Finzi Simone1; Mauro Goldchmit3; Carlos Souza-Dias4
DOI: 10.1590/S0004-27491999000500010
RESUMO
Objetivo: Os estrabismos horizontais essenciais estão freqüentemente associados a desvios verticais. A patogênese desse desvio vertical pode resultar da disfunção de músculos retos verticais, de músculos oblíquos ou da combinação de ambos. Na presença de hiperfunção do músculo oblíquo superior (OS), nota-se hipotropia (HoT) na posição primária do olhar (PPO). O presente estudo objetivou avaliar a magnitude da correção da HoT, na PPO, mediante a tenectomia unilateral do OS.Pacientes e Método: Foi realizado um estudo retrospectivo, 1977 a 1996, de 15 pacientes portadores de hiperfunção unilateral do OS e hipotropia na posição primária do olhar maior que 4D , submetidos a tenectomia unilateral do OS, realizada na Santa Casa de São Paulo (12 pacientes), Universidade de Santo Amaro (2 pacientes) e na clínica particular de um dos autores (CSD, 1 paciente). A média de desvio pré-operatória era de 9D . A hiperfunção média pré-operatória do músculo obliquo superior era 1,7 cruzes. Resultados: A correção média da HoT obtida foi de 4,67D ± 5,09D (-5D a 15D), (H = 6,032; p = 0,014). A modificação média da hiperfunção do OS foi de 0,87 ± 0,88 cruzes (0 a 2 cruzes). De acordo com o desvio horizontal, ET e XT, não houve diferença estatisticamente significante na comparação entre os resultados obtidos na correção da HoT. Comentários: Os resultados revelaram que para HoT até 15D na PPO, houve em média correção de 51,82% do seu valor pré-operatório. Para a amostra estudada, a técnica de tenectomia unilateral do OS mostrou-se eficaz na correção do desvio vertical na posição primária do olhar.
Descritores: Estrabismo; Oblíquo superior; Tenectomia
ABSTRACT
Purpose: Horizontal strabismus is commonly associated with vertical deviations which can be a result of a dysfunction of the vertical rectus, oblique muscle or both. Overaction of the superior oblique muscle (SO) results in hypotropia (HoT) in primary position of gaze (PP). The aim of this study was to evaluate the correction of HoT in PP after unilateral tenectomy of the superior oblique muscle close to its scleral insertion. Patients and Methods: We retrospectively studied, from 1977 until 1996, charts of 15 patients with SO overaction and hypotropia in PP greater than 4D who underwent unilateral superior oblique tenectomy close to its insertion at Hospital Santa Casa de São Paulo (12 patients), University of Santo Amaro (2 patients) and private clinic of one of the authors (CSD, 1 patient). The mean preoperative deviation in PP was 9D. The mean preoperative superior oblique overaction was 1.7 (measured by a cross system rating). Results: The mean correction of the HoT was 4.67D ± 5.09D (-5D to 15D), (H = 6.032; p = 0.014). The mean correction of SO overaction was 0.87 ± 0.88 + (0 - 2). According to the horizontal deviation, ET and XT, there was no significant mdifference in the correction of the HoT. Conclusion: For HoT of 15D or less we found a mean correction of 51.82% of its preoperative value. Unilateral tenectomy has shown to be an effective technique for the correction of vertical deviation in PP in our study.
Keywords: Strabismus; Oblique superior muscle; Tenectomy
INTRODUÇÃO
Os estrabismos horizontais essenciais estão freqüentemente associados a desvios verticais, dificultando a instalação da visão binocular. Nestes casos, a correção cirúrgica tem apenas finalidade estética 9.
A causa desse desvio vertical pode ser a disfunção de músculos retos verticais, de músculos oblíquos, ou a combinação de ambos. Na presença da hiperfunção unilateral do músculo oblíquo superior (OS), pode observar-se hipotropia (HoT) na posição primária do olhar (PPO), que se acentua na lateroversão em que o olho com hiperfunção aduz (desvio vertical incomitante). A diferença na magnitude da HoT, nas diferentes posições do olhar no plano horizontal que, com base na fisiologia motora do músculo OS, define a indicação para seu debilitamento, corrigindo não somente a HoT na PPO, como também a incomitância às lateroversões 9.
Diversas técnicas cirúrgicas foram descritas para o debilitamento cirúrgico do músculo OS 1, 3-5, 7, 8, 10, 11. VEMPALLI e LEE 13 realizaram estudo para avaliar o resultado da tenectomia parcial posterior para a correção da HoT, em 14 pacientes. A correção média foi de 6,78D (p < 0,001). Em 8 dos 14 pacientes, houve redução da HoT maior que 50% de seu valor pré-operatório. Porém, na amostra desse estudo, as HoT incluídas possuíam etiologias diversas não considerando apenas os estrabismos essenciais. Apenas em 4 pacientes, a hiperfunção era secundária à hipofunção primária do OI. Entre os 14 pacientes, 10 haviam sido submetidos à cirurgia de estrabismo previamente.
No estudo realizado por BUCKLEY e FLYNN 2, foram analisados os resultados da correção do desvio vertical por meio da técnica de tenectomia unilateral do OS (5 pacientes) e retrocesso unilateral do OS (4 pacientes). A média pré-operatória do desvio vertical foi respectivamente 10,6D e 10,7D. Foi obtida maior correção pela tenectomia (11D) do que pelo retrocesso (6,2D).
Não há, que se saiba, trabalho publicado sobre a correção do desvio vertical em PPO por intermédio da tenectomia unilateral do OS junto à inserção escleral. Este estudo objetivou avaliar a magnitude da correção da HoT na PPO por esta técnica cirúrgica proposta por Souza-Dias em 1986, em pacientes com estrabismo essencial.
MATERIAL E MÉTODO
Avaliaram-se os resultados da HoT em 15 pacientes portadores de estrabismo essencial (10 pacientes com esotropia, 4 com exotropia e 1 com apenas desvio vertical na PPO) associado à hiperfunção unilateral do músculo oblíquo superior, através do debilitamento deste músculo pela técnica da tenectomia junto à inserção escleral, proposta por Souza-Dias em 1986 10, e também realizada a correção do desvio horizontal no mesmo ato cirúrgico. Os pacientes eram provenientes da Secção de Motilidade Extrínseca Ocular da Disciplina de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo (12 pacientes), da Secção de Motilidade Extrínseca Ocular da Disciplina de Oftalmologia da Universidade Santo-Amaro (2 pacientes) e da clínica particular do Dr. Carlos Souza-Dias (1 paciente). As operações foram realizadas no período de 1977 a 1996.
Previamente ao exame da motilidade extrínseca ocular, todos os pacientes foram submetidos ao exame externo, medida da acuidade visual, refratometria e fundoscopia. Realizou-se a medida do ângulo de desvio por meio dos testes de prisma e "cover" ou Krimsky. Estabeleceu-se, por convenção que o sinal (-) corresponde a aumento da HoT. A função do OS foi avaliada pelo estudo das versões e quantificada em cruzes: 0: ausente; 0,5: discreta; 1: leve; 2: moderada; 3: acentuada e 4: severa.
Considerou-se haver HoT com indicação cirúrgica quando o desvio vertical era igual ou maior a 4D. Definiu-se ambliopia como a diferença na medida da acuidade visual entre os olhos de no mínimo 2 linhas na tabela de optotipos de Snellen e observou-se, neste estudo, em 11 pacientes.
Os critérios para exclusão da amostra foram: intervenção cirúrgica de músculo (s) reto (s) vertical (is) ou transposição vertical de músculo (s) reto(s) horizontal (is) no mesmo ato operatório, existência de divergência vertical dissociada ou outra síndrome envolvendo o musculatura extrínseca ocular, como síndrome de Duane, síndrome de Möbius, fibrose generalizada de Brown, órbito-miopatia infiltrativa de Basedow-Graves, etc.
Propôs-se, como critério de cura, desvio vertical menor que 4D. O seguimento mínimo pós-operatório estabelecido foi de 1 mês; o seguimento médio, de 18,53 ± 18,37 meses (1 a 72 meses). A idade média dos pacientes, na época da operação, era de 17,93 ± 9,85 (7 a 35 anos).
Avaliou-se a correção da HoT separadamente, em pacientes com esotropia ou exotropia (Tabela 1). Para análise dos resultados, aplicou-se o teste de Kruskal Wallis para comparação dos desvios verticais pré e pós operatórios, e o teste de médias com amostras independentes, para a comparação dos valores da correção da HoT, entre os grupos de pacientes com eso e exotropia.
RESULTADOS
A correção média da HoT em PPO obtida foi de 4,67D ± 5,09D (-5D a 15D), o que corresponde à redução média de 51,82% do valor inicial da HoT. Houve correção integral da HOT em 7 pacientes (47%), 5 portadores de ET, 1 de XT e 1 sem desvio horizontal na PPO. Observou-se aumento da HoT em 2 casos, ambos portadores de ET; em um paciente, o aumento foi de 5D e, no outro, de 2D.
A redução média da hiperfunção do OS foi de 0,87 ± 0,88 cruzes (0 a 2) e a correção máxima, de 3 +. Houve subcorreção em 6 casos (40%), a máxima, de 1 +. (Tabela 1). Não houve supercorreção em nenhum caso.
Utilizando o teste de Kruskal-Wallis com a de 5% para a comparação da HoT pré e pós operatória, observa-se variação estatisticamente significante (H = 6,032, p = 0,014). Em relação à hiperfunção, aplicou-se o mesmo teste e a variação encontrada também foi significativa ( H = 7,902, p = 0,005).
Compararam-se os resultados obtidos quanto à correção da HoT segundo o desvio horizontal na posição primária, ET e XT. Utilizou-se o teste de médias para amostras independentes e verificou-se não haver diferença estatisticamente significante entre os dois grupos (V = 24,86 e p = 0,3617). (Tabela 2).
COMENTÁRIOS
Não se encontra na literatura, outro trabalho que avalie a correção do desvio vertical em estrabismo essenciais na PPO, mediante a tenectomia unilateral do músculo OS, o que evidencia a importância deste estudo.
A pequena magnitude da amostra prende-se ao fato da raridade dos casos em que se opera apenas um dos músculos OS com a intenção de corrigir a HoT. A técnica da tenectomia foi escolhida para este estudo, por ser uma das mais realizadas na prática dos serviços de onde os pacientes são provenientes, oferecendo, assim, amostra suficiente para análise estatística.
Os resultados relevaram que, para HoT até 15D na PPO, houve em média correção de 4,67D ± 5,09D, correspondendo a 51,82% de seu valor pré-operatório.
Sete pacientes tiveram correção total da HoT, dos quais 5 pertenciam ao grupo de ET (71%), enquanto somente 1 paciente possuía XT e o outro, apenas desvio vertical. Como em adução o oblíquo superior tem maior função depressora; esperava-se que houvesse maior correção da HoT nas ET, porém não se observou diferença estatisticamente significante entre os pacientes com ET e XT. Talvez uma das razões para o ocorrido fosse o tamanho da amostra, apenas 4 pacientes com XT.
Quanto à correção da hiperfunção do OS operado, notou-se que foi insatisfatória na maioria dos casos, pois constatou-se subcorreção em 6 casos (40%) e não houve alteração da função em 5 casos (33%); no entanto, entre estes 5 pacientes, houve correção total do desvio vertical em 3; portanto, a hiperfunção pós-operatória do músculo OS tem valor restrito na avaliação do sucesso da cirurgia destinada à correção da HoT.
Alguns estudos sugerem que a disfunção do OS não seja o único fator patogênico, indicando provável existência de fator desconhecido 6, 10. Nesse estudo, esse fato pode ser considerado pela fraca correlação que encontramos entre o valor da HoT pré-operatória com o grau de hiperfunção do músculo oblíquo superior, bem como a correção obtida. Obtivemos resposta paradoxal em 2 pacientes em que houve aumento da hipotropia pré-operatória após o debilitamento do OS, fato que não temos explicação.
Destaca-se, ainda, que a correção da HoT no trabalho foi menor do que a correção descrita anteriormente, com a utilização de outras técnicas: tenectomia parcial posterior (6,78D) 12, tenotomia unilateral (11D) 2 e retrocesso unilateral (6,25D) 2 , apesar da amostra estudada neste trabalho diferir dos demais, pois foram utilizados somente pacientes com estrabismo essencial.
A variabilidade de resultados por meio das diferentes técnicas pode decorrer do fato da linha de inserção do OS ser mais variável de todos os músculos extra-oculares, com largura média de 11 mm, variando de 7 a 18 mm.
A técnica da tenectomia unilateral do OS junto à inserção escleral mostrou-se eficaz na correção do desvio vertical, para HoT até 15D , na amostra estudada. Novos que avaliem a correção cirúrgica do desvio vertical, mediante o debilitamento unilateral do OS com as demais técnicas, devem ser feitos para ficar demonstrada, assim, a eficácia desta técnica para correção da hipotropia em comparação com elas.
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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12. Vempalli VMR, Lee JPL. Results of superior oblique posterior tenotomy. JAAPOS 1998;2(3):147-50.
Estudo realizado no Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo Serviço do Prof. Dr. Ralph Cohen.
(1) Médica do curso de aperfeiçoamento do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo. Fellow do New England Medical Hospital - Boston.
(2) Doutor em Oftalmologia pela Universidade Federal de São Paulo ¾ EPM; chefe do setor de Motilidade Extrínseca Ocular do Departamento de Oftalmologia da Universidade Santo Amaro e médico assistente voluntário do Departamento de Oftalmologia da Santa Casa.
(3) Professor Livre Docente pela Universidade Federal de São Paulo - EPM e Prof. Titular da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
Endereço para correspondência: Simone Finzi. Rua Dr Martinico Prado, 90 ap. 112, São Paulo (SP) CEP 01224-010. E-mail: [email protected]