Kenji Sakata1; Aloisio Laurindo de M. Figueira2; Ana Cecília Pedriali Guimarães2; Artur José Schmitt2; Luciana Scapucin3; Luis Guilherme Rego Barros3; Nara Delai3
DOI: 10.1590/S0004-27492000000500005
RESUMO
Objetivos: Avaliar a distribuição da espessura corneana central (ECC) e sua relação com a pressão intra-ocular (PIO) em um grupo de pacientes e demonstrar a utilidade da paquimetria para avaliar a PIO em casos selecionados. Métodos: A espessura corneana central foi determinada em 167 pacientes com mais de 40 anos de idade (319 olhos) por meio de paquimetria ultra-sônica. A pressão intra-ocular foi medida com tonômetro de aplanação de Goldmann. Resultados: A ECC média dos 319 olhos foi 0,5173 + 0,0377 mm, sendo o valor máximo 0,656 mm e o mínimo 0,430 mm. A PIO média foi 16,44 + 3,88 mmHg, a pressão máxima 30 mmHg e a pressão mínima 8 mmHg. Foi observada uma regressão linear de 0,13677 nas variáveis analisadas (p=0,0145), não havendo diferença entre sexo e idade. Dividiu-se as observações em dois grupos: grupo I -- PIO £ 21 mmHg -- com 285 olhos que apresentaram uma ECC média de 0,517 + 0,0376; e o grupo II -- PIO > 21 mmHg -- com 34 olhos que apresentaram uma ECC média de 0,519 + 0,0393. Conclusão: Observou-se uma regressão linear entre PIO e ECC, ou seja, quanto maior a ECC maior será a PIO. Demonstrou-se a utilidade da paquimetria corneana na avaliação da PIO daqueles pacientes em que esta estava falsamente aumentada ou diminuída na tonometria de aplanação, direcionando a terapêutica a pacientes realmente portadores de glaucoma.
Descritores: Pressão intra-ocular; Espessura corneana central
ABSTRACT
Purpose: To evaluate the distribution of the central corneal thickness (CCT) and its relationship with the intraocular pressure (IOP) in a group of patients and to demonstrate the usefulness of the pachymeter to evaluate IOP in selected cases. Methods: The central cornea thickness of 167 patients over 40 years old (319 eyes) was determined using ultrasonic pachymetry. The intraocular pressure was measured by the "Goldmann" applanation tonometer.Results: The CCT average of the 319 eyes was 0.5173 + 0.0377mm, the maximum value being 0.656mm and the minimum value 0.430mm. The IOP average was 16.44 + 3.88 mmHg; the maximum pressure 30 mmHg and the mini-mum pressure 8 mmHg. A linear regression of 0.13677 of the analyzed variables (p=0.0145) was observed, with no difference between sex and age. The observations were divided in to two groups: group I -- IOP £ 21 mmHg -- with 285 eyes which presented a CCT average of 0.517 + 0.0376 mm; and group II -- IOP > 21 mmHg -- with 34 eyes which presented a CCT average of 0.519 + 0.0393 mm. Conclusion: A linear regression between IOP and CCT was observed, meaning that the higher the CCT the higher the IOP will be. The usefulness of corneal pachymetry for IOP evaluation was shown in those patients where it was falsely increased or decreased on applanation tonometry, directing therapy towards patients really with glaucoma.
Keywords: Intraocular pressure; Central corneal thickness
INTRODUÇÃO
A pressão intra-ocular (PIO) é utilizada no diagnóstico e controle de muitas patologias oculares, incluindo os diversos tipos de glaucoma. O conceito de glaucoma modificou-se muito nos últimos anos. Atualmente considera-se o glaucoma como uma neuropatia óptica em que a PIO é o seu maior fator de risco e não sua única e exclusiva causa 1. Existem vários aparelhos (tonômetros) que são destinados a medir a PIO, sendo os principais: os tonômetros de indentação, os tonômetros de não contato (sopro de ar) e os tonômetros de aplanação. Dentre estes, o mais utilizado é o tonômetro de aplanação de Goldmann, por ser um método prático e confiável de medida da PIO 1, 2.
Existem vários fatores que influenciam os níveis da PIO (variação diurna, variação postural, movimentos de pálpebras e do olho, influência hormonal e alimentos) e a medida destes níveis (alterações na curvatura mediana corneana e espessura corneana) 1, 3, 4. A tonometria de aplanação de Goldmann é o padrão ouro de medida, mas fornece somente uma estimativa da PIO 5, 6. A precisão depende da utilização de uma técnica correta, dependendo sobretudo da utilização de uma quantidade adequada de fluoresceína 7. Entretanto, erros dependentes da espessura e rigidez corneanas alteradas não podem ser evitados através da utilização deste método5, 6, já que o tonômetro de Goldmann é calibrado para uma espessura corneana central (ECC) de 0,54mm, o que sugere que espessuras acima deste valor poderiam teoricamente alterar a mensuração 20, resultando em valores falsamente aumentados, enquanto espessuras menores resultariam em valores falsamente diminuídos 5-10.
A ECC pode ser medida por métodos ópticos ou através da ultra-sonografia, sendo o último mais confiável 5,8.
O presente estudo visa avaliar a distribuição da ECC e sua relação com a pressão intra-ocular num grupo de pacientes adultos e demonstrar a utilidade da paquimetria corneana no esclarecimento de PIO falsamente aumentada ou falsamente diminuída à tonometria de aplanação, a fim de estabelecer terapêutica adequada aos pacientes realmente glaucomatosos.
PACIENTES E MÉTODOS
Um estudo prospectivo observacional foi realizado de Julho a Outubro de 1998 no Ambulatório de Oftalmologia do Hospital de Clínicas da UFPR. A população avaliada era composta por moradores de asilos e casas de repouso localizadas na cidade de Curitiba.
A população estudada compreendeu um total de 167 pacientes (319 olhos), com idade a partir de 40 anos e de ambos os sexos. Foram excluídos da amostra os olhos que possuíam história pregressa de cirurgia ocular, phtisis bulbi, miras irregulares à tonometria de aplanação ou astigmatismo maior que 4 dioptrias (dp), pois sabe-se que astigmatismos regulares com diferenças maiores ou iguais a 4 dp podem alterar em até 1 mmHg a medida da PIO 1, 11.
Todos os olhos tiveram a pressão intra-ocular aferida através do tonômetro de aplanação de Goldmann, modelo "Haag-Streit", e a espessura corneana central (ECC) mensurada através do paquímetro ultra-sônico da marca Topcon modelo SP-2000P. Todos os olhos foram submetidos a fundoscopia com oftalmoscópio direto e binocular indireto.
Foram considerados valores normais de PIO aqueles inferiores ou iguais a 21 mm Hg 1, 5. Com relação à ECC adotou-se como normal um valor médio de 0,54 mm 1,13.
A medida da PIO era realizada da seguinte maneira: colocava-se o paciente sentado e instilava-se 1 gota de colírio anestésico e fluoresceína 10% em fundo de saco conjuntival, aguardando-se um tempo médio de 10 segundos para se realizar a aferição da PIO. Esta aferição era feita através do toque dos bordos internos dos semicírculos formados ao se tocar o biprisma suavemente no centro da córnea, utilizando-se a luz azul de cobalto. Miras irregulares eram excluídas do estudo. Foram realizadas três medidas da PIO em cada olho, realizadas por um mesmo examinador, sendo utilizada para o estudo a média calculada.
Os pacientes com PIO maior que 21 mmHg ou alterações fundoscópicas suspeitas de glaucoma eram encaminhados a consultas subsequentes para realização de gonioscopia e campo visual, sendo feito tratamento dos pacientes com diagnóstico confirmado de glaucoma.
Os pacientes foram divididos em dois grupos: pacientes com PIO maior que 21mmHg e pacientes com PIO menor ou igual. Correlacionou-se então, a média mais desvio padrão das PIO com a média mais desvio padrão das ECC através do método estatístico de regressão linear.
RESULTADOS
Conforme observamos na tabela 1, a média da espessura corneana central dos 319 olhos avaliados foi de 0,5173 ± 0,0377 mm, sendo os valores máximo e mínimo encontrados 0,656 e 0,430 mm respectivamente.
A média da PIO foi de 16,44 ± 3,88 mmHg, sendo a pressão máxima obtida de 30 e a mínima de 8 mmHg (tabela 1).
Dentre os olhos avaliados, 285 apresentavam PIO £ 21 mmHg, sendo a média da ECC 0,517 ± 0,0376 mm, com valor mínimo de 0,430 e máximo de 0,660 mm. Os 34 olhos restantes apresentavam PIO > 21 mmHg, com uma média da ECC de 0,519 ± 0,0393 mm, sendo o valor mínimo de 0,440 e o máximo de 0,620 mm (tabela 2).
Observou-se uma correlação linear de 0,13677 entre as variáveis analisadas (p=0,0145), ou seja, quanto maior a espessura corneana central mais alta a pressão intra-ocular. (gráfico 1)
DISCUSSÃO
O valor de normalidade de PIO é baseado nos estudos de Leydhecker e cols 12 onde consideram-se normais pressões de 15,5 ± 2,6 mmHg, aceitando-se como limites de normalidade dois desvios padrões acima e abaixo deste valor. Portanto o valor limite superior é de 21mmHg 12.
O tonômetro de Goldmann é calibrado para medir a PIO em uma espessura corneana central média de 0,54 mm, utilizando-se uma área de aplanação de 3,06 mm. Com estes parâmetros a quantidade de humor aquoso deslocado é de cerca de 0,50mm 3, e a pressão medida no tonômetro é matematicamente semelhante à PIO real (antes do deslocamento) pois tal volume de humor aquoso é praticamente desprezível 13.
Dentro de variáveis que podem influenciar na medida da PIO, a avaliação da ECC é fundamental 12, 3. Córneas espessas (com fibrilas de colágeno aumentadas), podem resultar em medidas falsamente aumentadas, e córneas delgadas em medidas falsamente diminuídas. Desta forma, considerando um olho com uma PIO verdadeira de 20 mmHg, aferida por um catéter intra-ocular acoplado a um manômetro, e com uma ECC de 0,45 mm, ao tonômetro de aplanação apresentará uma PIO de 14,8 mmHg (subestimação da PIO de 5,2 mmHg); por outro lado, um olho com uma ECC no valor de 0,59 mm ao tonômetro de aplanação apresentará uma PIO de 24,7 mmHg (superestimação da PIO de 4,7 mmHg) 8.
Assim, pode-se explicar alguns casos de glaucoma de baixa tensão e hipertensão ocular, baseando-se no erro de estimativa da PIO devido à espessura corneana anormal 3, 6, 8, 11, 14. Isto tem a sua importância nos indivíduos com alta miopia que apresentam uma espessura corneana central menor que indivíduos emétropes16 e principalmente, pelo crescente número de pacientes submetidos a cirurgias refrativas, que levam a diminuição da ECC.
Nos resultados encontrados, observou-se uma correlação linear entre PIO e ECC (gráfico I), demonstrando-se, também, a necessidade da avaliação da ECC ao se determinar a PIO do paciente com um método propedêutico básico para o diagnóstico de glaucoma. Portanto, a ECC pode influenciar no resultado (valor numérico) da PIO quando se utiliza o tonômetro de aplanação de Goldmann para a sua aferição 5-7, 14, 15.
CONCLUSÃO
Observou-se uma correlação linear entre a pressão intra-ocular (PIO) e a espessura corneana central (ECC), ou seja, quanto maior a ECC mais alta a PIO.
A ECC aumentada pode levar à aferição de uma PIO erroneamente aumentada através do tonômetro de aplanação de Goldmann. Por outro lado, uma ECC diminuída pode produzir uma subestimação na mensuração da PIO, fato que não deve ser esquecido nos pacientes submetidos a cirurgia refrativa.
A paquimetria corneana deve ser considerada quando da avaliação da necessidade terapêutica para pacientes com PIO alterada mas sem sinais de glaucoma, bem como pacientes com fundo de olho compatível com glaucoma e piora progressiva do campo visual, apresentando PIO em níveis dentro da normalidade.
Portanto, o oftalmologista deve estar atento à medida da ECC, podendo utilizá-la como método propedêutico para avaliação da PIO em casos selecionados.
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Trabalho realizado tendo como base dados provenientes do "Projeto Glaucoma" ¾ Projeto de Extensão Universitária ¾ UFPR. O Projeto Glaucoma conta com o apoio de: Rotary Club ¾ Cristo Rei; Laboratórios Allergan-Frumtost; Pró-Reitoria de Extensão e Cultura ¾ UFPR.
Cada autor declara que ele/ela não possui interesse financeiro no desenvolvimento ou marketing dos (instrumentos, medicação) referidos no estudo.
(1) Responsável pelo Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmo-Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas ¾ UFPR.
(2, 3, 4)Acadêmicos do 6° ano do Curso de Medicina ¾ UFPR.
(5) Residente do 1° ano de Oftalmologia do Hospital das Clínicas - UFPR.
(6,7) Residentes do 2° ano de Oftalmologia do Hospital das Clínicas - UFPR.
Endereço para correspôndencia: Dr. Kenji Sakata R. Itupava, 1428. Alto da Rua XV. Curitiba (PR) CEP 80040-000 e-mail: [email protected]