Clodomir S. C. de Carvalho1; Magda Massae Hata Viveiros2; Silvana Artioli Schellini3; João Manoel Grisi Candeias4; Carlos Roberto Padovani5
DOI: 10.1590/S0004-27492007000200010
RESUMO
OBJETIVO: Avaliar a taxa de proliferação de fibroblastos provenientes de pterígios recidivados e da cápsula de Tenon normal, quando expostos in vitro ao tacrolimus (FK 506). MÉTODOS: Foi realizado estudo prospectivo, controlado, avaliando-se 8 amostras de explantes de cápsula de Tenon de pterígios recidivados e 6 de cápsula de Tenon normal, obtidas na Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. A cápsula de Tenon normal foi colhida da região temporal inferior, do mesmo portador de pterígio. As amostras foram cultivadas em meio específico e posteriormente expostas ao tacrolimus 1M (FK 506), em única exposição, com avaliação da taxa de proliferação celular 1, 5, 12 e 19 dias após a exposição. RESULTADOS: Avaliando-se a proliferação dos fibroblastos provenientes de cápsula de Tenon de pterígios recidivados e da cápsula de Tenon normal, os fibroblastos expostos ao tacrolimus tiveram taxa de proliferação significativamente menor (p<0,05) do que quando não houve exposição a droga, quando a avaliação foi feita 1 dia após a exposição. Quando a avaliação foi feita 19 dias após a exposição, a taxa de proliferação foi maior nos grupos expostos a droga. CONCLUSÃO: Os fibroblastos provenientes da cápsula de Tenon de pterígios recidivados apresentaram taxa de proliferação significativamente menor um dia após a exposição ao tacrolimus. Novos estudos devem ser realizados para definir dose e tempo de exposição dos fibroblastos a droga, com o intuito de definir se o tacrolimus pode ser útil como tratamento coadjuvante do pterígio.
Descritores: Pterígio; Fibroblastos; Técnicas de cultura de células; Proliferação de células; Recidiva; Tracolimus
ABSTRACT
PURPOSE: To evaluate fibroblast proliferation activity of normal Tenon's capsule and of recurrent pterygia exposed in vitro to tacrolimus (FK506). METHODS: A randomized prospective study was performed with 8 samples of recurrent pterygia and 6 samples of normal Tenon's capsule from the same patient with pterygium at the Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. The samples were cultivated and exposed once to 1M tacrolimus (FK 506) and the proliferation rate was evaluated 1, 5, 12 and 19 days after the exposure. The data were statistically analyzed. RESULTS: The fibroblasts from pterygia exposed in vitro to tacrolimus had a significantly lower proliferation rate than controls after one day of exposure (p<0.05). Nineteen days after exposure to tacrolimus, exposed cells proliferated more than the non-exposed. CONCLUSION: Tacrolimus is effective to inhibit proliferation of Tenon's capsule fibroblasts from pterygia one day after exposure. Further studies are needed to define the role of tacrolimus in pterygium treatment.
Keywords: Pterygium; Fibroblasts; Cell culture techniques; Cell proliferation; Recurrence; Tacrolimus
INTRODUÇÃO
Na gênese do pterígio, a inflamação crônica pode ser um fator que gera crescimento da conjuntiva sobre a córnea, supondo-se que os linfócitos T possam estar envolvidos(1).
O tacrolimus é um antibiótico macrolídeo, extraído da fermentação de um caldo do microrganismo Streptomyces tsukubaensis. Em animais, demonstrou-se que o tacrolimus (FK-506) causa supressão da imunidade humoral e inibe a ativação do linfócito T, apesar de seu exato mecanismo de ação não ser conhecido. Evidências experimentais sugerem que o tacrolimus se liga a uma proteína intracelular (proteína de ligação do FK-506), formando um complexo que se liga a calcineurina e inibe a atividade da serina-treonina, inibindo assim a expressão de linfocinas, a apoptose e a degranulação(2).
Apesar do FK-506 apresentar propriedades imunossupressoras muito similares a ciclosporina, com uma potência 100 vezes maior que aquela(2), são escassos na literatura os ensaios utilizando o FK-506 em cultura de células fibroblásticas.
Desta forma, foi desenvolvido este estudo que teve por objetivo avaliar o efeito do FK-506 sobre fibroblastos provenientes de pterígios recidivados e da cápsula de Tenon normal.
MÉTODOS
Este é um estudo prospectivo, controlado, aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa em Seres Humanos e executado na Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP, tendo a participação de 14 portadores de pterígio recidivado.
Todos os indivíduos foram operados, tendo sido removidos o pterígio e fragmentos da cápsula de Tenon da região do corpo do pterígio e fragmentos da cápsula de Tenon normal, localizada no fórnice temporal inferior, do mesmo olho acometido. O primeiro espécime a ser removido foi o tecido são.
Adotou-se como critério de exclusão, os indivíduos portadores de pterígio temporal ou nasal e temporal, no mesmo olho.
Imediatamente após a remoção, os fragmentos de cápsula de Tenon foram acondicionados em tubos Ependorff estéreis e hermeticamente fechados, sendo estocados à temperatura de 5ºC para transporte em período inferior a três horas após a exérese, para o laboratório de Imunologia do Departamento de Microbiologia e Imunologia - Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista UNESP.
Sob condições de assepsia e em câmara de fluxo laminar, as amostras foram colocadas em placas de Petri de 35 mm e lavadas com meio DMEM/F12 (Gibco -USA, suplementado com: 5 ml/l de vitaminas TC minimal Eagle 100X, 0,01 U/ml de insulina, 1,4 g/l de bicarbonato de sódio, 400.000 U/ml de penicilina, 40 mg/ml de gentamicina, 5 mg/ml de anfotericina-B, 15 µg/l de glutationa, com pH final de 7,0), para a remoção do excesso de células sanguíneas e, então, cortadas em fragmentos de aproximadamente 1 mm2 com pinça e tesoura cirúrgicas delicadas e estéreis. Estes fragmentos foram colocados em frascos poliestireno estéreis para cultura de células, de 25 mm² (TPP), com 1 ml de meio DMEM/F12, suplementado com 15% de soro fetal bovino (SFB) e mantidos em estufa a 37ºC com 5% de CO2.
A adição de meio DMEM/F12 com SFB a 15% foi feita a cada 3 dias, com acompanhamento e exames das culturas sob microscópio de inversão, para a observação da morfologia e comportamento dos fibroblastos (aderência, migração e proliferação) até que se obtivesse um número satisfatório de células em cultura (Figura 1), definido pela observação de células com alta atividade mitótica e não confluentes, ocupando aproximadamente 2/3 da capacidade do frasco, quando então, prosseguiu-se com a repicagem das células.
Para o subcultivo (ou repicagem) das células, retirou-se o meio DMEM/F12 com SFB utilizando pipeta de Pasteur e realizou-se o enxágüe cuidadoso dos frascos com solução PBS (Phosphate buffered saline), a seguir os mesmos foram incubados com uma solução de EDTA (Gibco - USA) e tripsina Vercese 0,2% (Instituto Adolfo Lutz), durante três minutos, em estufa a 37°C.
Com o microscópio de inversão, observou-se o desprendimento das células e então inativou-se a tripsina com a adição de 2 ml de meio DMEM/F12, acrescido com 20% de SFB. Esta suspensão celular foi, então, dividida em duas partes iguais, ficando uma no mesmo frasco e outra em um novo frasco estéril. Ambos foram colocados novamente em estufa até chegarem a semiconfluência, quando então foram novamente subcultivadas até se chegar ao terceiro subcultivo.
Método para exposição das culturas ao tacrolimus
Foram selecionadas para exposição ao tacrolimus as amostras que alcançaram contagem suficiente para a distribuição igualitária em 16 do total de 24 poços dos Multiwells.
Foram distribuídos 5.000 fibroblastos em cada poço, sendo que o método para retirada dessas células em subcultivo foi semelhante aos subcultivos anteriores.
Através da contagem das células, distribuiu-se cada amostra em 16 quantidades iguais de fibroblastos, para que, em cada momento de contagem, fossem utilizados 4 poços dos Multiwells.
Vinte e quatro horas após a distribuição das células nos Multiwells, foi feita a exposição dos fibroblastos ao tacrolimus 1M em 3 de cada 4 poços que continham os fibroblastos, num total de 12 compartimentos contendo tacrolimus 1M e 4 sem ter sido expostos (utilizados como controles de não exposição a droga). Todos os 16 poços de cada amostra foram completados com 0,5 ml do meio de cultura (DMEM/F12 acrescido com 20% de SFB).
Portanto, a pesquisa em cada um dos indivíduos foi realizada em triplicata para que a contagem dos fibroblastos fosse mais confiável, tendo sido a exposição ao tacrolimus feita uma única vez.
Imediatamente antes da exposição, o pH da solução era de 7.66, ou seja, a solução era discretamente alcalina.
Após a exposição das células ao tacrolimus, foram feitas as contagens em quatro momentos: 1) a primeira contagem foi realizada 1 dia após exposição; 2) a segunda contagem foi realizada 5 dias após exposição; 3) a terceira contagem foi realizada 12 dias após exposição; 4) a quarta contagem foi realizada 19 dias após exposição.
Em cada momento, foram contados os fibroblastos dos 4 compartimentos, sempre 3 de expostos e 1 de controle.
O método para contagem de fibroblastos foi através de hemocitômetro (câmara de Neubauer).
Primeiramente tripsinou-se as células, de modo a obter uma suspensão homogênea de fibroblastos, sem grumos. Com uma pipeta Pasteur de ponta fina, homogeneizou-se a suspensão pipetando-se algumas vezes para cima e para baixo. Retirou-se 50 µl da suspensão e diluiu-se com 50 µl de azul de Tripan, pois o corante marca os fibroblastos inviáveis, para que estes não fossem contados.
Retirou-se uma amostra com pipeta e aplicou-se nos locais indicados na câmara de Neubauer, de forma que o líquido escorreu por capilaridade entre a lâmina e a lamínula. Esperou-se alguns segundos, focalizou-se e contou-se todas as células do quadrado delimitado grande central (16 quadrados menores), com aumento de 100 vezes.
Como o número de fibroblastos em cada quadrado grande era menor de 100, contou-se 5 quadrados. A concentração foi dada por:
Os dados obtidos foram analisados estatisticamente, utilizando a técnica de Análise de variância para o modelo de medidas repetidas para grupos independentes, segundo o esquema fatorial 2x2.
RESULTADOS
Apesar de ter sido colhido material de 14 indivíduos, o subcultivo celular foi possível no material proveniente de 8 fibroblastos de cápsula de Tenon de pterígios e 6 de cápsulas de Tenon normais, devido a serem estas as amostras que apresentaram número de fibroblastos suficientes para realizar a exposição em triplicata, controle e contagem, nos quatro diferentes momentos experimentais estabelecidos.
As culturas de fibroblastos de Tenon normal, expostas ou não expostas à droga, apresentaram crescimento celular semelhante em todos os momentos de observação (Gráfico 1).
Avaliando-se os fibroblastos provenientes de cápsula de Tenon de pterígios, houve menor proliferação dos fibroblastos expostos, comparados aos não expostos, quando a avaliação foi feita um dia após a exposição (p<0,05). Depois disso, as culturas expostas retomaram seu crescimento, com taxa de replicação menor do que o grupo não exposto, sem diferença estatística nas avaliações de 5 e 12 dias. No último dia de avaliação (19 dias), as culturas expostas ultrapassaram o crescimento celular observado nas não expostas (p<0,05) (Gráfico 1).
Comparando-se o crescimento de fibroblastos de pterígios, assim como de cápsula de Tenon normal, observou-se que, tanto nas culturas de fibroblastos de pterígios, quanto nas de Tenon normal, com ou sem exposição à droga, a quantidade de células que proliferaram foi menor no primeiro dia de observação, com diferença significativa em relação aos demais momentos experimentais (Tabela 1).
DISCUSSÃO
A técnica de cultivo celular permite que se estude o efeito da droga em questão, o tacrolimus, sem a interferência de fatores exógenos, ou seja, a tendência das células de interesse, sem que fatores ambientais possam impedir que se conheça o real efeito de uma medicação que pode ser interessante no tratamento desta afecção que é tão comum em nosso meio.
Porém, o detalhamento da técnica de cultivo precisa ser rigorosamente seguido para que se consiga ter sucesso na proliferação celular, sendo necessário o fornecimento dos meios de cultivo em quantidade e freqüência corretas. Mesmo assim, no presente estudo, a proliferação com crescimento celular para que os espécimes fossem replicados em, no mínimo, três vezes, não foi possível em 100% das amostras.
No presente estudo foram utilizados apenas fibroblastos provenientes de portadores de pterígios recidivados, embora estudo anterior tenha mostrado não haver diferença significativa entre a migração e confluência entre pterígios primários ou recidivados(3).
Entretanto, a quantidade de espécimes foi maior que o que se observa em outros estudos(4-6), provavelmente por causa dos altos custos para a realização das culturas celulares e também por causa da dificuldade que as células fibroblásticas provenientes da conjuntiva possuem em se replicar.
A redução na proliferação celular sob efeito do tacrolimus ocorreu na observação feita 1 dia após a exposição. Depois disso, houve retomada da proliferação celular. Este comportamento pode estar relacionado a dois fatores: o tempo de ação da droga e a concentração utilizada. Vale lembrar que o tempo de ação desta droga, quando administrada via oral no pós-operatório de transplante renal, é de 12 horas. Não existem estudos a respeito do uso tópico na superfície ocular. Sendo assim, como houve redução da proliferação celular no primeiro dia após a exposição, esta deve ser uma droga que necessita de exposições mais freqüentes para que seja mantido o efeito antiproliferativo que foi inicialmente observado.
Estudos em cultura de fibroblastos serão muito importantes para que se conheça, além do efeito da droga sobre a replicação celular, a freqüência com que a droga deve ser usada.
Outro ponto a ser estabelecido seria a concentração ideal da droga para uso tópico. A dose aqui utilizada (1 molar) foi escolhida tendo por base um estudo realizado com cultura de explantes de tecido retiniano de fetos de ratos, onde avaliou-se a taxa de crescimento dos explantes após sua exposição ao tacrolimus(7). Desta forma, concentrações superiores a esta precisam ser testadas para que se conheça a dose inibitória mínima necessária para inibição do crescimento dos fibroblastos conjuntivais, os responsáveis pelo crescimento da lesão conjuntival.
Interessante notar que, tanto as células do pterígio, como as normais, tiveram a mesma resposta à droga.
E por último, a observação de que as células se replicam mais rapidamente no início do experimento, pode ser um indício de que entre o primeiro e o quinto dia após a exérese da lesão, o potencial para crescimento seja maior. Este fato tem confirmação clínica, quando muitas vezes, já no primeiro retorno do paciente, pode-se ver a tendência a recidiva da lesão conjuntival.
CONCLUSÃO
Os fibroblastos provenientes da cápsula de Tenon de pterígios recidivados apresentaram taxa de proliferação significativamente menor no primeiro dia após a exposição ao tacrolimus. Novos estudos devem ser realizados no sentido de se definir dose e tempo de exposição dos fibroblastos à droga, com o intuito de definir se o tacrolimus pode ser útil como tratamento coadjuvante do pterígio.
REFERÊNCIAS
1. Perry HD, Donnenfeld ED. Topical 0,05% cyclosporin in the treatment of dry eye. Expert Opin Pharmacother. 2004;5(10):2099-107.
2. Bhargava A, Jackson WB, El-Defrawy SR. Ocular allergic disease. Drugs Today (Barc). 1998;34(11):957-71.
3. Viveiros MMH, Schellini SA, Rogato S, Rainho C, Padovani CR. Análise do cultivo de fibroblastos de pterígios primários e recidivados e da cápsula de Tenon normal. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(1):57-62.
4. Baldó D BM, Arvelo F, Acevedo M. Estudio biomorfológico en cultivo de fibroblastos obtenidos de pterigión primário y pterigión recidivante tratados con Mitomicina C. Rev Oftalmol Venez. 1998;54(3):28-42.
5. Khaw PT, Ward S, Porter A, Grierson I, Hitchings RA, Rice NS. The long-term effects of 5-fluorouracil and sodium butyrate on human Tenon's fibroblasts. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1992;33(6):2043-52.
6. Yamamoto T, Varani J, Soong HK, Lichter PR. Effects of 5-fluorouracil and mitomycin C on cultured rabbit subconjunctival fibroblasts. Ophthalmology. 1990;97(9):1204-10.
7. Shi YY, Young MJ. Effect of FK-506 on neurite outgrowth in retinal explants [abstract]. Invest Ophthalmol Vis Sci. 1999;40:3861.
Endereço para correspondência:
Silvana Artioli Schellini.
DEP. OFT/ORL/CCP - Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Botucatu (SP) Cep 18618-970
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 30.03.2006
Última versão recebida em 24.10.2006
Aprovação em 24.11.2006
Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista "Júlio Mesquita Filho" - UNESP.