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Editorial

Avaliação de conhecimentos e aprendizado sobre ceratocone em uma população atendida em hospital de referência terciária

Learning and knowledge evaluation of keratoconus in a tertiary hospital population

Eduardo Della Giustina1; Miguel José Calix Netto1; Priscila Yumi Kitice2; Gabriel Zatti Ramos1; Marcelo Sobrinho3; Luciene Barbosa de Souza4

DOI: 10.1590/S0004-27492007000200013

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o nível de conhecimento e aprendizado sobre ceratocone, em uma população portadora desta doença, atendida em hospital de referência terciário. MÉTODOS: Um questionário foi distribuído aleatoriamente a pacientes portadores de ceratocone, durante uma consulta para avaliação quanto à indicação de ceratoplastia. Posteriormente foi distribuído material informativo sobre a doença, para que fosse estudado. Após a leitura o mesmo questionário foi novamente aplicado. Os resultados foram comparados estatisticamente pelo teste t de Student. RESULTADOS: Trinta e um indivíduos responderam aos dois questionários. A média de acertos antes da leitura do material informativo foi de 4,45 questões (49,46%) com desvio padrão (DP) de ±1,02 acerto. Após a leitura o índice de acertos no mesmo questionário subiu para 7,19 questões (79,9%) e DP ±0,65 acerto. A diferença foi estatisticamente significante com p<0,0001. CONCLUSÃO: O nível de conhecimentos da população estudada a respeito de sua doença é baixo, especialmente nos aspectos que abrangem prognóstico, evolução e tratamento da doença. Contudo, este quadro de desinformação pode ser mudado com a adoção de medidas apropriadas.

Descritores: Ceratocone; Transplante de córnea; Conhecimentos; atitudes e prática em saúde; Educação do paciente

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the knowledge level and learning capacity regarding keratoconus in a population taken care of at a tertiary reference hospital. METHODS: A questionnaire was randomly assigned to keratoconus patients during their ocular evaluation for keratoplasty. Subsequently informative data about the disease were given to these patients. The same questionnaire was assigned again after the patients read the informative material. The results were compared statistically by Student's t test. RESULTS: Thirty-one individuals answered both questionnaires. The average of correct answers before the study of the informative material was 4.45 questions (49.46%) with a standard deviation (SD) of ±1.02. After the informative data, the level of correct answers increased to 7.19 questions (79.9%) and SD of ±0.65. The difference was statistically significant with p<0.0001. CONCLUSION: The knowledge on keratoconus of the studied population is low, specially on aspects that range from prognosis to evolution and treatment. However, this lack of information may be changed adopting appropriate measures.

Keywords: Keratoconus; Corneal transplantation; Health knowledge; attitudes; practice; Patient education


 

 

INTRODUÇÃO

As doenças corneanas são uma causa significativa de baixa de visão e cegueira nos países em desenvolvimento(1). O ceratocone é uma ectasia corneana bilateral, não inflamatória com incidência de aproximadamente 1 por 2.000 na população geral(2). A córnea foi um dos primeiros tecidos transplantados e ainda é considerada uma intervenção cirúrgica de sucesso. Contudo, um resultado satisfatório para o médico nem sempre significa um paciente satisfeito(3).

A falta de conhecimento sobre a doença e sua evolução leva os pacientes a falhar no tratamento da mesma(4). Desta forma, a educação efetiva sobre o ceratocone pode beneficiar tanto pacientes como seus familiares. Todo paciente submetido a transplante de córnea deve ter uma informação completa sobre o tipo de transplante ao qual será submetido, cuidado pós-operatório, sinais de rejeição, entre outros. Visto que o diagnóstico precoce pode alterar o resultado final do procedimento(5).

O objetivo deste trabalho é avaliar o nível de conhecimento e aprendizado sobre o ceratocone, em pacientes atendidos em um hospital de referência terciária.

 

MÉTODOS

Um questionário foi distribuído aleatoriamente, durante a avaliação oftalmológica para transplante de córnea, em portadores de ceratocone, em um dia de "projeto transplante", do Hospital Oftalmológico de Sorocaba (HOS). O questionário (Anexo 1) contém 8 questões de respostas simples (sim ou não) e 3 questões dissertativas, que foram respondidas pelos candidatos a transplante. Após responderem ao questionário, foi solicitado aos pacientes que lessem um texto sobre a doença (Anexo 2), resumo de um informativo da Associação Americana de Familiares e Portadores de Ceratocone(6). Após a leitura, os sujeitos responderam novamente ao questionário.

Foram comparados os escores antes e depois de fornecida informação ao paciente. Para análise estatística foi realizado o teste t de Student e considerado estatisticamente significante p<0,05.

 

RESULTADOS

Trinta e um indivíduos responderam aos dois questionários. A média de acertos antes da leitura do material informativo foi de 4,45 questões (49,46%) com desvio padrão (DP) de ±1,02 acerto. Após a leitura o índice de acertos no mesmo questionário subiu para 7,19 questões (79,9%) DP ±0,65. A diferença foi estatisticamente significante p<0,0001 (Tabela 1).

 

 

O número de acertos para cada questão a qual os pacientes foram submetidos, antes e depois da leitura do material informativo, estão relacionados na tabela 2.

 

 

Nas questões dissertativas de número 1 e 2 foram consideradas corretas somente se as respostas apresentassem ortografia exata. Estas questões obtiveram, antes do acesso ao material informativo, índices de acertos de 25 (80,65%) e 23 (74,19%) questões respectivamente. Após a leitura o índice de 27 (87,09%) e 26 (83,87%). Estas questões referiam-se apenas ao nome e local onde o ceratocone ocorre.

Em relação à gravidade, evolução e terapêutica do ceratocone os escores diminuíram consideravelmente. Foram de 11 (35,48%) antes e 18 (58,06%) após a leitura quando foi perguntado sobre a gravidade da patologia. Quando questionados sobre a obrigação do uso de lentes de contato apenas 6 (19,35%) pacientes souberam a resposta correta, contrastando com 20 (64,51%) após a informação.

Sete (22,58%) pacientes não acreditavam que a lente de contato curava ou cessava a evolução do ceratocone, após o estudo do material 19 (61,29%) passaram a pensar de maneira correta. Doze (38,70%) responderam que nem todo paciente necessitava de transplante de córnea, após a leitura este número subiu para 20 (64,51%).

Referente às causas do ceratocone, apenas 4 (12,90%) sabiam citar os principais fatores relacionados (hereditariedade, genética, patologias associadas, ato de coçar os olhos...), no segundo questionário 21 (67,74%) pacientes responderam corretamente à questão. Apenas 6 (19,35%) pacientes sabiam que o ceratocone não causava cegueira total, após a informação concedida 13 (41,93%) passaram a ter este conhecimento.

Questionados sobre o uso de correção óptica após o transplante, 16 (51,61%) pacientes acreditavam que não estariam livres de óculos ou lentes de contato após a cirurgia, número que subiu para 19 (61,29%) no segundo questionamento. Dezenove (61,29%) pacientes tinham consciência de que o ceratocone não era uma patologia infecto-contagiosa, no segundo questionário o número pouco mudou, 20 (64,51%) passaram a ter este conhecimento.

Antes do informativo ser lido, apenas 9 (29,03%) pacientes sabiam que fazer esforço para enxergar não piorava a evolução do ceratocone, número que subiu para 20 (64,51%) após a leitura do material informativo.

 

DISCUSSÃO

O ceratocone é uma patologia heterogênea do ponto de vista genético(7), está entre as causas líderes em cegueira legal por comprometimento corneano e constitui uma indicação muito comum de transplante de córnea(8). Apesar destas considerações, o presente estudo observou um desconhecimento dos portadores de ceratocone em relação à doença. Por ser uma população usuária do sistema público de saúde, a dificuldade de acesso à informação é um fato presente na realidade destas pessoas.

Ao analisar o número de acertos por questão, verifica-se que o nível de conhecimento da população estudada restringe-se muito ao nome e local onde o ceratocone ocorre. O nível de acertos às questões que estão relacionadas ao prognóstico, evolução e tratamento da doença, porém é muito baixo.

A educação do paciente é uma parte importante do processo de assistência médica(4). Numerosos estudos têm demonstrado que baixos índices de obediência ao tratamento estão associados à falta de compreensão da doença pelo paciente(9-11).

Verificamos, que apesar do baixo nível de conhecimento apresentado pelos pacientes neste estudo, houve uma melhora estatisticamente significante quando foi apresentado material informativo em forma de texto.

Uiters et al. identificaram que o grau de instrução do paciente está muito relacionado com a qualidade de vida após a ceratoplastia. Aliado a bons resultados ópticos trazem para o paciente maior nível de satisfação(3). Um indivíduo melhor orientado compreenderá mais facilmente o seu prognóstico e as intervenções de tratamento(4).

Uma maneira adequada de educar os pacientes deve abranger aspectos cognitivos, emocionais e levar instrução. Preferencialmente de maneira específica a cada paciente. Um alto nível de instrução está fortemente relacionado à satisfação e sugere que educar o paciente é uma ferramenta importante para maximizar o sucesso da terapêutica no ceratocone(3).

O efeito benéfico de programas educacionais na melhor observância ao tratamento foi demonstrado por vários autores(9,11-12). Nosso estudo demonstrou que há compreensão e aprendizado quando material instrutivo é fornecido na forma de texto. A instituição destes programas por meio de vídeo, folhetos, ou através de outros meios interativos, pode ser uma maneira eficaz de se contornar este problema(11).

Fica claro que numa população atendida em hospital terciário, no setor público, o nível de instrução referente à patologia em questão é muito baixo, o que reforça a necessidade de implementar programas educacionais para que se tenha melhor qualidade na assistência médica.

 

REFERÊNCIAS

1. Dandona L, Ragu K, Janarthanan M, Naduvilath TJ, Shenoy R, Rao GN. Indications for penetrating keratoplasty in India. Indian J Ophthalmol. 1997; 45(3):163-8.        

2. Rabinowitz YS. Keratoconus. Surv Ophthalmol. 1998;42(4):297-319. Review.        

3. Uiters E, van den Borne B, van der Horst FG, Volker-Dieben HJ. Patient satisfaction after corneal transplantation. Cornea. 2001;20(7):687-94.        

4. Leal BC, Medeiros FA, Oliveira BFT, Pinheiro A, Susanna Júnior R, Kara-José N. Fatores associados ao conhecimento de glaucoma numa população de hospital terciário. Rev Bras Oftalmol. 2001;60(8):556-62.        

5. Moreno GL, Souza LB, Freitas D, Sato EH, Vieira LA. Transplante de córnea e o conhecimento do procedimento pelos pacientes. Arq Bras Oftalmol. 2003; 66(6):797-801.        

6. Dowey SW. What is keratoconus? A reference guide for patients and their families. 3rd ed. Los Angeles, CA: National Keratoconus Foundation; 1999.        

7. Rabinowitz YS. The genetics of keratoconus. Ophthalmol Clin North Am. 2003;16(4):607-20, vii. Review.        

8. Kwitko S, Severo NS. Ferrara intracorneal ring segments for keratoconus. J Cataract Refract Surg. 2004;30(4):812-20.        

9. Zimmerman TJ, Zalta AH. Facilitating patient compliance in glaucoma therapy. Surv Ophthalmol. 1983;28 Suppl:252-8.        

10. Granstrom PA. Glaucoma patients not compliant with their drug therapy: clinical and behavioural aspects. Br J Ophthalmol. 1982;66(7):464-70.        

11. Costa VP, Vasconcelos JPC, Pelegrino M, José NK. O que os pacientes sabem sobre glaucoma? Arq Bras Oftalmol. 1995;58(1):36-41.        

12. Norell SE. Improving medication compliance: a randomized clinical trial. Br Med J. 1979;2(6197):1031-3.        

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Vicência Faria Versagi, 75/42
Sorocaba (SP) CEP 18031-080

Recebido para publicação em 27.04.2005
Última versão recebida em 16.11.2005
Aprovação em 26.10.2006

 

 

Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência dos Drs. Luiz Fernando Régis Pacheco e Paulo Ricardo de Oliveira sobre a divulgação de seus nomes como revisores, agradecemos sua participação neste processo.
Trabalho realizado no Hospital Oftalmológico de Sorocaba - Sorocaba - SP.

 

 

Anexo

 

 

 


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