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Editorial

Implante de Schocket modificado em glaucomas refratários: resultados a longo prazo

Modified Schocket implant for refractory glaucoma: long-term results

João Antonio Prata Jr1; Antonio Eduardo Pereira2; Carlos Akira Omi3

DOI: 10.1590/S0004-27492000000600002

RESUMO

Objetivo:Analisar os resultados a longo prazo obtidos com o implante de Schocket modificado. Métodos: Os prontuários de 45 pacientes (45 cirurgias) submetidas ao implante de Schocket modificado com pelo menos um ano de acompanhamento foram analisados. Estudou-se as taxas de sucesso (sucesso=Po<22 mmHg), tempo de sobrevida, diagnóstico, acompanhamento pós-operatório, Po inicial e final, redução percentual pós-operatória da pressão intra-ocular (Po) e complicações. Resultados: Após um acompanhamento médio de 31,9 ± 19,9 meses 28 casos (62,2%) foram considerados sucesso. O tempo médio de sobrevida foi de 38,9 meses com probabilidade de sucesso de 0,74 por volta dos 30 meses. A Po inicial foi de 37,2 ± 11,3 e a final de 16,3 ± 9,3 mmHg, com redução de 49,6 ± 32,6 %. A análise das taxas de sucesso e sobrevida entre os diferentes grupos diagnósticos (glaucoma e afacia, neovascular, congênito e pós-ceratoplastia) não revelou diferença estatisticamente significante. Conclusão: Os resultados sugerem que o implante de Schocket modificado propicia um controle satisfatório de glaucomas refratários a longo prazo.

Descritores: Glaucoma; Implantes oculares

ABSTRACT

Purpose: To analyze long-term results of modified Schocket implant. Methods: The records of 45 patients (45 surgeries) with at least one year follow-up who received a modified Schocket implant were analyzed. Comparisons were made regarding success rates (final IOP< 22 mmHg), survival time, diag- nosis, initial and final IOP, percentual postoperative intraocular pressure (IOP) reduction and complications. Results: After a mean follow-up of 31.9 ± 19.9 months 28 cases (62.2%) were considered successful. Mean survival time was 38.9 months and success probability around 30 months 0.74. Initial IOP was 37.2 ± 11.3 mmHg and final IOP was 16.3 ± 9.3 mmHg and postoperative IOP reduction was 49.6 ± 32.6%. Survival analysis in the different diagnosis groups (neovascular, congenital, aphakic, postkeratoplasty) did not reveal statistical significance. Conclusion: The results suggest that the modified Schocket implant provides satisfactory long-term control of refrac- tory glaucomas.

Keywords: Glaucoma; Drainage devices

INTRODUÇÃO

A literatura dos últimos anos tem salientado a significativa eficácia dos implantes para glaucoma no controle da pressão intra-ocular (Po) de glaucomas rebeldes às formas convencionais de tratamento cirúrgico 1-3 . Esses dispositivos foram incorporados à rotina cirúrgica do especialista em glaucoma e têm permitido a solução de casos que anteriormente evoluiam de forma desfavorável.

Atualmente são disponíveis diversos tipos de implantes para glaucoma, sendo que com praticamente todos os modelos, estudos referem resultados satisfatórios 1-6. Basicamente, as principais diferenças entres os vários tipos de implantes residem na forma e dimensões da região de drenagem do dispositivo e na presença ou não de restrictor de fluxo 7, 8.

O custo da maioria dos implantes para glaucoma disponíveis no mercado internacional é muitas vezes incompatível com os recursos financeiros existentes, acarretando a adoção de técnicas mais adequadas a realidade da população 7. Por essa dentre outras razões, o implante de Schocket modificado vem sendo utilizado há alguns anos e diversos estudos ressaltam a sua eficácia 4, 6, 9, 10. É facilmente acessível, tendo em vista que é confeccionado pelo próprio cirurgião momentos antes do procedimento, utilizando materiais facilmente disponíveis e a baixo custo 4, 6, 9, 10.

Em publicação anterior, um dos autores Omi et al.10 apresentou os resultados observados com o implante de Schocket modificado em glaucomas refratários após um acompanhamento pós-operatório médio de 10,3 meses. O objetivo do presente estudo é apresentar os resultados a longo prazo obtidos com o implante de Schocket modificado.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Foram revisados todos os prontuários de pacientes submetidos à cirurgia com o implante de Schocket modificado para o controle da Po no Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina. Foram incluídos somente os casos em que o tempo de acompanhamento pós-operatório foi igual ou superior a um ano. Casos com complicações intra-operatórias foram excluídos e quando de cirurgia bilateral, somente o primeiro olho operado foi incluído.

Das informações disponíveis nos prontuários, foram anotados os dados demográficos, diagnóstico, tipo de cirurgias prévias, cirurgias concomitantes, Po pré e pós-operatórias, presença de complicações e uso de medicações tópicas ou sistêmicas. Considerou-se como exame pré-operatório, o obtido no dia da indicação cirúrgica.

A técnica cirúrgica empregada foi a mesma em todos os casos e basicamente consistiu de incisão conjuntival de base límbica a 8 mm do limbo em um quadrante do globo ocular (geralmente o temporal superior) onde procedeu-se a divulsão do espaço subconjuntival, identificação e isolamento dos músculos extra-oculares adjacentes. O implante de Schocket modificado foi fixado à esclera a pelo menos 10 mm do limbo sob dois músculos retos, com o uso de dois pontos de fio inabsorvível. A porção anterior do tubo foi cortada a fim de que o tubo dentro da câmara anterior permanecesse a uma distância eqüidistante entre a raiz da íris e o bordo pupilar. A introdução do tubo na câmara anterior foi procedida através da confecção de um túnel límbico com o auxílio de agulha calibre 23. O trajeto do tubo foi recoberto com um enxerto de esclera conservada. A síntese conjuntival foi realizada com o uso de ponto contínuo com fio absorvível. A fim de prevenir a ocorrência de hipotensão pós-operatória precoce, em todos os casos o tubo foi totalmente ocluído com fio absorvível posicionado próximo da porção posterior do implante. A preparação do implante de Schocket foi realizada conforme anteriormente publicado 10.

Pós-operatoriamente, todos os casos receberam colírios de corticosteróide, antibiótico e cicloplégico e a medicação antiglaucomatosa foi mantida até a absorção da ligadura do tubo (2-3 semanas).

Além dos dados demográficos foram comparados no pré-operatório a freqüência de tipos diagnósticos, tipo de cirurgias prévias e nível da Po. No pós-operatório foram comparados os valores da Po final (Po na última visita), bem como a redução percentual da Po pós-operatória em relação à inicial. Considerou-se como sucesso cirúrgico a Po final abaixo de 22mmHg, sem a ocorrência de complicações devastadoras (phythisis bulbar, descolamento de retina). O sucesso cirúrgico foi avaliado através de tabela de vida pelo teste de Kaplan-Meier. Foram analisadas também as freqüências de sucesso e de complicações pós-operatórias. As variáveis acima foram comparadas entre grupos de diagnóstico compostos por mais de 5 casos.

 

RESULTADOS

Foram analisadas 45 cirurgias (45 pacientes). A tabela I apresenta os dados demográficos e distribuição quanto ao diagnóstico. O implante de Schocket modificado foi realizado como primeiro procedimento cirúrgico antiglaucomatoso em 17 casos (37,8%). Em 19 pacientes havia sido realizada pelo menos uma trabeculectomia (42,2%). Cinco (11,1%) haviam sido submetidos a uma cirurgia prévia com tubo de drenagem, três (6,7%) à trabeculectomia e posterior tubo de drenagem e 1 à goniotomia (Tab. I). Cirurgias concomitantes foram realizadas em 19 casos (42,2%). Nove (20%) foram tratados com pan-crioablação de retina periférica (glaucomas neovasculares) e 10 (22,2%) com vitrectomia via pars-plana.

 

 

O tempo médio de acompanhamento pós-operatório foi de 31,9 ± 19,9 meses (12,1-103 meses) (Tab. II). 9 casos foram observados por um período entre 12 a 17 meses, 9 entre 18 e 23 meses, 12 entre 24 e 35 meses e 15 por um tempo igual ou superior a 36 meses (9 acima de 48 meses).

 

 

Na última visita, 28 casos (62,2%) foram considerados sucesso, 11 sem o uso de antiglaucomatosos e 17 com medicação hipotensora. Dezessete cirurgias (37,7%) foram consideradas insucesso, 12 devido a Po acima de 22 mmHg, 3 devido a ocorrência de phytisis bulbar (todos glaucoma neovascular) e dois por descolamento de retina (pós-ceratoplastia) (Tab. II). Os valores médios da Po inicial, final e da redução percentual média da Po em relação à inicial encontram-se na tabela II. O tempo médio de sobrevida foi de 38,9 meses com uma probabilidade de sucesso de 0,74 por volta dos 30 meses de pós-operatório e de 0,5 aos 46,4 meses (Graf. 1).

 

 

A tabela III apresenta as freqüências de casos considerados sucesso por grupo diagnóstico, tempo de acompanhamento pós-operatório, bem como, a Po inicial, final e redução percentual média em relação à Po inicial e o tempo de sobrevida da cirurgia. Não foram observadas diferenças estatísticas quanto à duração do período de acompanhamento pós-operatório entre os grupos diagnósticos, como também para as taxas de sucesso. A análise da probabilidade de sobrevida pelo teste de Kaplan-Meier não demonstrou diferenças estatísticas entre os grupos diagnósticos (p=0,8 ¾ log-rank) (Graf. 2).

 

 

A comparação da Po inicial entre os diferentes tipos de diagnóstico pela análise de variância mostrou significância estatística (p = 0,004). Observou-se que a Po dos casos de glaucoma neovascular foi estatisticamente superior à dos demais. Para a Po final, a mesma análise revelou que as diferenças foram estatisticamente significantes (p = 0,006), sendo que os casos de glaucoma neovascular apresentaram Po inferior que os de glaucoma congênito e associado à afacia. A comparação da redução percentual da Po em relação à inicial entre os grupos diagnósticos pela análise de variância mostrou diferenças estatisticamente significantes (p = 0,002), sendo que a maior redução percentual ocorreu em glaucomas neovasculares.

As complicações pós-operatórias observadas encontram-se expostas na tabela IV, sendo a ocorrência principal o toque endotelial da porção intra-ocular do tubo (20%).

 

DISCUSSÃO

Nesta série, o implante de Schocket modificado proporcionou o controle da Po em 62,2% após um acompanhamento pós-operatório médio de quase três anos. Observou-se uma probabilidade de sucesso de 0,5 após praticamente quatro anos de pós-operatório, período este quase coincidente com o tempo de sobrevida médio (38,9 meses) obtidos pela análise de Kaplan-Meier. Julgando-se os vários fatores de risco para o insucesso cirúrgico, estas taxas podem ser consideradas bastante satisfatórias e inclusive, mostram-se mais favoráveis do que as descritas em outras séries na literatura com acompanhamento pós-operatório equivalente com o uso do implante de Molteno 1,6.

Entretanto, a taxa de sucesso descrita neste estudo contrasta com a referida em estudo anteriormente publicado por Omi et al10 que analisaram 55 casos tratados com o implante de Schocket modificado. Naquele estudo observou-se que 90,9% dos casos apresentaram Po igual ou inferior a 21mmHg após um acompanhamento médio de 10,3 ± 5,4 meses. Esta diferença pode ser explicada pelo fato de que nesta série os casos foram acompanhados por um período significativamente maior, o que influencia diretamente no sucesso do procedimento como tem sido descrito na literatura 1-3.

Nas diversas modalidades de glaucoma em que o implante de Schocket modificado foi empregado, a comparação dos resultados descritos anteriormente por Omi et al.10 com os do presente estudo evidenciam algumas diferenças. Principalmente para os casos de glaucomas associado à afacia e congênito observou-se uma deteriorização significativa do resultado cirúrgico. Por outro lado, as taxas de sucesso descritas nesta série em glaucoma neovascular são mais satisfatórias. Provavelmente isto deveu-se a que nesta série somente foram incluídos casos com acompanhamento pós-operatório igual ou superior a um ano, tendo em vista cumprir o objetivo de analisar os resultados da técnica a longo prazo. Como casos de glaucoma neovascular geralmente mostram-se bastante refratários, o critério de seleção pode ter excluído vários casos em que o insucesso ocorreu precocemente.

Os resultados do presente estudo indicam que o implante de Schocket modificado propicia o controle de glaucomas refratários a longo prazo com taxas de sucesso satisfatórias.

 

 


 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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10. Omi CA, Almeida GV, Kwitiko S, Cohen R, Mandia CJr . Modified Schocket implant for refractory glaucoma. Experience of 55 cases. Ophthalmology 1991;98:211-4.         

 

 

Estudo realizado no Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

(1) Mestre, doutor, Chefe do Setor de Glaucoma da Universidade Federal de São Paulo ¾ Escola Paulista de Medicina. Professor orientador do Curso de Pós-graduação em Oftalmologia UNIFESP-EPM.
(2) Ex-estagiário do Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP-EPM.
(3) Mestre, doutor, colaborador do Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia UNIFESP-Escola Paulista de Medicina.

Endereço para correspondência: João Antonio Prata Junior - Av. Bem-te-vi, 55/52 - São Paulo (SP) CEP 04523-014. Fone: (11) 542-5842. Fax: (11) 573-4002


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