David Leonardo Cruvinel Isaac1; Rodrigo Almeida Vieira Santos1; Marcos Ávila2
DOI: 10.1590/S0004-27492007000100024
RESUMO
Os autores apresentam um caso de distrofia macular em forma-de-borboleta, diagnosticado em paciente do sexo masculino, apresentando concomitante atrofia do epitélio pigmentado da retina e perda visual central em um dos olhos. Os achados relatados contrariam conceitos inicialmente disponíveis de curso sempre benigno da doença. A lesão característica e bem delimitada no pólo posterior e a angiofluoresceinografia, permitiram estabelecer o diagnóstico. Descreve-se ainda, pela primeira vez, os achados da distrofia em forma-de-borboleta à tomografia de coerência óptica.
Descritores: Distrofias hereditárias da córnea; Epitélio pigmentado ocular; Tomografia de coerência óptica; Relatos de casos
ABSTRACT
The authors present a case of butterfly-shaped pattern dystrophy diagnosed in a male patient, with retinal pigmented epithelium atrophy and central visual acuity decrease in one of the eyes. The evolution of this case was not benign as described in previous reports. A well-defined lesion located in the posterior pole of both eyes associated with fluorescein angiography allowed the diagnosis of this pattern dystrophy. Optical coherence tomography was performed, showing the aspects of the pathology, for the first time.
Keywords: Corneal dystrophies, hereditary; Pigment epithelium of eye; Tomography,optical coherence; Case reports
INTRODUÇÃO
Distrofias em padrão do epitélio pigmentado da retina constituem um grupo de doenças maculares, geneticamente herdadas e com apresentação clínica variada, sendo freqüentemente causadas por mutações no gene periferina/RDS (Retinal Degeneration Slow)(1). As formas mais freqüentemente descritas são a distrofia viteliforme do adulto (DVA), distrofia reticular (DR), distrofia em padrão simulando fundus flavimaculatus (DPFFM), fundus pulverulentus (FP) e distrofia em forma-de-borboleta (DFB)(2). Em geral são transmitidas por herança autossômica dominante(3), com exceção descrita à distrofia reticular, que apresenta herança presumidamente recessiva(4).
Clinicamente, caracterizam-se pela presença de depósitos de coloração e disposição variados ao nível do epitélio pigmentado da retina (EPR), bilateralmente. O diagnóstico é realizado através do exame clínico, angiofluoresceinografia e por testes eletrofisiológicos, sendo, em geral, o eletro-oculograma (EOG) subnormal e o eletro-retinograma (ERG), normal(5).
A variante em "forma-de-borboleta" das distrofias em padrão foi inicialmente descrita em 1970, por Deutman et al.(6). Neste subtipo de distrofia, os depósitos no EPR encontram-se dispostos entre 3 a 5 pequenas projeções a partir do centro foveal, adquirindo aspecto semelhante ao de asas de borboleta. Este padrão é melhor evidenciado à angiofluoresceinografia(7).
O diagnóstico é freqüentemente estabelecido na segunda ou terceira décadas de vida, a partir de exame oftalmológico de rotina. Os pacientes são geralmente descritos como assintomáticos, podendo manter visão normal ou discretamente diminuída durante toda a vida(6). Apesar de os achados de Deutman et al.(6) sugerirem que a distrofia em forma-de-borboleta apresenta curso relativamente benigno, estudos recentes descreveram esta doença como crônica e progressiva, podendo estar associada a manifestações como atrofia do EPR macular e neovascularização coroidea, com possível deterioração visual(8-9).
No presente trabalho relatamos o caso de um paciente com distrofia em forma-de-borboleta, com deterioração da visão central em um dos olhos. Descrevemos ainda aspectos observados à tomografia de coerência óptica, método propedêutico de utilização ainda não relatada nesta variante de distrofia em padrão.
RELATO DE CASO
I.F.M., sexo masculino, pardo, 50 anos de idade, procurou assistência oftalmológica para consulta de rotina referindo dificuldades visuais para leitura. Referia ainda diminuição progressiva da acuidade visual ao longo da vida e perda da visão central do olho direito, de maneira progressiva, havia 10 anos. Referia consangüinidade, pais primos em primeiro grau, que havia pessoas na família com dificuldades visuais, porém não soube especificar. Referiu hipertensão arterial controlada, tendo negado outras doenças.
Ao exame oftalmológico apresentava melhor acuidade visual corrigida de 20/400 no olho direito (OD) e 20/70 no olho esquerdo (OE), apresentando equivalente esférico de +0,50 em ambos os olhos (AO). Apresentava exame biomicroscópico normal e PIO de 14 mmHg em AO. Ao exame de oftalmoscopia indireta e biomicroscopia de fundo foram observados depósitos sub-retinianos, de coloração amarelada e com relativo padrão de organização, em toda a mácula (Figura 1). À angiofluoresceinografia observou-se, no OE, padrão clássico de distrofia em forma-de-borboleta com evidenciação das "asas". No OD observou-se perda do padrão anteriormente descrito, pela presença de atrofia do EPR com aparente ponto fibrótico central e hiperfluorescência nas margens da área de atrofia (Figura 2). A tomografia de coerência óptica (OCT) evidenciou aumento da "refletividade" e espessamento da linha composta pelo complexo EPR-Coriocapilar demonstrando anatomicamente a presença dos depósitos naquela topografia (Figura 3). O paciente foi orientado quanto à necessidade de acompanhamento regular e lhe foram prescritos óculos para perto com adição de +4,00 dioptrias, tendo obtido acuidade visual para perto de J2.
DISCUSSÃO
A distrofia em forma-de-borboleta pertence ao grupo de doenças hereditárias reunidas sob a denominação "distrofias em padrão" do EPR. Apresentam, em geral, transmissão autossômica dominante, sendo recentemente adicionado a este conceito a mutação no gene RDS/periferina como causa primordial e freqüente da doença(1,10). No caso relatado não foi realizada investigação genética para identificação da herança e possíveis mutações em seu genótipo. Além disso, a relatada consangüinidade dos pais do paciente e a desinformação sobre casos semelhantes na família dificultaram a correlação da provável herança genética, uma vez que a distrofia reticular de Sjögren pode apresentar fenótipo semelhante e tem herança reconhecidamente recessiva(4).
No caso relatado o diagnóstico foi realizado através do exame clínico, onde foram observados depósitos amarelados ao nível do EPR, e pela angiofluoresceinografia, a qual evidenciou, especialmente no OE, o clássico padrão da distrofia asas de borboleta. Testes eletrofisiológicos não foram realizados, no entanto a associação entre o exame clínico e o clássico padrão da distrofia, observado sobretudo no olho esquerdo, à angiofluoresceinografia, permitiram o diagnóstico. A natureza dos depósitos ao nível do EPR foi elucidada por Zhang et al.(11), em análise histopatológica. Neste estudo confirmou-se que os depósitos sub-retinianos eram constituídos basicamente por lipofuscina, fato este que corrobora com o diagnóstico diferencial das distrofias em padrão com doenças como a degeneração macular relacionada à idade (DMRI) e distrofias outras como o fundus flavimaculatus e a doença de Best. Ao exame de OCT foi observado espessamento do complexo EPR/coriocapilar com preservação da arquitetura retiniana e da coriocapilar, como demonstrado anteriormente por Pierro et al.(12) em série de casos de distrofia viteliforme do adulto, outra forma de distrofia em padrão. Os achados do OCT na distrofia em forma-de-borboleta são aqui relatados pela primeira vez.
Apesar de inicialmente descrita como doença de curso estável e benigno(6), estudos mais recentes demonstram a possibilidade de caráter progressivo das distrofias em padrão. Esta perda visual ocorreria em decorrência do aparecimento de áreas de atrofia ou pelo desenvolvimento de neovascularização coroidea, com incidência variando entre 5 e 50%(1,8,13-16). No presente caso o paciente apresentava no OD área de atrofia do EPR foveal e acuidade visual de 20/400, enquanto que no OE apresentava melhor acuidade visual corrigida de 20/70, sem sinais de alterações maculares que não os depósitos clássicos da distrofia. O paciente relatado apresentava como principal queixa dificuldade visual para perto. Apesar de sua acuidade visual enquadrar-se no conceito de baixa visão, não apresentava queixas visuais para longe. Com adição de +4,00 dioptrias atingiu visão para perto de J2 tendo referido satisfação com a correção. É importante em pacientes com este tipo de doença ocular, observar a possibilidade de baixa visual e a necessidade de adaptação de recursos ópticos de visão subnormal.
A distrofia em forma-de-borboleta constitui entidade rara, assim como as demais distrofias em padrão do EPR. Apesar de pouco freqüentes é necessário que estejamos alertas para este grupo de doenças, principalmente devido a seu diagnóstico diferencial com doenças mais prevalentes, especialmente a DMRI, a potenciais complicações inerentes a sua evolução como o desenvolvimento de neovascularização coroidea e conseqüente perda da função macular.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
David L. C. Isaac
Rua T-38, 929 - Apto. 601 - Setor Bueno - Goiânia (GO)
CEP 74223-040
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 04.01.2006
Última versão recebida em 23.03.2006
Aprovação em 23.06.2006
Trabalho realizado no Centro de Referência em Oftalmologia da Universidade Federal de Goiás - UFG - Goiânia (GO) - Brasil.