Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Alterações da margem palpebral associadas ao ectrópio

Eyelid alterations associated with palpebral ectropion

Silvana Artioli Schellini1; Gislaine Priscila Momm Zimmermann1; Erika Hoyama1; Carlos Roberto Padovani4; Carlos Roberto Pereira Padovani4

DOI: 10.1590/S0004-27492005000500008

RESUMO

OBJETIVO: Investigar alterações da margem palpebral em portadores de ectrópio. MÉTODOS: Foi feito estudo observacional, do qual participaram 53 portadores de ectrópio palpebral e 25 portadores de dermatocálase (grupo controle), estudando-se, a partir de imagens digitais, a posição dos cílios e a presença de inflamações na margem palpebral. Os dados foram submetidos a análise estatística. RESULTADOS: Os portadores de ectrópio apresentaram com maior freqüência diminuição do número de cílios, perda da convexidade, triquíase e distiquíase quando comparados aos indivíduos do grupo controle. CONCLUSÃO: O portador de ectrópio possui alterações da margem palpebral provavelmente decorrentes do processo inflamatório crônico que ocorre na região.

Descritores: Ectrópio; Doenças palpebrais; Pálpebras; Pestanas; Blefarite; Glândulas meibomianas

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate eyelid margin alterations in ectropion carriers. METHODS: An observational study was done involving 53 eyelid ectropion patients and 25 individuals with dermochalasis (control group). Eyelash position and margin inflammation were observed using digital images. The data were submitted to statistical analysis. RESULTS: Patients with ectropion showed a decreased number of eyelashes, loose convexity, trichiasis and distichiasis as compared with the control group. CONCLUSION: Patients with eyelid ectropion have eyelid margin alterations probably due to the chronic inflammatory process in this region.

Keywords: Ectropion; Eyelid diseases; Eyelids; Eyelashes; Blepharitis; Meibomian glands


 

 

INTRODUÇÃO

Dentre todas as afecções que cursam com alteração da posição da pálpebra, o ectrópio é a mais comum(1). Não se trata de afecção única, havendo várias outras alterações que ocorrem na margem palpebral em decorrência da falta de aposição das pálpebras com o bulbo ocular. Assim, a pálpebra perde o seu contato com o bulbo e não excreta mais a secreção que é produzida nas glândulas de Meibômio, ocasionando estase e infecção crônica nestas glândulas (meibomite). Outra afecção muito freqüentemente, encontrada nos portadores de ectrópio, é a blefarite. Estas duas situações, associadas com a proximidade da pálpebra com o bulbo ocular, desencadeiam a ceratoconjuntivite em expressivo número de portadores(2).

A transição mucocutânea da margem palpebral pode estar anormalmente anteriorizada quando existe inflamação crônica das pálpebras, o que se reconhece como conjuntivalização da margem, situação que freqüentemente relaciona-se com mau direcionamento dos cílios(3).

Estudo histológico comparando os tecidos palpebrais de portadores de ectrópio e entrópio mostrou degeneração do colágeno, elastose da placa tarsal, aumento de adipócitos no tarso e fáscia cápsulopalpebral, inflamação e epidermalização da conjuntiva tarsal, degeneração e fibrose do músculo orbicular e arterioesclerose da artéria marginal(4-6).

Estudo prévio nos mostrou que cerca de 12% dos portadores de ectrópio palpebral possuem mais do que 10 cílios em triquíase(4). Porém, não existem pesquisas que relacionem estas duas afecções, apesar do portador de ectrópio possuir todas as condições para também desenvolver alterações do posicionamento dos cílios palpebrais.

Portadores de entrópio possuem alterações morfológicas da margem palpebral que resultam no posicionamento incorreto, metaplasia, distiquíase e triquíase(7). Alteração da posição dos cílios também foram relatadas na síndrome da pálpebra flácida(8) e em portadores de Hanseníase(9).

O portador de ectrópio possui todas as condições para desenvolver também alterações da margem palpebral. Porém, estas alterações não foram ainda abordadas, o que nos motivou a realizar este estudo que tem o objetivo de investigar a presença de alterações na margem palpebral de indivíduos portadores de ectrópio palpebral.

 

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional, avaliando-se 53 portadores de ectrópio palpebral involutivo ou cicatricial e 25 portadores de dermatocálase e não portadores de ectrópio, estes últimos considerados como grupo controle. Todos os indivíduos eram provenientes do Ambulatório de Plástica Ocular, da Faculdade de Medicina de Botucatu, atendidos no período de 2003 a 2004.

Os pacientes foram fotodocumentados usando uma câmera Nikon Colpix 5500. As imagens foram transferidas para um arquivo fotográfico em computador McIntosh, ampliadas e avaliadas sempre pelo mesmo examinador (GPMZ), atentando para os seguintes parâmetros: posição dos cílios (ptose de cílios, triquíase, distiquíase) e inflamações (meibomite, blefarite).

Os dados coletados foram submetidos a análise estatística, usando estatística descritiva, teste de Mann-Whitney e teste de Goodman.

 

RESULTADOS

Os valores descritivos relativos à idade dos participantes encontram-se na tabela 1, quando a Mediana e a Média de idade foram de 70 anos nos portadores de ectrópio, semelhante a Mediana de 68 e Média de 67 anos no grupo controle. Assim, os grupos apresentaram semelhança estatística quanto à idade (p>0,05), importante para que se possa considerar o grupo controle como tal.

 

 

Com relação ao sexo, 73,58% dos ectrópios ocorreram em homens; já o grupo controle foi constituído predominantemente por mulheres - em 80,00% dos casos (Tabela 2).

 

 

Dentre os portadores de ectrópio, observou-se predominantemente indivíduos portadores de ectrópio involucional (67,92%), seguindo-se pelo ectrópio cicatricial (22,64%) ou associação de ambos (9,44%) (X2= 29,93(p<0,0001)) (Tabela 3).

 

 

Quanto ao grau de acometimento, a amostra se constituiu de portadores de ectrópio leve, moderado ou grave em mesmas proporções, não havendo diferença estatística entre eles (X2= 0,22 (p>0,05)) (Tabela 4).

 

 

Avaliando a margem palpebral, observou-se com maior freqüência a presença de meibomite nos portadores de ectrópio, do que no grupo controle (66,04% X 20,00%). Observou-se, ainda, que os portadores de ectrópio apresentaram diminuição do número de cílios (54,72%), perda da convexidade normal dos cílios (41,51%), triquíase (52,83%) e distiquíase (49,06%), todas com diferença significativa quando comparadas com o grupo controle (Tabela 5, Gráfico 1).

 

 

 

 

A triquíase esteve presente em 75,00% dos portadores de ectrópio cicatricial e 38,89% dos ectrópios involucionais.

 

DISCUSSÃO

A metodologia empregada, utilizando imagens digitais, foi bastante satisfatória para a realização do estudo, sendo a imagem bastante nítida, permitindo perfeita análise da margem palpebral.

As avaliações foram feitas em portadores de ectrópio involutivo e/ou cicatricial que são os tipos mais freqüentes de ectrópio palpebral.

Os indivíduos que compunham os grupos de estudo estavam pareados quanto à idade, validando os resultados obtidos. A faixa etária estudada é a que mais freqüentemente apresenta alteração do posicionamento dos cílios palpebrais(10), outro dado que valida o presente estudo.

O motivo de se escolher indivíduos portadores de dermatocálase para compor o grupo controle se deve ao fato de que, na faixa etária dos portadores de ectrópio, é comum haver também excesso de pele nas pálpebras superiores, podendo esta afecção ser considerada como normal para a idade e nos autorizando a utilizar portadores de dermatocálase como controle normal.

Quanto ao sexo, o grupo ectrópio era constituído predominantemente por indivíduos masculinos e o grupo controle, que era composto por portadores de dermatocálase, possuía mais mulheres. Não houve seleção dos indivíduos que participariam do grupo ectrópio. Assim, fica patente que o ectrópio ocorre mais em homens, fato já observado em outros trabalhos da literatura(11). A causa para este fato não está presente nos genes do referido sexo, mas sim, nas condições ambientais adversas, como exposição solar, mais presentes para os homens do que para as mulheres. Provavelmente, se os dois sexos estivessem expostos aos mesmos fatores agressores, não haveria diferença de acometimento entre os sexos.

A inflamação crônica da margem palpebral resulta na meibomite, tão freqüente nos indivíduos com ectrópio e que foi muito pouco observada no grupo controle. Portanto, o ectrópio palpebral e a meibomite apresentaram associação forte, decorrente da estase de secreção nas glândulas de Meibômio e instalação do processo inflamatório e infeccioso da margem palpebral. Este tipo de infecção das glândulas que produzem a secreção lipídica para o filme lacrimal, leva a alterações na composição da lágrima, alterando esta parte do sistema de proteção ao bulbo ocular.

As demais alterações observadas podem ser também decorrentes do processo inflamatório crônico que se estabeleceu na margem palpebral. Assim, a observação da diminuição do número de cílios palpebrais poderia ter ocorrido pelo processo inflamatório na região dos folículos pilosos, com queda dos mesmos.

Os cílios normais possuem uma posição de convexidade, de forma que a base do folículo está próxima e a extremidade se afasta do bulbo ocular. A manutenção da convexidade dos cílios palpebrais é dada por um sistema complexo de distribuição de fibras do músculo orbicular, inclusive por uma diferenciação deste músculo que envolve os folículos pilosos, que é o músculo de Riolan. Em estudo prévio, avaliando a histologia de fragmentos de pálpebra com ectrópio, observou-se que o músculo de Riolan sofre hialinização, fator que pode levar a perda de sua função de manter os cílios em posição(12). A diminuição da elastina no músculo orbicular pré-tarsal também pode contribuir para a ptose do cílio(8). O epitélio da superfície na margem da pálpebra tem potencial de alterações metaplásicas, influenciadas pela posição do filme lacrimal em relação às estruturas da margem palpebral(7).

Desta forma, além da perda da convexidade, outros fenômenos poderiam ocorrer nos cílios palpebrais em portadores de ectrópio palpebral, como a triquíase e a distiquíase, uma vez que o direcionamento dos cílios está associado com outras anormalidades palpebrais.

A triquíase é uma condição adquirida, na qual os cílios tocam o olho, sendo as causas mais comuns as inflamações crônicas da pálpebra, como as blefarites e as meibomites, condições que coexistem com o ectrópio palpebral, além das dermatoses (elastose actínica, eczema, atopia, hanseníase, herpes zoster), das doenças conjuntivais cicatrizantes (tracoma cicatricial, síndrome de Stevens-Johnson, penfigóide ocular, queimaduras químicas e físicas) e das anomalias cicatriciais da margem palpebral, associadas ou não a cirurgias prévias(4,7,13).

No caso do ectrópio, a triquíase foi observada mais freqüentemente em associação com o ectrópio do tipo cicatricial. Nesta situação, dois fatores potencialmente causadores de triquíase estão presentes: a inflamação crônica da margem e as dermatoses, freqüentes nos portadores de ectrópio do tipo cicatricial.

 

CONCLUSÃO

O ectrópio palpebral cursa com meibomite, diminuição do número e perda da convexidade dos cílios, além de alterações na posição dos cílios palpebrais. Estas alterações provavelmente são decorrentes do processo inflamatório crônico que se estabelece na margem palpebral.

 

REFERÊNCIAS

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7. Barber K, Dabbs R. Morphological observations on patients with presumed trichiasis. Br J Ophthalmol. 1988;72(1):17-22.        

8. Netland PA, Sugrue SP, Albert DM, Shore JW. Histopathologic features of the floppy eyelid syndrome. Involvement of tarsal elastin. Ophthalmology. 1994;101(1):174-81.        

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11. Mitchell P, Hinchcliffe P, Wang JJ, Rochtchina E, Foran S. Prevalence and associations with ectropion in an older population: the Blue Mountains Eye Study. Clin Experiment Ophthalmol. 2001;29(3):108-10.        

12. Shiratori CA, Schellini SA, Marques ME, Padovani CR, Padovani CRP. Histopathological alterations in the involutional eyelid ectropium [abstract]. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2001;42:S280.        

13. Figueiredo ARP, Soares EJC. Trichiasis: diagnosis and management. Orbit. 1992;11:137-46.        

 

 

Endereço para correspondência
Silvana Artioli Schellini
DEP. OFT/ORL/CCP
Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP
Botucatu (SP) CEP 18618-970
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 10.11.2004
Versão revisada recebida em 14.04.2005
Aprovação em 14.06.2005

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP).
Nota Editorial:
Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Eliana Aparecida Forno e do Dr. Davi Araf sobre a divulgação de seus nomes como revisores, agradecemos sua participação neste processo.


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