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Editorial

Mitomicina C colírio como tratamento para granuloma piogênico em cavidade anoftámica

Mitomicyn C eye drops as alternative treatment for pyogenic granuloma in anophthalmic socket

Hérika Danielle de Miranda Santos1; Thatiana Almeida Pereira Fernandes2; Cristiano Menezes Diniz3; Wellington Tadeu Montenegro4; Ana Rosa Pimentel Figueiredo5

DOI: 10.1590/S0004-27492006000500012

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a eficácia do uso tópico de colírio de mitomicina C 0,02% (MMC 0,02%) no tratamento de pacientes com granuloma piogênico em cavidade anoftálmica. MÉTODOS: Seis pacientes portadores de granuloma piogênico em cavidade anoftálmica foram submetidos ao tratamento com mitomicina C 0,02% instilada quatro vezes ao dia durante ciclos quinzenais e intervalo de 15 dias entre os ciclos. Os pacientes foram acompanhados semanalmente. RESULTADOS: Foram acompanhados seis pacientes dos quais um apresentou resolução do granuloma piogênico ao final do primeiro ciclo de uso da MMC 0,02%. Em dois pacientes a MMC 0,02% foi eficaz na resolução da lesão após a segunda semana de tratamento (primeiro ciclo). Dois pacientes apresentaram resolução completa do granuloma piogênico na quinta semana de uso da MMC 0,02% (início do segundo ciclo). Este fármaco foi ineficaz em apenas um paciente que persistiu com a lesão após dois ciclos de tratamento. Não foram observadas complicações decorrentes do uso de MMC 0,02% em nenhum dos pacientes. CONCLUSÃO: A MMC 0,02% tópica mostrou-se eficaz no tratamento de granuloma piogênico em cavidade anoftálmica, entretanto, diante de casuística pequena, torna-se necessário estudo mais amplo, comparando a eficácia da MMC 0,02% com drogas já utilizadas no tratamento desta lesão, tais como os esteróides e antimetabólicos.

Descritores: Mitomicina; Granuloma piogênico; Cavidade anoftalmia; Inflamação

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the efficacy of mitomycin C eye drops 0.02% concentration (0.02% MMC) in pyogenic granuloma in anophthalmic socket. METHODS: Six patients who presented pyogenic granuloma were treated with 0.02% MMC four times a day in fifteen-day cycles with intervals of fifteen days between each cycle. The patients were observed every week. RESULTS: Among the six studied patients, one presented a complete resolution of the pyogenic granuloma after a ten-day treatment with 0.02% MMC that is, before the end of the first cycle. In two patients, the treatment was successful after two weeks using 0.02% MMC (one complete cycle). In other two patients, the resolution of the lesion occurred after five weeks that is, at the beginning of the second cycle. 0.02% MMC was not successful in only one patient whose lesion persisted after two cycles of the treatment. None of the patients presented complications after the use of 0.02% MMC. CONCLUSION: The topical use of 0.02% MMC proved efficacy in the treatment of anophthalmic socket pyogenic granuloma. A small number of patients took part in this study, therefore another randomized and comparative research is necessary in order to compare the efficacy of 0.02% MMC with other drugs such as corticosteroids and antimetabolites.

Keywords: Mitomycin; Granuloma, pyogenic; Anophthalmos; Inflammation


 

 

INTRODUÇÃO

A mitomicina C (MMC) é um agente alquilante inibidor da síntese de DNA dependente do RNA, da síntese protéica em células de crescimento rápido e da proliferação fibroblástica(1-2) ao nível episcleral. Seu mecanismo de ação mimetiza a radiação ionizante com uma ação que se prolonga após a interrupção do tratamento(3-4).

A MMC tópica diluída atualmente vem sendo utilizada em oftalmologia no pré-operatório da exérese de pterígios recidivados(5-7), como coadjuvante em casos selecionados de trabeculectomias(8-12), como modulador em cirurgias refrativas(4), no tratamento das neoplasias intra-epiteliais corneanas(13), da melanose conjuntival primária adquirida com atipia(14-15), nas cirurgias de dacriocistorrinostomias(16-17) e na atenuação dos períodos de exacerbação da ceratoconjuntivite primaveril(18). Um estudo recente realizado pelo Serviço de Córnea, Doenças Externas Oculares, Catarata e Cirurgia Refrativa do Hospital São Geraldo – UFMG, confirmou a eficácia da MMC 0,02% no tratamento de granulomas piogênicos córneo-conjuntivais(19). Este trabalho, por sua vez, vem testar a eficácia da MMC tópica na concentração de 0,02% no tratamento de granuloma piogênico em cavidades anoftálmicas, ainda não descrito na literatura.

Contudo, a toxicidade da MMC representa uma das maiores preocupações em relação ao seu uso em oftalmologia e será também abordada neste estudo. Por outro lado, um trabalho(20) revela que o uso da MMC subconjuntival, na cabeça do pterígio, um mês antes da sua excisão, oferece bons resultados sem grandes complicações.

Baseando-se na ação inibitória da síntese de fibroblastos, na inibição da multiplicação celular pela MMC e na sua eficácia comprovada em várias áreas da oftalmologia, este estudo tem por objetivo avaliar a resposta ao uso tópico desta droga na concentração de 0,02% em pacientes com granulomas piogênicos em cavidades anoftálmicas, local onde a conjuntiva apresenta particularidades que serão abordadas posteriormente neste estudo.

 

MÉTODOS

Seis pacientes sendo quatro mulheres e dois homens, com idade entre 13 a 85 anos (média de 47,9 anos), atendidos no Serviço de Plástica Ocular, Órbita e Vias Lacrimais do Hospital São Geraldo - UFMG.

Os critérios de inclusão deste estudo envolveram indivíduos portadores de lesões clinicamente compatíveis com granuloma piogênico em cavidade anoftálmica, independente da faixa etária, sexo ou das condições da cavidade. Todos os pacientes foram esclarecidos quanto à natureza e efeitos do colírio de MMC e autorizaram a utilização do mesmo através de um termo de consentimento.

Dentre os seis pacientes, quatro foram submetidos à evisceração conseqüente a endoftalmite e dois à enucleação devido a tumor intra-ocular e trauma penetrante.

Quatro usavam a mesma prótese por um período superior a três anos, dos quais três apresentavam uma estética insatisfatória e um razoável. Dois pacientes não eram usuários de prótese.

Clinicamente, nos quatro pacientes eviscerados não foi observada qualquer alteração de fórnice. Entretanto, os dois pacientes enucleados e não usuários de prótese apresentavam algum grau de retração de fórnices.

Em todos os casos, o granuloma piogênico não era uma lesão recidivante, tendo os fórnices inferior e lateral como as principais localizações.

Todos os pacientes do estudo apresentavam sinais inflamatórios de intensidade variada nas cavidades avaliadas. Dentre os sintomas mais comuns, destacaram-se a sensação de corpo estranho e o lacrimejamento. Apenas um paciente permaneceu assintomático.

Os pacientes foram submetidos ao uso tópico de MMC 0,02% instilada quatro vezes ao dia, em ciclos de 15 dias cada, com pausa quinzenal entre os mesmos, num total máximo de três ciclos. Todos os frascos dos colírios utilizados na pesquisa foram fabricados numa mesma farmácia de manipulação sob supervisão de um único farmacêutico capacitado.

Durante o uso da MMC 0,02%, todos os pacientes foram avaliados semanalmente, verificando-se a presença de sintomas, além das dimensões das lesões através de biomicroscopia e fotodocumentação. Após conclusão do tratamento e resolução completa da lesão, os pacientes continuaram acompanhamento com freqüência mensal.

 

RESULTADOS

Todos os pacientes apresentaram melhora da sintomatologia e redução das dimensões das lesões constatada à biomicroscopia.

Um paciente evoluiu com resolução completa do granuloma piogênico após dez dias de uso da MMC 0,02%, antes do término do primeiro ciclo (Figura 1, antes e Figura 2, após o tratamento). Após a segunda semana de tratamento (primeiro ciclo completo), houve desaparecimento total das lesões em dois pacientes, interrompendo-se o uso da MMC 0,02%. Na quinta semana de acompanhamento, início do segundo ciclo, observou-se resolução clínica das lesões em dois pacientes (Figura 3, antes e Figura 4, após o tratamento). O segundo ciclo do tratamento foi concluído e o tratamento finalizado nestes pacientes (Tabela 1).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Apenas um paciente não respondeu satisfatoriamente ao tratamento com MMC 0,02% após dois ciclos tendo sido indicada exérese cirúrgica da lesão.

Durante o período de tratamento, não foi observada nenhuma complicação em relação ao uso da MMC 0,02% em nenhum dos pacientes avaliados neste estudo.

 

DISCUSSÃO

O granuloma piogênico é uma lesão ricamente vascularizada que compromete pele e membranas mucosas(21). É resultante da proliferação reativa de células endoteliais vasculares e tecido de granulação (tecido conectivo proliferativo, fibroblastos e canais vasculares neoformados)(22). No olho, usualmente envolve a conjuntiva, o limbo, as pálpebras e, mais raramente, a córnea(23-24). No presente estudo observou-se a presença desta lesão em cavidades anoftálmicas nos seis pacientes acompanhados.

A perda do globo ocular através da enucleação ou evisceração acarreta deformidades anatômicas e fisiológicas variadas da órbita, comprometendo a relação ideal cavidade-prótese, em conseqüência da perda do volume orbitário, da contração dos músculos extra-oculares e da mobilização de tecidos orbitários(25).

Assim como os tecidos já descritos, também as conjuntivas que revestem estas cavidades sofrem modificações decorrentes do constante processo irritativo do complexo mucosa conjuntival-prótese induzindo alterações inflamatórias crônicas e conseqüente formação de uma fibrose conjuntival progressiva, proliferação de neovasos com a formação dos granulomas piogênicos, acúmulo de secreção e incômodo ao paciente.

As opções de tratamento para o granuloma piogênico incluem esteróides tópicos, crioterapia, reexcisão, transplante de conjuntiva, antimetabólicos tópicos e radiação. O Serviço de Plástica Ocular e Órbita do Hospital São Geraldo UFMG preconizou o uso da MMC 0,02% tópica como tratamento de granulomas piogênicos em cavidades anoftálmicas diante da eficácia desta droga já relatada no tratamento de lesões semelhantes no segmento anterior do olho(19).

A MMC é um fármaco não desprovido de efeitos tóxicos sobre o olho, quando utilizado topicamente. Dentre as complicações relacionadas a MMC tópica estão as blefarites, ceratites, edema de córnea, calcificações esclerais, necrose de córnea e esclera, corectopia, catarata madura de início precoce, glaucoma secundário, hipotonia ocular associada à maculopatia clinicamente significativa e até mesmo endoftalmite(6,26). Neste estudo, no entanto, não foram observadas complicações com o uso tópico da MMC 0,02% (quatro vezes ao dia durante 15 dias num máximo de três ciclos) em nenhum dos pacientes.

Conclui-se que o uso tópico de MMC foi eficaz no tratamento de granulomas piogênicos em cavidades anoftálmicas de seis dos sete pacientes acompanhados. Porém, se faz necessário a realização de trabalhos comparativos e randomizados, envolvendo um maior número de casos, a fim de se comparar a eficácia da mitomicina C tópica com as drogas já usadas tais como os esteróides e os antimetabólicos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Hérika Danielle de Miranda Santos
Av. Assis Chateaubriand, 233/105
Belo Horizonte (MG) Cep 30150-100

Recebido para publicação em 11.04.2005
Última versão recebida em 06.02.2006
Aprovação em 02.05.2006

 

 

Trabalho realizado no Serviço de Plástica Ocular do Hospital São Geraldo - Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dra. Ana Estela Besteti Pires Ponce Sant'Anna sobre a divulgação de seu nome como revisora, agradecemos sua participação neste processo.


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