Geraldo de Barros Ribeiro1; Henderson Celestino de Almeida2; Eduardo Moritz dos Santos3
DOI: 10.1590/S0004-27492006000400024
RESUMO
Os autores relatam a utilização da técnica cirúrgica proposta por Scott, em 1994, de recuo e ressecção do mesmo músculo extra-ocular no tratamento de estrabismo incomitante horizontal. A paciente, do sexo feminino, 22 anos, apresentava estrabismo horizontal incomitante, com uma esotropia de 9delta para longe e 30delta para perto. Submetida a recuo e ressecção do músculo reto medial direito, apresentou resultados satisfatórios a longo prazo, mostrando que esta técnica pode fazer parte do arsenal terapêutico para correção de estrabismos incomitantes.
Descritores: Esotropia; Movimentos oculares; Músculos oculomotores; Procedimentos cirúrgicos oftalmológicos; Relatos de casos [tipo de publicação]
ABSTRACT
The authors report the utilization of the surgical technique proposed by Scott, in 1994, of recess and resection of the same extraocular muscle in the treatment of incomitant horizontal strabismus. A 22-year-old female presented with incomitant strabismus, with an esotropia of 9delta for distant and 30delta for near. She was submitted to a recess and resection of the right medial rectus. She presented satisfactory results in the long-term, showing that this technique could be part of the therapeutic arsenal for correction of incomitant strabismus.
Keywords: Exotropia; Eye movements; Oculomotor muscles; Ophthalmologic surgical procedures; Case reports [publication type]
INTRODUÇÃO
O tratamento dos estrabismos incomitantes continua sendo um desafio aos estrabólogos. As principais causas de desvios horizontais incomitantes são as paresias musculares, restrições oculares, divergência horizontal dissociada, relação convergência acomodativa/acomodação (CA/A) alta ou cirurgias prévias(1).
Diversos tratamentos já foram propostos, como simples recuos ou ressecções, que produziram apenas razoável alinhamento em posição primária do olhar (PPO), hipocorreção no campo de ação do músculo afetado e hipercorreção no campo oposto, e a cirurgia bilateral assimétrica, porém nem sempre com resultados satisfatórios(2).
Cüppers propôs em 1976 a mioescleropexia retroequatorial (fadenoperation)(3). A técnica cirúrgica consiste da sutura do músculo reto à esclera, posterior à inserção anatômica, criando assim uma segunda inserção. Em princípio, esta segunda inserção irá diminuir o efeito da contração na rotação do bulbo ocular, sem alterar o equilíbrio entre agonista e antagonista em posição primária do olhar(3-4). A partir de então, essa técnica tem sido muito utilizada para tratamento de desvios incomitantes. Tem também sido indicada para tratamento da divergência vertical dissociada (DVD), de esotropia com relação CA/A alta e síndrome de bloqueio do nistagmo(3,5). Apesar de apresentar resultados satisfatórios, essa técnica é de difícil execução e pode envolver riscos(1). Particularmente perigosa é a realização deste procedimento no reto lateral, pois a inserção do músculo oblíquo inferior está no campo da cirurgia e as suturas acabam sendo feitas abaixo ou próximas à mácula(2). Outras complicações foram relatadas, como midríase persistente, atrofia óptica, edema macular, hemorragia vítrea e descolamento de coróide(3). Reoperações tornam-se mais complexas devido à fibrose do músculo anteriormente à sutura de fixação posterior(2).
Scott, em 1994, descreve uma nova técnica, na qual se cria o efeito da fixação posterior, sem a colocação de suturas(6). Nesta técnica, uma porção do músculo é ressecada e o mesmo músculo é recuado. Este recuo deve ser maior ou igual à ressecção, para poder produzir uma diminuição seletiva da função do músculo em seu campo de ação(2) (Figura 1).
O objetivo deste relato de caso é apresentar o resultado obtido com o uso desta técnica proposta por Scott, para tratamento de estrabismo horizontal incomitante.
RELATO DE CASO
LJIS, 22 anos, solteira, recepcionista, natural de Belo Horizonte, procurou atendimento oftalmológico no consultório de um dos autores em 11/09/01, queixando-se de desvio ocular principalmente para perto e insatisfeita com a estética.
Relatou história de estrabismo desde os 3 anos. Usou oclusor para tratamento da ambliopia dos 3 aos 7 anos. Cirurgia prévia de estrabismo há 6 anos, com recuo de 4 mm do reto medial esquerdo (RME) e ressecção de 6 mm do reto lateral esquerdo (RLE) com deslocamento superior das inserções de 2 mm. Foi submetida também a uma aplicação de 5 unidades de toxina botulínica há 5 anos no reto medial direito. Não apresentava alterações sistêmicas.
Ao exame oftalmológico, apresentava acuidade visual sem correção de 1,0 no olho direito e de 0,8 no olho esquerdo, a qual não melhorava com correção. Biomicroscopia sem alterações. Ao exame de fundo-de-olho apresentava cicatrizes de retinocoroidite nas arcadas nasal e temporal inferiores em OE. Refração estática de +0,50 -0,50 a 90° em ambos os olhos (AO).
O "cover" teste alternado revelou esotropia (ET) de 9D para longe e de 30D para perto. Em supraversão, a 6 metros, assim como em infraversão, a ET era de 9D. Apresentava discreta limitação na adução do olho esquerdo (-1/-4) (Figura 2).
A paciente foi submetida à correção cirúrgica do estrabismo em 17/04/02, sendo realizada ressecção de 4 mm com recuo de 6 mm do reto medial direito (RMD).
No 1º dia pós-operatório (PO), apresentava para longe ET 4D e para perto ET'14D, com discreta hipofunção do RMD (-1,5/-4).
No 7º PO, encontrou-se ET 3D para longe e um ET'12D para perto, com leve melhora na hipofunção do RMD (-1/-4).
Apresentava, ao exame no 15º PO, ET para longe de 3D e para perto de 12D, mantendo a discreta hipofunção de RMD (-0,5/-4) (Figura 3).
No 30º dia PO, permanecia com ET 2D para longe e 12D para perto, mantendo também a discreta hipofunção do RMD. A paciente ficou satisfeita com resultado cirúrgico.
A paciente manteve-se com quadro estável por mais de um ano, tendo perdido contato no ano seguinte, alegando estar satisfeita com o resultado da cirurgia. No PO tardio de 2 anos, apresentava ET 5D para longe e 18D para perto. Apresentava, às versões, apenas discreta hipofunção dos retos mediais (-0,5/-4) (Figura 4).
DISCUSSÃO
Os estrabismos incomitantes geralmente são um desafio ao estrabólogo. O uso da técnica de recuo e ressecção do mesmo músculo, proposta por Scott em 1994, pode ser, em casos selecionados, uma boa opção para o tratamento destes tipos de estrabismo. Ela visa enfraquecer o músculo em seu campo de ação sem que haja alterações significativas na posição primária do olhar(2,6).
A paciente submetida a este procedimento apresentava estrabismo horizontal incomitante, mesmo tendo sido submetida a cirurgia prévia para correção de esotropia.
Alguns autores em 1999, utilizando a mesma técnica proposta por Scott para tratamento de estrabismos incomitantes, operaram 12 pacientes, obtendo redução significativa da incomitância tanto para os estrabismos verticais quanto para os horizontais(2).
A proposta inicial de Scott era a de uma grande ressecção, porém concordamos com a modificação, feita por Bock et al., de diminuir a porção ressecada do músculo, pela impossibilidade de prever os efeitos a longo prazo(2).
Apesar do efeito promissor, alguns detalhes devem ser analisados, como a sua estabilidade e as possíveis reoperações em longo prazo.
Bock et al., concluíram que este é um procedimento seguro para estrabismos incomitantes em que os retos laterais estejam envolvidos, possibilitando também a utilização de suturas ajustáveis para eliminar o problema da fixação posterior, porém, para os outros músculos, concluiu não ter experiência suficiente para julgar a eficácia do procedimento(2).
Em nosso caso, a cirurgia mostrou-se eficaz, reduzindo o desvio de forma significativa, sendo o resultado encontrado após dois anos satisfatório tanto para o cirurgião quanto para a paciente.
Apesar do bom resultado inicial encontrado, entendemos ser necessária a realização da técnica descrita em maior número de casos para que se comprove a sua eficácia em outros músculos e, também, estabelecermos uma relação confiável entre recuo-ressecção.
REFERÊNCIAS
1. Souza-Dias C, Prieto-Diaz J. Cirurgia do estrabismo. In: Prieto-Diaz J, Souza-Dias C. Estrabismo. 4a ed. São Paulo: Santos; 2002. p.475-7.
2. Bock CJ Jr, Buckley EG, Freedman SF. Combined resection and recession of a single rectus muscle for the treatment of incomitant strabismus. J AAPOS. 1999;3(5):263-8.
3. Cüppers C. The so-called "fadenoperation" (surgical considerations by well defined changes of the arc of contact). In: Fells P, editor. Transactions of the second congress of International Strabismological Association. Marseilles (France): Diffusion Generale de Librairie; 1976. p.395-400.
4. Millicent M, Peterseim W, Buckley EG. Medial rectus fadenoperation for esotropia only at near fixation. J AAPOS. 1997;1(3):129-33.
5. Von Noorden GK. Indications of the posterior fixation operation in strabismus. Ophthalmology. 1978;85(5):512-20.
6. Scott AB. Posterior fixation: adjustable and without posterior sutures. In: Lennerstrand G, editor. Update on strabismus and pediatric ophthalmology: Proceedings of the june 1994 Joint ISA and AAPO&S Meeting. Vancouver, Canada. Boca Raton (FL): CRC; 1995. p.399.
Endereço para correspondência:
Geraldo de Barros Ribeiro
Av. Silviano Brandão, 1600
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E-mail: [email protected]
Recebido para publicação em 04.04.2005
Versão revisada recebida em 13.12.2005
Aprovação em 30.01.2006
Trabalho realizado no Hospital São Geraldo da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Carlos Ramos Souza-Dias sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.