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Editorial

Dacriocistorrinostomia transcanalicular com laser diodo: resultados preliminares

Transcanalicular laser-assisted dacryocystorhinostomy: initial results

Ricardo Tomoyoshi Kanecadan1; Leila Maria Alexandrino Marciano Pinto2; Eduardo Vagner Nascimento3; Pedro Paulo Werner4; Alexandre Urtiga de Vargas5

DOI: 10.1590/S0004-27492006000500014

RESUMO

OBJETIVO: Descrever a técnica e os resultados iniciais da dacriocistorrinostomia com laser diodo, realizada pela via transcanalicular. MÉTODOS: Dez pacientes com diagnóstico de obstrução lacrimal baixa foram submetidos à dacriocistorrinostomia com laser diodo, realizada pela via transcanalicular. A via lacrimal foi entubada com silicone, onde deveria permanecer por 6 meses. RESULTADOS: Todas as dez cirurgias foram realizadas sem intercorrências. Um paciente apresentou saída do tubo de silicone, um dia após a cirurgia. Após uma semana, os outros nove, relataram desaparecimento da epífora. Durante o primeiro mês de seguimento, mais um paciente apresentou perda do tubo de silicone e outro voltou apresentar epífora, por obstrução da fístula lacrimonasal. CONCLUSÕES: A dacriocistorrinostomia assistida por laser diodo, realizada pela via transcanalicular, é novo método para tratamento da obstrução das vias lacrimais. Com o desenvolvimento desta técnica espera-se aumento no índice de sucesso cirúrgico, tanto imediato como a longo prazo.

Descritores: Dacriocistorrinostomia; Obstrução dos ductos lacrimais; Ducto nasolacrimal; Doenças do aparelho lacrimal

ABSTRACT

PURPOSE: To describe the technique and initial results of laser-assisted dacryocystorhinostomy performed through the canaliculi. METHODS: Ten patients with nasolacrimal duct obstruction underwent transcanalicular laser-assisted dacryocystorhinostomy. A silicone tube was inserted through the canaliculi and the ostium into the nasal cavity where it will be kept for 6 months. RESULTS: All ten operations were performed without negative occurrences. One patient presented displacement of the silicone tube one day after surgery. Nine of the ten patients reported disappearance of epiphora at the end of the first week following surgery. During the first month, one of these patients presented with epiphora due to obstruction of the lacrimal-nasal fistula and another lost the silicone tube in the first month following surgery. CONCLUSIONS: Transcanalicular laser-assisted dacryocystorhinostomy is a potentially useful method to perform dacryocystorhinostomy.

Keywords: Dacryocystorhinostomy; Lacrimal duct obstruction; Nasolacrimal duct; Lacrimal apparatus diseases


 

 

INTRODUÇÃO

O princípio da dacriocistorrinostomia (DCR) é criar uma fístula entre a via lacrimal e a cavidade nasal. A DCR externa foi descrita pela primeira vez por Toti, em 1904(1), e modificada em 1921 por Dupuy-Dutemps e Bourguet(2). Nesta técnica o acesso à via lacrimal, onde se realizará a fístula lacrimonasal, faz-se através da pele.

A primeira descrição da DCR endonasal foi feita por Caldwell em 1893(3) e modificada por West em 1910(4) e por Halle, em 1914(5). Esta técnica era realizada de forma limitada devido à dificuldade de definição visual das estruturas internas do nariz durante a intervenção. O desenvolvimento do endoscópio nasal rígido facilitou o acesso intranasal. Um estudo foi realizado em cadáver humano em 1988(6) e o primeiro estudo clínico foi publicado em 1989(7). Massaro, Gonnering e Harris em 1990(8), foram os primeiros a fazer uso do laser para criação da fístula nasolacrimal, utilizando laser de argônio. Desde então, diferentes sistemas de laser foram utilizados para estudo e tratamento clínico(9-14).

Em 1992, Christenbury(15) descreveu uma técnica para se formar a fístula lacrimonasal com laser de argônio, utilizando como acesso a via transcanalicular, obtendo índice de sucesso de 50%. Outros lasers(16-21) e, mais recentemente, o Potassium Titanyl Phosphate: YAG (KTP:YAG) laser(22) foram utilizados com índice de sucesso de 83,3%.

O objetivo deste trabalho foi descrever a técnica de DCR transcanalicular usando o laser diodo e apresentar os resultados preliminares de dez casos.

 

MÉTODOS

Foram operados 10 pacientes (4 homens e 6 mulheres), com idade variando de 29 a 59 anos, que procuraram atendimento no ambulatório de Plástica Ocular do Hospital Oftalmológico de Sorocaba, durante o ano de 2003. Os pacientes, que se queixavam de epífora, tiveram o diagnóstico de obstrução baixa das vias lacrimais confirmado pelo teste do desaparecimento do corante (teste de Milder), sondagem, irrigação e dacriocistografia. No teste de Milder os resultados foram positivos (retenção), na sondagem apresentaram acesso livre ao saco lacrimal (hard stop), na irrigação nenhum paciente referiu saída de líquido pela nasofaringe e na dacriocistografia (DCG) imagem compatível com obstrução. Previamente à cirurgia, cada paciente, após ter sido informado sobre o procedimento, consentiu formalmente na execução, assim como o protocolo deste trabalho foi submetido à Comissão de Ética da Instituição que de modo formal aprovou sua realização.

O acompanhamento foi semanal no primeiro mês e mensal no segundo.

Foi considerado como bom resultado cirúrgico o desaparecimento da epífora e outros sinais de dacriocistite durante todo acompanhamento dos pacientes.

Técnica cirúrgica

Todos os pacientes foram operados pelo mesmo cirurgião sob anestesia local com gotas de cloridrato de proparacaína no olho e na região do saco lacrimal infiltração com mistura de cloridrato de bupivacaína 0,5% com adrenalina e lidocaína 2% (na proporção de 1:1). A mucosa nasal foi anestesiada inserindo-se um tampão de algodão embebido em lidocaína 2% com adrenalina (1:200.000). Os pontos lacrimais, superior e inferior, e seus canalículos foram dilatados usando-se dilatadores de ponto e sondas lacrimais. Uma fibra óptica (sílica) de 0,6 mm de diâmetro foi inserida através do canalículo inferior até a parede óssea da fossa lacrimal. O tampão nasal foi removido e inspecionada a cavidade nasal. A inspeção e todo procedimento, descrito a seguir, foram realizados sob visão vídeo-endoscópica.

A fibra óptica foi adequadamente posicionada pela visão de sua ponta iluminada na área do corneto médio. Conectada então ao laser diodo, que foi aplicado, utilizando-se o modo contínuo com 12W de potência, atravessando-se sucessivamente a parede do saco lacrimal, o periósteo, o osso lacrimal e a mucosa nasal, formando-se um pertuito. Mantendo-se os mesmos parâmetros, a abertura inicial foi ampliada, aplicando-se novamente o laser em suas margens. Usando-se uma sonda lacrimal nº 00, de 12 cm de comprimento, com uma das extremidades em oliva e a outra acoplada a um tubo de silicone, procedeu-se a entubação bicanalicular, passando-se as duas extremidades do silicone através da rinostomia para a cavidade nasal, sendo estas anotadas.

Os pacientes foram orientados a usar colírio, associação de dexametasona e tobramicina, de 6 em 6 horas pelo período de duas semanas. A previsão para a retirada do tubo de silicone foi de 6 meses(23-24).

Sistema do laser

O laser utilizado neste estudo foi o laser diodo de 940 nm (Dornier MedTec, modelo Medilas D), operado no modo contínuo, com 12W de potência. O feixe de laser é transmitido através de fibra óptica de sílica-sílica, flexível, com diâmetro de 0,6 mm.

 

RESULTADOS

As dez cirurgias foram realizadas sem intercorrências. Nos três primeiros casos a entubação foi feita com dificuldade, uma vez que não se utilizou a sonda acoplada de modo adequado ao tubo de silicone. Entretanto, nos demais casos, com o uso de sonda apropriada, o processo se deu sem maiores dificuldades. Apesar disso todos os pacientes tiveram o tubo devidamente colocado.

Os resultados cirúrgicos estão descritos na tabela 1. No acompanhamento pós-operatório um paciente apresentou extrusão do tubo de silicone um dia após a cirurgia. No primeiro momento de avaliação pós-operatória, os outros nove pacientes relataram desaparecimento da epífora. Um mês após a cirurgia um paciente voltou a apresentar epífora e de outro saiu o silicone.

 

 

No presente trabalho o sucesso cirúrgico foi de 90% após uma semana e de 70% após um mês.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo obteve-se 90% de sucesso após uma semana da cirurgia e outros autores(24) 71,4 com 10 dias. Analisando-se possíveis fatores que possam ter contribuído para essa diferença de resultados apontamos o número de fístulas criadas em cada método, o tipo de laser usado e o modo de aplicação selecionado para o laser (contínuo ou pulsado), porém merecem uma melhor análise.

Com trinta dias 70% dos pacientes do presente estudo tiveram resolução da epífora diminuindo para 64% o sucesso após 18 meses(24).

As causas relacionadas aos insucessos foram pela saída não programada do tubo de silicone, o fechamento da fístula por reação inflamatória intensa da mucosa nasal, com edema tecidual e grande quantidade de secreção.

A realização da técnica de dacriocistorrinostomia transcanalicular por laser diodo (DCR TC) só se tornou possível pelo surgimento da fibra óptica. A fibra usada neste estudo é uma fibra de contato, ou seja, somente transmite o laser para os tecidos quando em contato direto, sendo que esta transmissão acontece exclusivamente por sua ponta. A flexibilidade que ela apresenta permite que se amolde e transite com facilidade pelas mais diversas cavidades naturais. Sua capacidade de liberar energia somente pela extremidade, a torna ferramenta de extrema precisão, permitindo levar o laser a pontos específicos e de difícil acesso.

Na DCR transcanalicular a fibra óptica é introduzida pelo ponto lacrimal, avança pelo canalículo, adentra no saco lacrimal e entra em contato com a sua parede. Como esta fibra apresenta uma ponta iluminada que se transforma numa mira visível por transiluminação na cavidade nasal, mostrando com exatidão o ponto onde se encontra e permitindo assim definir o melhor local para se criar a fístula lacrimonasal. Como a perfuração é feita a partir da própria via lacrimal, eventuais dificuldades em acessá-la a partir do nariz são evitadas.

A possibilidade de se concentrar a energia em uma extremidade de pequena dimensão, com 0,6 mm de diâmetro, faz com que o laser seja aplicado precisamente no local de interesse e impedindo que tecidos adjacentes sejam lesados tornando o procedimento pouco traumático. Junte-se a isso, o fato de que a energia liberada pelo laser é alta, permitindo realizar a perfuração nos tecidos com rapidez.

A análise de todas estas características da DCR transcanalicular permite dizer que ela apresenta várias vantagens potenciais. O fato da criação da fístula ser feita de modo rápido e pouco traumático permite a realização do procedimento sob anestesia local, como feito neste estudo, tornando-se alternativa em pacientes com contra-indicação à anestesia geral.

Conseguindo acessar, com muita facilidade, a interface da via lacrimal com a cavidade nasal através do uso de uma via natural, evitamos o acesso externo que além de se realizar com técnica mais traumática pode levar a uma cicatriz aparente.

O fato de iniciarmos a fístula por dentro da própria via lacrimal torna o procedimento possível também em sacos lacrimais pequenos ou atróficos. Nestes tipos de sacos o índice de sucesso, nas técnicas nasais, é de 29%, ao passo que em sacos normais ou grandes chega a 82%(23). Por influência deste mesmo fator nos casos de alterações anatômicas da cavidade nasal como desvio de septo, hipertrofia dos cornetos e sangramentos nasais, a realização da DCR fica facilitada.

Com a propriedade do laser de simultaneamente cortar e cauterizar obtém-se uma técnica com menor risco de sangramento durante e após o procedimento.

 

CONCLUSÃO

A dacriocistorrinostomia transcanalicular com laser diodo configura-se em procedimento cirúrgico de fácil execução, sem maior morbidade, realizado ambulatorialmente sob anestesia local e cujos resultados iniciais mostram-se promissores.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Dr. Paulo E. C. Dantas pela revisão final deste trabalho e ao Dr. José A. Pinto.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Ricardo Tomoyoshi Kanecadan
Rua Boa Vista, 63 - 11º andar
São Paulo (SP) CEP 01014-00
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 30.03.2005
Última versão recebida em 05.02.2006
Aprovação em 01.03.2006

 

 

Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência dos Drs. João Amaro Ferrari Silva e Joelice dos Santos Araújo sobre a divulgação de seus nomes como revisores, agradecemos sua participação neste processo.


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