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Editorial

Obituário Prof. Dr. Cássio Galvão Monteiro 23/05/1930 - 01/10/2004

DOI: 10.1590/S0004-27492004000600029

VÁRIAS

 

Obituário

Prof. Dr. Cássio Galvão Monteiro

23/05/1930 - 01/10/2004

 

 

Faleceu no dia 01/10/2004 p.p. uma das figuras mais marcantes da comunidade médica paulista, o Prof. Dr. Cássio Galvão Monteiro.

Nascido no antigo Distrito Federal do Rio de Janeiro em 23/05/1930, filho de José Ignácio Monteiro (farmacêutico e organizador de corais) e Lúcia Galvão Monteiro (professora), o nosso querido Dr. Cássio já na infância demonstrava seus pendores artísticos e literários, capazes de arrebatar a atenção daqueles que o cercavam. Conseguiu cursar gratuitamente o primário no Liceu Nacional Rio Branco após cantar a famosa música de Ary Barroso "Boneca de Pixe" para o deleite do então Diretor Sampaio Dória, respeitado gramático, pedagogo e polímata (ao estilo do Cássio).

Durante sua profícua vida de cantor e músico, fez-se acompanhar de verdadeiras lendas como as orquestras dos Maestros Silvio Mazzuca e Rafael Pugliesi em programas da antiga Rádio Tupi e Cruzeiro do Sul. Compôs várias canções, inclusive tangos, gravados por Carlos Lombardi, mestre do ritmo.

Durante sua formação como médico, pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, recebeu vários prêmios como o Rockfeller (das cadeiras básicas) e o Edmundo Vasconcelos (cadeiras de cirurgia). Possuía Títulos de Especialização em Otorrinolaringologia, Oftalmologia, Cirurgia Plástica e Cabeça e Pescoço. Teve Tese de Doutoramento aprovada com nota 10 e louvor na Escola Paulista de Medicina em 1973, com o estudo monumental "Sobre o sufixo - oma em a Nomenclatura Médica Portuguesa". Foi chefe do serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Umberto Primo por 15 anos. Atuou no serviço de Cirurgia Plástica e de Cabeça e Pescoço do Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho e na Santa Casa de Santo Amaro. Durante décadas foi assistente voluntário no Departamento de Oftalmologia da Santa Casa de São Paulo, ministrando cursos de órbita e ensinando-nos sobre a origem, o significado e o correto emprego das palavras.

Dentre sua vasta obra literária, constam traduções de textos e dicionários de terminologia médica, além do seu tão conhecido "Nariz: Considerações filológicas, psicológicas, antropológicas, fisiognomônicas, fisiológicas, paremiológicas, fraseológicas, zoológicas e anatômicas" da Editora Robe.

Foi presidente da Sociedade de Estudos Filológicos (1973-1974), quando, brilhantemente escreveu "A História da Lexicografia da Língua Portuguesa" e a "História da Gramática".

Era capaz de viajar para lugares distantes, ficando poucas horas, apenas para "garimpar" livros raros. Sua chácara em Atibaia é um verdadeiro paraíso para bibliófilos.

Nos últimos anos, gostava de dizer que "reservava seus últimos tempos estudando e trabalhando na área da música (composição de tangos), dicionarística geral e iatronímica, cirurgia órbito-facial e ateísmo".

Deixa, saudosa, Dona Lourdinha, companheira de toda vida que, segundo o próprio Dr. Cássio, "foi capaz de oferecer-lhe imerecido sacrifício, estímulo e competência".

Quem o conheceu, jamais o esquecerá, querido Professor!

 

Prof. Dr. Geraldo Vicente de Almeida
Diretor do Dpto. de Oftalmologia da Santa
Casa de Misericórdia de S. Paulo

 


 

São Paulo, 7 de outubro de 2004

Cássio, amigo querido

 

Se você está-me ouvindo, quero dizer-lhe umas palavras de despedida. Se não, digo-as da mesma forma, para alívio da minha alma.

Cássio, você fará falta ao mundo, aos seus colegas e amigos, e especialmente a mim. Conhecemo-nos na faculdade, há quase 50 anos. Aprendi desde logo a admirá-lo e a querer-lhe bem, pela sua doçura, sua enorme versatilidade científica e sua alegria, cantando tangos no Show Medicina.

De uma coisa você pode orgulhar-se: você deixou um rastro muito marcante e útil neste mundo. Quantos colegas aprenderam tanto com você. Aqui nesta casa, deixou uma Seção de Órbita, que continua tão competentemente a sua obra. Alegrei-me, no seu velório, quando um dos seus principais discípulos, o Dr. Vital, confessou-me que lhe devia tudo o que sabe. Quantos pacientes meus você operou, sempre casos complicados, sempre com surpreendentes resultados.

Quanto você me ajudou a compreender nosso idioma, sempre com a sua característica modéstia, dizendo que o filólogo não quer corrigir nada, apenas interpretar os fenômenos evolutivos do idioma. Guardarei com amor, como uma relíquia, o fax que você me enviou na noite anterior ao seu falecimento, explicando-me que, como comprovou na sua tese de doutoramento, não existe o sufixo oma nos nomes dos tumores, mas sim o sufixo grego ma; que não é sarc+oma, porém sarco+ma; que esse ma significa ação já terminada, não mais em curso. Por isso é que o trauma é a conseqüência do traumatismo, este sim a ação em curso.

Quanta falta você fará, comentando um ou outro termo pronunciado durante nossas reuniões de quinta-feira na Santa Casa, mostrando sempre enorme bagagem de conhecimentos e prodigiosa memória, citando de improviso autores e dicionários antigos para justificar as suas afirmações.

Uma das grandes injustiças que a vida nos preparou é não ter lhe dado tempo para terminar o magnífico dicionário etimológico de termos médicos que estava preparando; dói-me lembrar que, há uma semana você me disse que havia decidido publicar o dicionário apenas com termos da cirurgia plástica, o qual já estava quase pronto.

Querido amigo, se há vida após a morte, peço-lhe que me espere, embora eu não tenha muita pressa, para continuarmos a estudar a etimologia do termo estrabismo, com a qual já preenchi 8 laudas, graças aos seus ensinamentos. Em sua homenagem póstuma, publicarei em nome de nós dois o livrinho que estou preparando sobre etimologia dos termos estrabológicos.

Esteja certo de que você estará vivo na minha memória enquanto eu viver. E tenho a certeza de que não será só na minha.

 

Carlos Ramos Souza-Dias

 


 

O guerreiro das palavras - Dr. Cássio Galvão Monteiro

 

 

Como agradecer-lhe sem parecer repetitivo?
Como enaltecer sua sabedoria generosa, maior que seu conhecimento e cultura?
Como esquecer os tangos, boleros e baladas levadas ao som do violão?
E as piadas, então!?

Vazio...

Corneal, retínico e outros que tais
Ninguém os esquecerá, jamais
Verve e filologia; tango, samba, grego e latim
Ah, isso foi demais p'rá mim!
Admirá-lo e respeitá-lo, não fazê-lo, impossível.
Vê-lo comentar nossas asneiras linguísticas,
com tanta polidez e correção,
um aprendizado inesquecível

Vazio...

É essa sensação inexplicável que todos aqueles que te admiram sentem hoje
Nas nossas reuniões de quinta-feira
Do mais experimentado professor ao mero aprendiz desta Santa Casa
Hoje triste e empobrecida com a tua ausência

Perdoe-me querido Dr. Cássio,
Com tanta burrice e ignorância mundo afora,
partiste sem demora.
Que hora para ir-te embora...

Farás falta, invencível guerreiro das palavras
Quem as domará agora?

 

Paulo Elias C. Dantas


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