Procópio Miguel dos Santos1; Cinthia Mendonça de Melo2; Suy Anne Rebouças Martins3; Adriano de Almeida Chaves; Débora Silva Pires de Sá4; Regina Cândido Ribeiro dos Santos5
DOI: 10.1590/S0004-27492006000600022
RESUMO
OBJETIVO: Investigar a microbiota fúngica de pacientes portadores de hanseníase residentes no hospital-colônia e seus comunicantes. MÉTODOS: Foram estudados por meio da cultura em meio de ágar-Saboraud-dextrose, o material do fórnice conjuntival, de sessenta e um pacientes portadores de hanseníase, residentes no hospital-colônia de Goiânia e 25 indivíduos que residiam ou trabalhavam com os referidos pacientes, no mínimo há cinco anos. RESULTADOS: Nos portadores de hanseníase foram isolados fungos da conjuntiva de 12 pacientes (19,67%), sendo o gênero Candida o mais isolado, e no grupo controle de 5 indivíduos (20%), em que o gênero mais isolado foi Penicillium spp. CONCLUSÃO: Candida foi o gênero predominante na flora conjuntival dos portadores de hanseníase: fato que poderia ser explicado pela imunodeficiência celular que estes pacientes apresentam, além do olho seco e uso prolongado de antibiótico.
Descritores: Infecções oculares fúngicas; Conjuntiva; Hanseníase
ABSTRACT
PURPOSE: To study the conjunctival fungal flora of patients with leprosy who live in the colony hospital and of those who deal with "Hansen" patients. METHODS: Sixty-one eyes (61 patiets) with Hansen's disease and twenty-five heathy eyes (25 individuals) of individuals who deal with patients were investigated. RESULTS: Conjunctival fungi growth occurred in 19.67% and 20% of the patients and healthy individuals, respectively. There was no significant difference (p<0.05) regarding fungi percentage of fungi isolated from the conjunctiva between both groups. Candida ssp was the most frequent fungus isolated from the conjunctiva of patients with Hansen's disease, whereas Penicillium spp was the most frequent fungus isolated from the group of people who deal with these patients. CONCLUSION: The most frequent yeast isolated from conjunctival samples of leprosy patients was Candida, which could be explained by cellular immunodeficiency of these patients, associated with dry eye and the prolonged use of antibiotics.
Keywords: Eye infections, fungal; Conjunctiva; Leprosy
INTRODUÇÃO
A hanseníase é uma doença infecto-contagiosa de transmissão interpessoal, por meio do convívio com doentes acometidos por formas contagiantes (virchowiana ou dimorfa) e que não foram submetidos a tratamento. Admite-se que o tempo médio de incubação seja de 2 a 5 anos. Estima-se que existem de 12 a 14 milhões de pessoas acometidas pela hanseníase, a maioria delas residem em países em desenvolvimento, principalmente equatoriais em especial na África, Ásia e América do Sul(1).
A cada ano são detectados em torno de 600 mil novos casos. Entre os 79 países considerados endêmicos para a doença de Hansen, o Brasil destaca-se como o segundo maior país endêmico do mundo. Isoladamente o Brasil é responsável por cerca de 7% (158.334) da casuística mundial(2).
O diagnóstico da hanseníase é feito basicamente pela presença de lesões de pele com alterações de sensibilidade, baciloscopia positiva para o Mycobacterium leprae e/ou acometimento de nervos com espessamento neural(3-4).
O envolvimento ocular em portadores de hanseníase ocorre mais freqüentemente na forma virchowiana e tem relação com a duração da doença. A prevalência de manifestações oculares na hanseníase está relacionada à resistência do paciente ao bacilo, época do início e tipo de tratamento utilizado(3).
Infecções micóticas podem comprometer todas as estruturas externas e internas do olho. O saco conjuntival, em virtude da exposição externa e sua continuidade com a pele, apresenta microbiota bacteriana normal e fúngica transitória. A microbiota conjuntival pode ser fonte de processos infecciosos quando o equilíbrio entre os processos de defesa está rompido(5).
Sabe-se que a microbiota bacteriana e micótica da conjuntiva ocular de indivíduos sadios permanece em equilíbrio que pode ser alterado por alterações da imunidade presente principalmente em doenças crônicas, uso de corticoterapia e antibioticoterapia tópica, facilitando o crescimento de fungos e tornando o tecido corneano mais susceptível a invasão destes microorganismos(6-10).
O objetivo desta pesquisa foi estudar a microbiota fúngica de portadores de hanseníase residentes no hospital-colônia e de seus comunicantes.
MÉTODOS
Foram colhidas amostras de material do fórnice conjuntival de 61 pacientes (61 olhos) não selecionados, portadores de hanseníase já tratados, residentes em hospital-côlonia de Goiânia (GO), com a forma virchowiana; e 25 indivíduos (25 olhos) que residiam na Colônia ou trabalhavam com os referidos pacientes por no mínimo 5 anos e que não apresentavam sinais clínicos de hanseníase, nem baciloscopia positiva para o Mycobacterium leprae.
Para colheita utilizou-se zaragatoas alginatadas e estéreis, e o material foi semeado em placas de Petri com 15 ml de ágar-Saboraud-dextrose, com gentamicina. As placas foram conservadas à temperatura ambiente por 28 dias.
Características macroscópicas e microscópicas dos cultivos permitiram a identificação de grande parte dos fungos. Quando necessário foram feitos cultivos em lâminas, provas fisiológicas e bioquímicas para identificação dos mesmos. As placas foram examinadas e identificadas na Seção de Microbiologia Ocular do Laboratório de Patologia clínica do HBDF pela mesma pessoa com grande experiência neste tipo de identificação.
Foi aplicado o teste de Fischer(11) para análise estatística dos dados. Para comparar o número de fungos foi aplicada a análise de variâncias por postos de Kruskal-Wallis(11).
RESULTADOS
O grupo dos pacientes portadores de hanseníase consistiu-se de 39 homens e 22 mulheres, cuja faixa etária variou dos 18 aos 84 anos (média de 54 anos e 9 meses). Destes, 22 eram brancos, 30 mulatos e 9 negros. Todos os pacientes eram da forma clínica virchowiana. A duração da doença variou de 5 a 65 anos (média de 26 anos e 3 meses).
O grupo controle consistiu de 10 homens e 15 mulheres, com faixa etária entre 14 e 80 anos (média de 35 anos e 9 meses). Destes 16 eram brancos, 8 mulatos e 1 negro.
A porcentagem de fungos isolados na conjuntiva foi de 19,67% (12 pacientes) nos portadores de hanseníase e de 20% (5 indivíduos) nos indivíduos comunicantes.
Não houve diferença estatisticamente significante (p=0,207 {p>0,05}) quanto à proliferação de fungos na conjuntiva ocular dos portadores de hanseníase e dos indivíduos comunicantes.
A tabela 1 e gráfico 1 mostra o número e a freqüência de fungos isolados em ambos os grupos. Os fungos do gênero Candida foram os mais isolados nos portadores de hanseníase (4 casos). Em segundo lugar isolou-se Aspergillus spp e Penicillium spp (2 casos). Já no grupo dos comunicantes, os fungos mais isolados foram Penicillium spp e Cladosporium spp (2 casos).
DISCUSSÃO
A freqüência de fungos encontada na conjuntiva de portadores de hanseníase foi de 19,67%; bastante semelhante a dos indivíduos do grupo controle (comunicantes), ou seja, 20%, embora no grupo de hansenianos tenha prevalecido as leveduras e nos comunicantes os filamentosos.
A exposição quase permanente da conjuntiva ao meio externo é, talvez, a razão mais lógica para explicar a existência de uma flora micótica na conjuntiva sadia, variável segundo a procedência dos indivíduos e sua ocupação(4-7,9-10,12).
Os achados da presente pesquisa podem ser explicados em parte, pelo fato de ambos os grupos terem sido selecionados dos mesmos ambientes, tanto pacientes como indivíduos do grupo controle que residiam ou trabalhavam na Colônia Santa Martha.
No Brasil a freqüência de fungos isolados da conjuntiva de indivíduos sadios tem variado de zero por cento(8), a 4,2%(9), 15%(12), 18,92%(13), 20%(14), 25%(15), 38%(16) a 72%(17).
O achado de 20% de pesquisa positiva para fungos na conjuntiva de indivíduos sadios é semelhante ao de Santos et al.(13-14) em estudos feitos da microbiota fúngica da conjuntiva de indivíduos sadios residentes nas cidades de Goiânia e de São Paulo, respectivamente.
A investigação da microbiota fúngica da conjuntiva dos comunicantes, neste estudo, revelou Penicillium spp e Cladosporium spp como os mais freqüentes. Houve concordância em figurarem entre os quatro gêneros de fungos mais freqüentemente isolados de indivíduos sadios por Costa et al.(15).
Entre os autores, as diferentes porcentagens de fungos isolados da microbiota conjuntival normal estão relacionados a fatores diversos tais como: diferentes condições higiênicas pessoais e gerais da população avaliada, condições climáticas diferentes e vegetação própria de cada região, zona urbana ou rural(12-18) e a influência do padrão socioeconômico demonstrado por Olson(19) que encontrou 85% de incidência de fungos nos indivíduos de pior padrão socioeconômico e 36% nos indivíduos de melhor padrão.
Candida spp foi o gênero predominante (6,56% do total de fungos isolados) na flora conjuntival de portadores de hanseníase. Fungos de menor virulência como a Candida ssp ocorrem em pacientes com síndrome de Sjogren, eritema multiforme, endocrinopatia, alcoolismo, hipovitaminose e imunodeficiência(4). Os portadores de hanseníase possuem uma imunodeficiência celular, é possível que a situação de imunodepressão, principalmente celular, seja o fator predisponente para a predominância do referido agente na microbiota fúngica de portadores de hanseníase, no presente estudo(12).
O uso de antibióticos sistêmicos, especialmente os de amplo espectro, predispõe ao maior crescimento de Candida, pois suprime o crescimento da flora bacteriana normal. Os pacientes portadores de hanseníase normalmente fazem uso de antibióticos e quimioterápicos, podendo explicar a maior freqüência de Candida spp isolada nos portadores da doença de Hansen, observada neste estudo(10).
Para alguns autores(6-7,9-10,12-13) a positividade e o gênero de fungos encontrados na conjuntiva são variáveis, existindo dificuldade de isolar o mesmo fungo quando repetido os exames em épocas diferentes no mesmo indivíduo. Santos et al.(14) estudaram a variação sazonal da microbiota fúngica em indivíduos sadios, com AIDS e HIV soro-positivo, e não foi possível isolar o mesmo fungo desses indivíduos nas diferentes estações do ano(6-10,12-14).
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência:
Procópio Miguel dos Santos
HIGS - 704 - Bl. B - Casa 28
Brasília (DF) CEP 70331-752
E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 04.04.2005
Última versão recebida em 21.05.2006
Aprovação em 19.06.2006
Trabalho realizado no Hospital-Colônia Santa Martha - Goiânia (GO) - Brasil e no Laboratório de Patologia Clínica do Hospital de Base do Distrito Federal - HBDF - Brasília (DF) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Erika Alessandra Silvino Rodrigues sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.