utilizando o teste-t de Student. A correlação de Pearson foi utilizada para verificar a possível influência do tempo de atividade profissional técnica na discriminação de cores. Em todas as análises, o parâmetro de significância considerado foi de p<0,05.
RESULTADOS
Participaram do estudo 10 mulheres e 37 homens (idades de 18 a 41 anos; média 27,2 ± 5,6 anos; mediana 26,5 anos) profissionais de empresa de material fotográfico alocados em área técnica especializada em calibração e manutenção de máquinas de revelação de fotos em 1 hora. O tempo de atividade na profissão variou de 1 mês a 18 anos (média 4,3 ± 4,6 anos; mediana 2 anos). Fizeram parte do grupo controle 17 mulheres e 5 homens (idades de 18 a 55 anos; média 25,0 ± 10,6 anos; mediana 20,5 anos).
As figuras 1 e 2 mostram a discriminação cromática dos profissionais do laboratório fotográfico e dos voluntários de acordo com a classificação da Visão de Cores Farnsworth-Munsell e o total de erros, respectivamente. Vinte e quatro (51%) profissionais apresentaram discriminação cromática superior (20 homens) com índice de erros variando de 0 a 16 (média= 7 ± 5,5 erros; mediana= 8 erros), 20 (42%) profissionais apresentaram discriminação dentro da média (14 homens) com índice de erros variando de 20 a 92 (média= 41,8 ± 19,3 erros; mediana= 36 erros) e 3 (7%) profissionais apresentaram discriminação inferior (todos homens) com índice de erros variando de 104 a 240 (média= 157,3 ± 72,5 erros; mediana= 128 erros). Quatro (18%) dos voluntários normais apresentaram discriminação cromática superior (3 homens) com índice de erros variando de 8 a 12 (média= 11 ± 2 erros; mediana= 12 erros) e 18 (82%) apresentaram discriminação dentro da média (2 homens) com índice de erros variando de 20 a 100 (média= 53,7 ± 29,3 erros; mediana= 54 erros). No grupo de profissionais, a média do total de erros foi de 31,4 ± 42,3 erros com mediana equivalente a 16 erros. No grupo controle, a média do total de erros foi de 46 ± 31,3 com mediana equivalente a 32 erros. O índice de erros foi estatisticamente menor no grupo de profissionais quando comparado ao grupo controle normal (T=968.000, p=0,011).
Os valores individuais do total de erros apresentados na avaliação da discriminação de cores para ambos os grupos são mostrados na figura 3. A correlação de Pearson revelou que não houve correlação entre o tempo de atividade na profissão e o total de erros na discriminação de cores dos profissionais (r=0,16, p=0,298).
A figura 4 mostra gráficos polares do FM 100 representativos de discriminação de cores superior, média e inferior de profissionais do laboratório fotográfico e de voluntários normais.
DISCUSSÃO
O presente estudo mostrou que os profissionais da área técnica de empresa de material fotográfico tiveram melhor desempenho no teste de discriminação cromática quando comparados aos voluntários do grupo controle. Não houve correlação entre o tempo de atividade na profissão e o total de erros apresentados pelos profissionais.
O FM 100 detectou discriminação cromática inferior, supostamente até então desconhecida, em três profissionais do sexo masculino que trabalhavam diretamente com a qualidade e precisão da revelação fotográfica. Como a habilidade de discriminar cores para esses sujeitos era fator imprescindível no âmbito profissional, os mesmos foram re-alocados dentro da empresa. Estes resultados vão de acordo com a literatura, que relata uma maior prevalência de discromatopsia congênita na população masculina(18).
Estudos mostram que o FM 100 é um método prático e eficaz na avaliação da visão de cores de profissionais envolvidos na indústria de tintas e corantes, pedras preciosas e materiais têxteis e fotográficos(3-4,11-13).
Outros estudos relacionados à atividade ocupacional e discriminação de cores mostram a importância deste tipo de avaliação em distintos grupos profissionais. Por exemplo, a interpretação de cortes histológicos depende da habilidade dos patologistas em discriminar corretamente as cores. Um estudo envolvendo a discriminação cromática de patologistas relatou que 30% da amostra apresentou melhor desempenho na realização do FM 100 quando comparados a 16% da população padrão de referência(11).
Danos ocupacionais à visão de cores de trabalhadores expostos a neurotóxicos químicos (solventes orgânicos e metais) foram descritos em diversos estudos, que mostraram a necessidade de avaliação periódica da discriminação cromática nesses profissionais. A perda foi progressiva proporcional ao nível de exposição e de reversibilidade duvidosa(7-10).
A perda da discriminação de cores pelo FM 100 e da sensibilidade ao contraste também foi descrita em um grupo de sujeitos adultos expostos a altos níveis de mercúrio metálico ou componentes organomercuriais, que acarreta grave comprometimento do sistema nervoso central e atinge principalmente o cerebelo e o córtex visual(6).
A perda da reconstrução do espaço de cores avaliada em estudo com pacientes com discromatopsia adquirida por intoxicação por vapor de mercúrio, mesmo com mais de um ano de afastamento da fonte de intoxicação, sugeriu a não reversibilidade do dano à visão de cores(1).
Os resultados apresentados sugerem que a avaliação da visão de cores pode auxiliar na seleção de profissionais(3-4) para ocupações que exigem uma discriminação cromática apurada(12-13), contribuindo para melhor organização e otimização das tarefas de trabalho.
CONCLUSÕES
Cinqüenta e um por cento dos profissionais da área técnica da empresa fotográfica apresentaram discriminação de cores superior. Os resultados demonstraram diferença estatisticamente significante quando comparados aos do grupo controle.
REFERÊNCIAS
1. Feitosa-Santana C, Oiwa NN, Paramei GV, Bimler D, Costa MF, Lago M, et al. Color space distortions in patients with type 2 diabetes mellitus. Vis Neurosci. 2006;23(3-4):663-8.
2. Kinnear PR. Proposals for scoring and assessing the 100-Hue test. Vision Res. 1970;10(5):423-33.
3. Farnsworth D. The Farnsworth-Munsel 100-Hue Test for the examination of Colour Discrimination Macbeth, Division of Kollmorgen Instruments Corp., New York; 1957.
4. Dain SJ. Clinical colour vision tests. Clin Exp Optom. 2004;87(4-5):276-93.
5. Ventura DR, Silveira LCL, Nishi M, Costa MF, Gualtieri M, Santos RMA, et al. Color vision loss in patients treated with chloroquine. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(Supl 5):9-15.
6. Silveira LCL, Ventura DF. Toxicidade mercurial: avaliação do sistema visual em indivíduos expostos a níveis tóxicos de mercúrio. Ciênc Cult (São Paulo). 2004;56(1):36-7.
7. Gobba F, Cavalleri A. Color vision impairment in workers exposed to neurotoxic chemicals. Neurotoxicology. 2003;24(4-5):693-702.
8. Issever H, Malat G, Sabuncu HH, Yuksel N. Impairment of colour vision in patients with n-hexane exposure-dependent toxic polyneuropathy. Occup Med (Lond). 2002;52(4):183-6.
9. Semple S, Dick F, Osborne A, Cherrie JW, Soutar A, Seaton A, Haites N. Impairment of colour vision in workers exposed to organic solvents. Occup Environ Med. 2000;57(9):582-7.
10. Dick F, Semple S, Soutar A, Osborne A, Cherrie JW, Seaton A. Is colour vision impairment associated with cognitive impairment in solvent exposed workers? Occup Environ Med. 2004;61(1):76-8.
11. Rigby HS, Warren BF, Diamond J, Carter C, Bradfield JW. Colour perception in pathologists: the Farnsworth-Munsell 100-hue test. J Clin Pathol. 1991;44(9):745-8.
12. Mantyjarvi M. Normal test scores in the Farnsworth-Munsell 100 hue test. Doc Ophthalmol. 2001;102(1):73-80.
13. Aarnisalo E. Testing of colour vision for vocational purposes. Acta Ophthalmol Suppl. 1984;161:135-8.
14. Hidajat RR, Hidayat JR, McLay JL, Elder MJ, Goode DH, Pointon RC. A fast system for reporting the Farnsworth-Munsell 100-hue colour vision test. Doc Ophthalmol. 2004;109(2):109-14.
15. Kjaer PK, Salomão SR, Belfort Júnior R, Colella ALD. Validação clínica de teste psicofísico computadorizado para avaliação de visão de cores e sensibilidade ao contraste. Arq Bras Oftalmol. 2000;63(3):185-95.
16. FM test. Quick Guide to Operation Munsell Color, GretagMacbeth. New Windsor (NY); 1997.
17. Tukey JW. Exploratory data analysis. Reading, Mass: Addison-Wesley; 1977. [Série: Addison-Wesley series in behavioral science: quantitative methods].
18. Bruni LF, Cruz AAV. Sentido cromático: tipos de defeitos e testes de avaliação clínica. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(5):766-75.
Endereço para correspondência:
Adriana Berezovsky
Departamento de Oftalmologia - Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Rua Botucatu, 822
São Paulo (SP) CEP 04023-062
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 14.09.2006
Última versão recebida em 17.07.2007
Aprovação em 18.07.2007
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Maria Teresa Brizzi Chizzotti Bonanomi sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP) - Brasil.