Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Perfluoroctano líquido como tamponante vitreorretiniano de curta duração no pós-operatório de portadores de descolamento de retina por ruptura gigante

Perfluoroctane liquid as a short-term vitreous-retinal tamponade in the postoperative period in patients with retinal detachment due to giant tears

Marcelo Carvalho Ventura1; Cecília Melo2; Paulo Escarião2; José Ricardo Diniz2; Ana Cecília de Souza Leão3

DOI: 10.1590/S0004-27492007000300018

RESUMO

OBJETIVOS: Relatar os resultados de vitrectomia via pars plana com utilização de perfluocarbono líquido (Perfluoroctano-Ophtalmos®), como tamponante vítreo-retiniano de curta duração, no pós-operatório de portadores de descolamento de retina, por ruptura gigante. MÉTODOS: Estudaram-se dez desses pacientes. Todos os casos eram complicados por vitreorretinopatia proliferativa grau B ou pior com rupturas que variavam em extensão de 90º a 210º. O perfluorocarbono líquido foi introduzido, por via pars plana, com o volume necessário para ultrapassar o limite posterior da ruptura, permanecendo no pós-operatório por cinco dias, estando os pacientes em decúbito dorsal. Após esse período submetiam-se a segunda intervenção para troca do perfluorocarbono líquido para gás ou óleo de silicone. RESULTADOS: Após período de acompanhamento médio de 16,2 ± 12,4 meses (2 a 43 meses), 80% das retinas estavam aplicadas, sendo necessária a repetição desta técnica em 1 caso (10%) caso e em 2 casos (20%) não houve reaplicação da retina por vitreorretinopatia avançada. Houve melhora da acuidade visual em 5 casos (50%). CONCLUSÃO: Observaram-se bons resultados quanto à aplicação da retina (80%) e melhora da acuidade visual (50%) quando do uso do perfluorocarbono líquido como tamponante vitreorretiniano de curta duração no pós-operatório de cirurgias de descolamento de retina por rupturas gigantes.

Descritores: Descolamento da retina; Doenças retinianas; Lágrimas; Vitreorretinopatia proliferativa; Fluorocarbonetos; Vitrectomia

ABSTRACT

PURPOSE: To report pars plana vitrectomy results of intravitreous use of liquid perfluorocarbon as a short-term postoperative tamponade in retinal detachment due to giant tears in a series of patients. METHODS: Ten of those patients, all of them complicated by proliferative vitreoretinopathy grade B or worse, with tear extension varying from 90º to 210º were studied. Perfluorocarbon liquid was injected via pars plana until the posterior tear limit, remaining in the postoperative period during five days, with the patients in supine position. After this period, the patients underwent a second surgical procedure to exchange the liquid perfluorocarbon for gas or silicone oil. RESULTS: The retinas of eight patients were attached (80%) after a mean follow-up of 16.2 ± 12.4 months (from 2 to 43 months). It was necessary to repeat this technique in one (10%) case, and there was no attachment of the retina in two (20%) cases due to advanced proliferative vitreoretinopathy. Visual acuity improved in five (50%) cases. CONCLUSION: Good results (80%) and improvement of the visual acuity (50%) were observed with the use of intravitreous liquid perfluorocarbon as short-term tamponade in the postoperative period in patients with retinal detachments due to giant tears.

Keywords: Retinal detachment; Retinal diseases; Tears; Vitreoretinopathy, proliferative; Fluorocarbons; Vitrectomy


 

 

INTRODUÇÃO

Os perfluorocarbonos (PFC) líquidos são atualmente utilizados em cirurgias vitreorretinianas, apresentando bons resultados no manejo intra-operatório de proliferação vitreorretiniana(1). Têm sido relatados casos de tratamento de ruptura gigante da retina e descolamento de retina secundário a traumatismo ocular com a utilização destes líquidos(2).

Os PFC são considerados bons tamponantes retinianos porque combinam características físico-químicas de baixa viscosidade, sendo de fácil manipulação na cavidade vítrea. A alta densidade específica produz ótimo efeito tamponante quando comparados a outros substitutos vítreos, como o óleo de silicone(3). Essas substâncias apresentam toxicidade retiniana conseqüente a átomos de hidrogênio e carbono insaturados que levam a progressiva ruptura de fotorreceptores, estreitamento da camada plexiforme externa e presença de macrófagos na superfície pré-retiniana(4). Preconiza-se, portanto, que estes líquidos sejam limitados ao uso no período trans-operatório, devendo ser removidos ainda durante a vitrectomia(5). Estudos no intuito de criar novos compostos, notadamente aqueles que possuem em sua estrutura apenas átomos de carbono e flúor, por se mostrarem mais estáveis, poderão vir a ser usados como substitutos para o vítreo(6).

A toxicidade retiniana aos PFC líquidos torna-se significativa quando estes permanecem por períodos superiores a cinco dias na cavidade vítrea ou quando em localização sub-retiniana, por seu maior contato com os fotorreceptores, sendo que a toxicidade restringe-se ao local de contato do PFC com a retina(5,7).

Existem relatos da permanência acidental de PFC por 45 dias em um paciente com descolamento de retina submetido à vitrectomia posterior com acuidade visual final de 0,6 e ausência de danos celulares. Em retinas de coelhos, sendo usado eletrorretinograma, foi possível demonstrar reversão da redução da amplitude da onda b, depois da retirada da perfluorotributilamina, do interior do globo ocular nos animais submetidos à vitrectomia, ocorrendo recuperação da função retiniana após 12 dias de permanência da substância, no interior do globo ocular(6).

O objetivo deste estudo foi relatar os resultados cirúrgicos da utilização de PFC (perfluoroctano) como tamponante intra-vítreo de curta duração no pós-operatório da cirurgia de vitrectomia via pars plana (VPP) em um grupo de portadores de descolamento de retina por ruptura gigante.

 

MÉTODOS

Foi realizada análise prospectiva de dez portadores de descolamento regmatogênico de retina secundário à ruptura gigante complicado por vitreorretinopatia proliferativa (PVR) grau B ou pior, atendidos no departamento de retina e vítreo de um serviço de referência em oftalmologia, no período de 2000 a 2005. Foram excluídos os casos de descolamentos de retina secundários a diabetes e cirurgias vitreorretinianas prévias.

No quadro 1 estão descritos a idade, sexo e características clínicas dos pacientes, incluindo a localização das rupturas.

Quanto à extensão, oito pacientes (80%) apresentavam rupturas entre 90º a 180º, enquanto dois pacientes (20%) apresentavam rupturas maiores que 180º. Quanto à localização das rupturas, observaram-se três casos (30%) com rupturas superiores, dois (20%) com rupturas inferiores e nos cinco (50%) casos restantes, havia comprometimento das porções tanto superiores quanto inferiores da retina.

A classificação para descrever a proliferação vítreo-retiniana foi dividida em graus A, B e C, sendo o grau C subdividido em C - Anterior (CA) e C - Posterior (CP)(7).

Todos os pacientes foram submetidos a VPP com sonda de vitrectomia (calibre 20-gauge) e três esclerotomias. Foi utilizado o aparelho de vitrectomia Accurus®-Alcon Laboratórios. O pick vitreorretiniano e o fórceps intra-ocular foram utilizados para retirada de membranas pré-retinianas, quando necessário. Retinotomia relaxante foi necessária para o paciente nº 1. Lensectomia foi necessária para o paciente nº 8. O paciente nº 5, portador de síndrome de Marfan, havia sido submetido previamente a facectomia, implante de anel endocapsular e lente intra-ocular, por apresentar subluxação do cristalino.

Utilizou-se o perfluorocarbono líquido (PFC) - perfluoroctano (Ophthalmos®), com injeção por via pars plana em seringa de vidro de 5 ml com cânula de infusão. A cânula era posicionada acima do disco óptico e o PFC então injetado lentamente até próximo da borda posterior da ruptura. Em seguida, realizava-se a troca fluido-gasosa, com manutenção do PFC. Seguiu-se com a injeção do PFC e aplanamento da retina, com drenagem interna do fluido sub-retiniano, completando-se a introdução de PFC até ultrapassar os bordos da ruptura e realizou-se endofotocoagulação com laser de argônio. Não se utilizou explante escleral em nenhum dos casos.

Os pacientes foram orientados a permanecer em decúbito dorsal por cinco dias em regime de internação hospitalar até a realização da segunda intervenção, utilizando-se as mesmas esclerotomias da primeira intervenção, seguindo-se com o processo de troca PFC/ar e em seguida ar/gás C3F8 ou ar/óleo de silicone Oxane-Baush-Lomb® (1300 ou 5700 cs, este no caso que necessitou de reintervenção). Durante os cinco dias de internamento os pacientes foram examinados por oftalmoscopia binocular indireta e medida da pressão intra-ocular. Foi utilizada apenas medicação tópica, no período pós-operatório das duas intervenções, em todos os pacientes com acetato de prednisolona a 1% e tobramicina a 0,3%.

O seguimento dos pacientes foi realizado semanalmente no primeiro mês e mensalmente a partir de então. A média de seguimento pós-operatório foi de 16,2 ± 12,4 meses. A cada visita, todos os pacientes foram submetidos a exame oftalmológico que incluía medida de acuidade visual, biomicroscopia, tonometria de aplanação e oftalmoscopia binocular indireta.

O sucesso anatômico foi definido como a presença de retina completamente aplicada em toda a sua superfície. Sucesso funcional definido como melhora da acuidade visual final medida em ganhos de linhas de visão pela tabela de acuidade visual de Snellen.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Fundação Altino Ventura. Os pacientes foram incluídos no estudo após assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

 

RESULTADOS

Após o seguimento de 16,2 ± 12,4 meses, 80% das retinas estavam aplicadas.

O paciente de número 2 foi submetido a uma segunda manutenção de PFC intra-vítreo, por cinco dias por apresentar redescolamento secundário à proliferação vitreorretiniana. Como no primeiro procedimento havia sido utilizado gás C3F8, o PFC foi então trocado por óleo de silicone (1300 cs). Neste caso, a retina encontra-se aplicada e houve melhora da acuidade visual final.

O paciente de número 3 apresentou um redescolamento por nova ruptura que se desenvolveu por tração secundária a PVR. Procederam-se a revisão de vitrectomia e troca por óleo de silicone (5700 cs). O paciente evoluiu com redescolamento plano e inferior da retina, "pucker" macular e enrolamento das bordas da ruptura, não sendo indicado nova intervenção.

O paciente de número 8 apresentou recidiva do descolamento de retina inferior com dois meses de acompanhamento, secundário à proliferação vitreorretiniana avançada que atingia a região macular, não sendo indicado novo procedimento e a acuidade visual pós-operatória permaneceu inalterada.

Observou-se no período pós-operatório precoce a presença de hipotonia ocular associada a uma reação celular na câmara anterior e na cavidade vítrea anterior ao PFC e dificuldade de visualização do fundo de olho em três pacientes (30%). Após a segunda intervenção para retirada do PFC, a pressão intra-ocular retornou ao normal, não sendo observado sinais de maculopatia hipotônica, descolamento de coróide ou reações inflamatórias ou fibróticas no pós-operatório.

Houve melhora da acuidade visual em 50% dos casos, manutenção em 20% e piora, em 30%. A acuidade visual igual ou melhor que 20/100 foi conseguida em 60% dos pacientes (Quadro 2).

 

DISCUSSÃO

O desenvolvimento de modernas técnicas de vitrectomia possibilitou a eficiência da cirurgia de descolamento de retina em relação à sua reaplicação. Diversos fatores estão envolvidos como causa de insucesso cirúrgico. Dentre eles, a extensão das rupturas que induz a formação de proliferação celular tracional sobre a retina, onde os casos de descolamento de retina com rupturas gigantes têm pior prognóstico(8).

O período pós-operatório precoce da cirurgia de vitrectomia, para descolamento de retina, pode ser considerado como momento crucial na gênese da proliferação vitreorretiniana, já que ocorre aumento da reação inflamatória conseqüente ao trauma cirúrgico. Células pigmentares, provenientes do epitélio pigmentar da retina, e fatores de crescimento podem ficar concentradas em pequenos espaços fluidos que sempre estão presentes em tamponantes como gás ou óleo de silicone, criando um ambiente favorável para a proliferação celular epi-retiniana(9).

A utilização de substitutos vítreos como o gás, embora de pouca toxicidade retiniana, não é isenta de complicações, tais como, a formação de membrana epi-retiniana, oclusão da artéria central da retina, turvação vítrea. O uso do óleo de silicone é também citado como relacionado à alteração de acuidade visual, glaucoma, catarata e descompensação corneana(6).

O uso de perfluorocarbonos líquidos, utilizados como ferramenta para reaplicação da retina na sua posição anatômica de forma menos traumática, facilitou a cirurgia retiniana, tanto em relação ao manuseio trans-operatório quanto como agentes tamponantes intra-oculares em casos de hemorragias intra-operatórias e acredita-se que, permanecendo em tempo pós-operatório de curta duração, facilite a adesão retiniana dificultando o seu redescolamento.

Existem diversos tipos de PFC, como o perfluoroctano, o perfluorodecalina(10), a perfluorotributalina e o perfluorohidrofenantreno, sendo o primeiro o de maior utilização no meio oftalmológico e o que permite melhor visibilidade do menisco formado na interface entre ele e a solução salina balanceada usada na cirurgia(11).

Devido ao seu elevado peso específico, o perfluorocarbono exerce uma força para aplanar a retina três vezes maior que o mesmo volume com óleo de silicone. Como mantém uma maior área de contato do que o óleo de silicone ou os gases intra-vítreos, promove um melhor efeito de tamponamento, diminuindo a presença de espaços fluidos onde ocorre a proliferação celular(9,12).

Em casos de descolamento de retina por proliferação vítreo-retiniana por ruptura gigante, em que é utilizado apenas um procedimento cirúrgico vitreorretiniano, a taxa de recidiva pode ser alta (35%), num seguimento de seis meses, sendo necessário freqüentemente outro procedimento cirúrgico(13).

Nesta série de casos, os autores decidiram como opção terapêutica para o tratamento de descolamento de retina por ruptura gigante, a realização da cirurgia através de dois procedimentos vitreorretinianos, com intervalo de cinco dias entre eles, para a manutenção de PFC intra-vítreo temporária. Através do TCLE, o paciente era devidamente informado sobre esta técnica, o intervalo de tempo entre os dois procedimentos e a necessidade de internamento hospitalar mais prolongado.

No presente estudo, utilizou-se o perfluoroctano, sendo mantido na cavidade vítrea por um período de cinco dias, com o paciente em decúbito dorsal. Acredita-se que esta técnica reduza a possibilidade de permanência de espaços fluídicos, tanto em casos de rupturas superiores como também nas inferiores, estas de manuseio mais difícil com outros tamponantes vítreos menos densos, pois a permanência do PFC ultrapassando os bordos da ruptura gera uma força de adesão da retina ao epitélio pigmentar, impossibilitando a passagem de fluidos para o espaço sub-retiniano.

Na presente série de casos, não foi utilizado o explante escleral devido à indução de distorção da forma do olho e possibilidade da retina deslizar-se posteriormente(9).

Os primeiros estudos com os PFC por períodos prolongados dentro do olho ocorreram em 1984(14). Todavia, os PFC se mostraram tóxicos aos olhos de animais quando em contato por tempo prolongado e por isso têm sido utilizados como substâncias temporárias nas cirurgias de segmento posterior(15-16).

Tem sido demonstrado que os perfluorcarbonos líquidos como perfluorodecalina, perfluorofenantreno e perfluoroctano são substâncias seguras e efetivas quando utilizadas como tamponantes vítreos de curta duração em olhos humanos por um período de até 5 dias(9,12). Entretanto, afirma-se que os PFC deixados na cavidade vítrea após a cirurgia para atuarem como tamponantes podem causar danos celulares(13) e reações inflamatórias com compressão e destruição da arquitetura normal da retina, alterações degenerativas de fotoreceptores, ativação de macrófagos. Estes achados ainda não comprovados como se secundários a efeitos tóxicos ou mecânicos diretos, proporcionais ao tempo de contato dessa substância com a retina(17-18).

Diversos estudos sobre permanência dos PFC na cavidade vítrea concluem serem estes, mesmo purificados, tóxicos à retina(19) e alguns, por outro lado, descrevem que a retenção de pequenos volumes de PFC após seu uso intra-operatório não induz à resposta tóxica(20).

O PFC tem sido usado na cavidade vítrea por tempos diversos variando de 5 a 50 dias(21-22). Todavia, experimentalmente alterações histológicas em retinas de coelhos têm sido constatadas quando da permanência de PFC por três semanas, devido à ação de elevadas taxas de aminoácidos em cavidade vítrea e efeito neurotóxico sobre as camadas retinianas, com efeito isquêmico e morte celular(23).

No presente estudo, a opção foi por período de 5 dias, onde se julgou ser de menor risco para a retina e apesar de 50% dos casos obterem melhora da acuidade visual, os autores acreditam necessitar de uma análise prospectiva, com investigações por dados eletrorretinográficos, que possam sugerir a presença de tais alterações e se estas são realmente secundárias à ação mecânica direta ou tóxica do PFC, no pós-operatório de descolamento de retina como tamponante de curta duração.

Após os cinco dias de permanência do PFC, realizou-se a segunda intervenção para troca do substituto vítreo por gás ou óleo de silicone, onde se observou aplanamento retiniano com bordos aderidos ao epitélio pigmentário em todos os casos e não houve redeslocamento da retina no trans-operatório, com a troca dos fluídos sendo realizada sem intercorrências e sem reações inflamatórias pós-operatórias imediatas significantes.

Neste estudo, com tempo de acompanhamento médio de 16,2 ± 12,4 meses, conseguiu-se até o presente momento o aplanamento da retina em 80% dos casos. Em outros estudos, com seguimento de seis meses, a taxa de recorrência, sem utilização do PFC como tamponante de curta duração, foi de 30%(24).

Atualmente, o substituto vítreo com possibilidade de tamponamento prolongado em cirurgia vitreorretiniana mais bem difundido é o óleo de silicone. Os PFC, por serem mais densos que a água e o óleo de silicone, proporcionam uma maior facilidade para o tamponamento das rupturas e buracos retinianos situados nos quadrantes inferiores, especialmente no pós-operatório, constituindo-se, assim, em uma vantagem quando comparado com o óleo de silicone(12). Neste estudo, como os pacientes permaneceram em decúbito dorsal absoluto por 5 dias, o PFC pôde atuar como tamponante de rupturas tanto superiores quanto inferiores. A decisão para a troca do PFC por gás ou óleo de silicone foi relacionada com a localização das rupturas, onde nas de maior extensão inferior, optou-se por óleo de silicone, sendo este o substituto vítreo preconizado nestes casos, embora ainda com riscos altos de recidivas. É de interesse a possibilidade de manutenção desta técnica, onde a possibilidade de troca do PFC para gás, independentemente da localização das rupturas, permitindo a ação do PFC em promover aderência retiniana estável em todos os casos.

Devido às possíveis limitações quanto ao uso dos PFC como substituto vítreo de longo prazo, novos produtos estão sendo desenvolvidos, como os alcanos semifluorinados (ASF), o perfluorohexiloctano, um PFC menos denso em sua composição e que está em estudos de investigação com relação a seus efeitos tóxicos ou compressivos celulares(11).

Em estudo prospectivo, observacional, multicêntrico, com pacientes portadores de descolamento de retina causado por ruptura gigante e sem a utilização do PFC como tamponante de curta duração, foi relatado uma melhora da acuidade visual em 59% dos casos e retina colada ao final de seis meses de acompanhamento em 79% dos casos(18). Em outros estudos, também sem a utilização do PFC como tamponante de curta duração, houve taxas de 76% de reaplicação da retina com 30% de recorrência do descolamento, onde o tamanho das rupturas foi significantemente associado a gênese do problema(9). No presente estudo, nos três casos de recidiva do descolamento da retina a extensão das rupturas foi de 210º, 180º e 90º, respectivamente, parecendo não ter tido associação com a indução do redescolamento. Em nossa série de casos, acreditamos que a taxa de reaplicação da retina foi semelhante, mas o grande benefício foi a reaplicação desta e sua permanência nos casos onde as rupturas atingiam quadrantes inferiores, casos já sabidos como de elevada taxa de recorrência de descolamentos.

Apesar de diferenças quanto à doença pré-operatória, classificação do PVR, número de re-operações, conseguiu-se, neste estudo, sucesso anatômico com presença de retina totalmente aplicada em 80% dos casos, associado à melhora da acuidade visual em 50% dos casos.

Encontrou-se como complicação pós-operatória precoce a presença de hipotonia ocular em 3 (37,5%) pacientes, associada à reação de câmara anterior e cavidade vítrea, anterior ao PFC, que impossibilitava a visualização da retina. Em uma série de casos similar, é citada a presença no pós-operatório precoce de "flare" conseqüente à reação inflamatória intensa em 27 e 62% dos casos. Tal alteração foi creditada mais ao deslocamento de fluido para a câmara anterior com a presença de células inflamatórias que à reação ao PFC(2,10). Em nenhum dos casos desta série foi observado infecção ocular devido à realização de dois procedimentos cirúrgicos em curto espaço de tempo. A taxa de endoftalmite após vitrectomia é baixa (0,51%)(24), provavelmente porque o PFC não representa um meio favorável para o crescimento bacteriano(25).

A melhora da acuidade visual em 50% dos casos, associado também à melhora funcional da acuidade visual maior que ou igual a 20/100 em 60% dos casos, demonstra a boa tolerabilidade do PFC como tamponante de até cinco dias em olhos humanos.

Apesar do pequeno número de pacientes nesta série e não haver grupo-controle, o estudo dá suporte à utilização de PFC como substitutos vítreos temporários de curta duração, em até cinco dias, no pós-operatório de casos de descolamento de retina regmatogênico secundário a ruptura gigante complicado por proliferação vitreorretiniana.

Em decorrência das propriedades físicas únicas dos perfluorocarbonos, opticamente transparentes, com densidade maior do que da água, o interesse nestas substâncias tem aumentado nos últimos anos em relação a sua utilização não como um substituto vítreo temporário, mas sim como um substituto permanente. É possível, no entanto, que o substituto vítreo ideal, com biocompatibilidade e eficácia no tratamento dos descolamentos de retina necessite ser estabelecido, sendo o PFC alternativa na condução destes casos.

 

CONCLUSÃO

Observaram-se bons resultados (80%) quanto à aplicação da retina e melhora da acuidade visual (50%), quando do uso do PFC como tamponante vitreorretiniano de curta duração, até cinco dias de pós-operatório, em cirurgias de descolamento de retina secundário à ruptura gigante.

 

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Endereço para correspondência:
Fundação Altino Ventura (FAV)
Rua da Soledade, 170 - Boa Vista
Recife (PE) CEP 50070-040
Email: [email protected]

Recebido para publicação em 08.03.2006
Última versão recebida em 02.10.2006
Aprovação em 16.03.2007

 

 

Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Pedro Paulo de Oliveira Bonomo sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.
Trabalho realizado no Departamento de Retina e Vítreo da Fundação Altino Ventura - FAV - Recife (PE) - Brasil.


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