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Editorial

Microftalmia com cisto colobomatoso orbitário: relato de casos

Microphthalmos with colobomatous orbital cyst: case reports

Tânia Pereira Nunes1; Houyem Ben-Ayed2; Mehrad Hamedani2; Serge Morax2; Suzana Matayoshi1

DOI: 10.1590/S0004-27492004000400016

RESUMO

Microftalmia com cisto colobomatoso orbitário é raro diagnóstico diferencial dos tumores congênitos orbitários. O diagnóstico precoce e o tratamento adequado são importantes para bom crescimento órbito-palpebral. Descrevemos três casos de microftalmia congênita associada a cisto colobomatoso orbitário e analisamos a importância dos exames complementares. Ultra-sonografia, tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética e o estudo histológico da massa excisada estabeleceram o diagnóstico preciso de cisto colobomatoso.

Descritores: Exoftalmia; Cistos; Coloboma; Neoplasias orbitárias; Diagnóstico diferencial; Relato de caso

ABSTRACT

Microphthalmos with colobomatous orbital cyst is a rare differential diagnosis of congenital orbital tumors. Early diagnosis and adequate treatment are important for orbital and eyelid growth. We present three cases of microphthalmos with colobomatous orbital cyst and demonstrate the importance of imaging techniques. Ultrasonography, computed tomography, magnetic resonance and histological study of the ablated mass established the correct diagnosis of colobomatous cyst.

Keywords: Exophthalmos; Cysts; Coloboma; Orbital neoplasms; Differential diagnosis; Case report


 

 

INTRODUÇÃO

Microftalmia associada a cisto colobomatoso orbitário é um raro diagnóstico diferencial dos tumores orbitários congênitos. É uma anomalia orbitária que se desenvolve durante a embriogênese, entre a 5ª e 6ª semana, devido a um defeito de fechamento da fissura fetal. O cisto colobomatoso pode variar de tamanho, desde um achado histológico mínimo a uma grande massa orbitária(1). O diagnóstico normalmente é feito nos primeiros dias de vida. Yen e Tse descreveram um quadro de cisto orbitário congênito causando importante proptose detectado e monitorado através de exame de ultra-sonografia pré-natal(2). Pode ser unilateral ou bilateral e ter associação com outras malformações oculares e gerais(1,3-4). Com a ajuda de exames complementares, como ecografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, o diagnóstico diferencial com outras patologias orbitárias do recém-nascido é facilitado, permitindo a escolha de um tratamento mais apropriado(4-5).

O objetivo deste trabalho é divulgar três casos de microftalmia congênita associada a cisto colobomatoso orbitário e analisar a importância do diagnóstico precoce e tratamento adequado.

 

RELATO DOS CASOS

CASO 1 

F.T., paciente do sexo feminino, 9 meses de idade foi encaminhada para nosso serviço para avaliação de massa tumoral orbitária à esquerda desde o nascimento, sendo suspeitado de uma angiomatose orbitária.

Como antecedentes pessoais apresentou persistência do canal arterial, necessitando tratamento cirúrgico, hemihipertrofia crânio-vertebral e malformações vertebrais múltiplas.

Ao exame oftalmológico apresentava massa volumosa orbitária à esquerda, predominantemente inferior, produzindo abaulamento da pálpebra inferior com coloração azulada (Figura 1) O exame do lado contralateral era normal.

 

 

Ecografia ocular e orbitária à esquerda mostrou a presença de um cisto volumoso inferior produzindo saliência na pálpebra inferior. O conteúdo da lesão era puramente líquido. Acima e posterior ao cisto encontrava-se um pequeno bulbo ocular, medindo aproximadamente 11 mm de comprimento axial. O exame de tomografia computadorizada orbitária e cerebral auxiliou no diagnóstico, mostrando uma órbita aumentada de tamanho à esquerda e um processo expansivo intra-orbitário essencialmente nos quadrantes inferiores. Este processo apresentava densidade líquida e parecia estar conectado ao nervo óptico. Não foram detectadas malformações cerebrais.

A paciente foi submetida a uma avaliação neurológica que constatou retardo de desenvolvimento psico-motor.

Foi realizada a exérese da lesão cística, enucleação do olho atrófico e enxertia de mucosa labial. Colocação de um conformador na cavidade e realização de tarsorrafia provisória.

O resultado anátomo-patológico foi compatível com o diagnóstico clínico: microftalmia com cisto colobomatoso. Bulbo ocular bem diferenciado e uma formação cística que apresentava células do tipo neuro-ectodérmica.

A paciente foi avaliada no 7º pós-operatório com bom resultado cirúrgico e encaminhada para acompanhamento protético.

CASO 2

N.N., paciente do sexo masculino, 10 meses de idade encaminhado para nosso serviço com diagnóstico de microftalmia congênita e cisto colobomatoso à direita e apresentava problema na adaptação da prótese ocular. O paciente iniciou tratamento protético no 1º mês de vida.

Como antecedentes pessoais apresentava uma história de convulsão neonatal. Ao exame oftalmológico, apresentava prótese ocular à direita deslocada anteriormente e para baixo, devido à presença de uma massa orbitária e um fundo de saco conjuntival superior curto. O exame do outro olho demonstrou presença de nistagmo.

O paciente apresentava retardo de desenvolvimento psico-motor.

Nesta ocasião, optou-se pelo tratamento conservador com acompanhamento protético.

Após um ano, foi realizado ressonância magnética que constatou a presença de um macro-orbitismo à direita com microftalmia e grande cisto infero-ântero-lateral. O exame oftalmológico mostrava prótese deslocada para baixo.

Após 3 anos da primeira consulta, com o importante crescimento do cisto colobomatoso, o paciente foi submetido a exérese da lesão cística da órbita direita e reconstrução de fundo de saco conjuntival com enxertia de mucosa labial.

O resultado anátomo-patológico da massa orbitária comprovou ser um cisto colobomatoso: formação cística envolta por uma base celular pouco diferenciada correspondendo a uma retina embrionária sem atipia, envolta por uma parede fibrosa ricamente vascularizada.

CASO 3

T.G., paciente do sexo masculino, 9 meses de idade encaminhado para o serviço com diagnóstico de microftalmia congênita com cisto colobomatoso à esquerda e apresentando dificuldade na adaptação da prótese ocular. Resultado de tomografia computadorizada anterior à nossa consulta: formação cística orbitária à esquerda e presença de bulbo ocular de tamanho reduzido, compatível com microftalmia. Não apresentava alterações gerais.

Ao exame oftalmológico apresentava blefaroptose mecânica à esquerda por massa orbitária e pequena rima palpebral. Não foi possível observar o bulbo ocular. O exame do olho contralateral era normal.

Foi realizada ressonância magnética que demonstrou a presença de um cisto orbitário à esquerda, na região ântero-superior da órbita, em contato com o teto orbitário. Não foram diagnosticadas malformações cranianas.

Foi programada a exérese da massa orbitária e reconstrução do fundo de saco conjuntival com enxerto de mucosa labial.

O paciente apresentou boa evolução com possível adaptação de prótese ocular. Após 3 anos da primeira intervenção cirúrgica, foram realizados novos exames e observamos a presença de entrópio palpebral superior, estenose de fundo de saco conjuntival superior e inferior e micro-orbitismo importante (Figura 2 e 3), sendo programada uma expansão da cavidade orbitária através de osteotomia(5). Foi realizada osteotomia do rebordo infra e látero-orbitário e uma parte do rebordo supra-orbitário. Foi realizada mobilização do rebordo orbitário, seu avanço e lateralização para permitir um aumento do diâmetro transversal orbitário; as paredes inferior e lateral foram moldadas para aumentar a órbita óssea. Os espaços mortos ósseos do maxilar e assoalho orbitário foram reconstruídos com enxerto de placas de coral natural (carbonato de cálcio). Aumento dos fundos de saco conjuntival foi realizado com enxertia de mucosa labial. Conformador e tarsorrafia provisória foram utilizados.

 

 

 

 

O paciente evolui com satisfatório resultado cirúrgico (Figura 4), sendo encaminhado para troca de prótese ocular.

 

 

DISCUSSÃO

Microftalmia congênita associada a cisto colobomatoso orbitário representa uma das formas de anomalia colobomatosa do bulbo ocular. O desenvolvimento do cisto ocorre durante o fechamento embrionário, conseqüente à desarmonia entre o crescimento e a diferenciação. É devido à anomalia de desenvolvimento da camada de células interna e externa da cúpula óptica. A camada interna desenvolve-se mais rápido que a camada externa levando a eversão da primeira sobre as bordas da fenda, causando a impossibilidade da união das duas camadas e o fechamento da fenda fetal, produzindo o aparecimento de um cisto em contato com o espaço sub-retínico do bulbo ocular(5-6).

Três tipos clínicos podem ser observados: microftalmia extrema com cisto volumoso de coloração azulada, ocupando toda a órbita, pressionando as pálpebras e podendo ser confundida com uma angiomatose orbitária. O caso 1 descrito neste estudo pode ser enquadrado neste tipo. Outro grupo clinico é: pequeno cisto com microftalmia subnormal, sendo que durante o crescimento, o cisto colobomatoso pode aumentar de volume e levar ao abaulamento palpebral, mais comumente inferior, um exemplo deste tipo é o paciente do caso 2. E o terceiro tipo é globo ocular e cisto colobomatoso de tamanho semelhante (5-6).

O diagnóstico desta patologia nem sempre é simples apenas com o exame clínico, muitas vezes é necessário a realização de exames complementares para o diagnóstico preciso, antes de qualquer exploração cirúrgica. A ecografia ocular avalia a natureza da massa orbitária e sua característica homogênea e a presença de microftalmia. A tomografia computadorizada e a ressonância magnética complementam as informações dadas pela ecografia, demonstra a presença de um bulbo ocular pequeno, aspecto dos músculos óculo-motores e do nervo óptico, as características da órbita acometida, como tamanho e estado de suas paredes. Também permitem avaliar associações de malformações crânio-encefálicas(4,7-8). Estes exames complementares facilitam o diagnóstico diferencial com outras lesões orbitárias do recém-nascido, como por exemplo, angioma órbito-palpebral que foi pensado como diagnóstico do caso 1 descrito neste estudo, olho cístico congênito, meningocele e teratomas orbitários(3,8).

O diagnóstico definitivo é dado pelo exame anátomo-patológico que demonstra a presença de uma massa cística formada por uma camada de células de uma retina mais ou menos diferenciada e a sua continuação com o bulbo ocular(7). É possível demonstrar a presença de células de natureza glial na parede cística, compostas principalmente por astrócitos, utilizando coloração especial de imunohistoquímica(3).

O tratamento da microftalmia com cisto colobomatoso orbitário é variável dependendo da forma clínica. A presença de um cisto colobomatoso de volume semelhante ao de um bulbo ocular ou de uma microftalmia moderada pode produzir uma órbita de tamanho normal ou aumentada, com bom desenvolvimento conjuntivo-palpebral, sendo indicado um tratamento conservador(7,9). Em casos de proptose importante e ou deformidade palpebral, indica-se tratamento cirúrgico.

Os casos 1 e 2 deste estudo apresentaram um bom desenvolvimento orbitário, tratamento cirúrgico foi indicado na presença de volumoso cisto, impedindo adaptação da prótese ocular. Aspiração do conteúdo cístico pode ser realizada como forma de tratamento, porém são necessárias várias intervenções, devido ao reacúmulo de líquido no interior do cisto. Com repetidas aspirações, o cisto torna-se cada vez menor e produz menos quantidade de líquido, colabando-se por completo(10). Acreditamos que a paciente do primeiro caso seria beneficiada com este tipo de procedimento, porém optou-se pela exérese da massa cística pela impossibilidade de um acompanhamento constante em nosso serviço.

Após 2 anos de acompanhamento, o paciente do caso 2 foi submetido a exérese da massa cística, devido ao crescimento da lesão e impossibilidade do uso da prótese ocular. Optou-se por deixar o bulbo ocular, diminuindo com isto o trauma cirúrgico; algumas complicações podem ocorrer após enucleação seguida de implante de esfera de silicone ou de hidroxiapatita(9), como deiscência de sutura, exposição do implante e infecção.

O paciente do caso 3 evoluiu com micro-orbitismo, que pode levar a assimetria facial. Em geral a importância do micro-orbitismo é em função da importância da microftalmia, porém já foram descritos casos de micro-orbitismo associado a uma microftalmia moderada(9). Quando o quadro é importante, seu tratamento é indispensável. O nosso paciente foi submetido a orbitotomia(6) e encaminhado para readaptação de prótese ocular. Outro método possível é a utilização de implante expansível, porém várias complicações já foram descritas com a utilização deste método, como extrusão precoce do implante, dificuldade no controle da expansão orbitária, dificuldade de fixação do implante e infecção(6). Alguns autores realizaram estudos fixando o implante expansível na região intracônica ou intra-escleral, quando era possível manter as inserções musculares na esclera, diminuindo o risco de extrusão e melhorando o controle da expansão(9,11), porém estudos com maior número de pacientes são necessários para comprovar a diminuição das complicações.

O diagnóstico e tratamento adequado da microftalmia congênita associada a cisto colobomatoso é fundamental para o bom crescimento órbito-palpebral na infância e assim assegurar melhor desenvolvimento psico-social.

 

REFERÊNCIAS

1. Rootman J, Lapointe JS. Structural lesions. In: Rootman J. Diseases of the Orbit. Philadelphia: Lippincott; 1988. p. 481-523.        

2. Yen MT, Tse DT. Congenital orbital cyst detected and monitored by prenatal ultrasonography. Ophthal Plast Reconstr Surg 2001;17(6):443-6.        

3. Lieb W, Rochels R, Gronemeyer U. Microphthalmos with colobomatous orbital cyst: clinical, histological, immunohistological, and electronmicroscopic findings. Br J Ophthalmol 1990;74(1):59-62.        

4. Weiss A, Martinez C, Greenwald M. Microphthalmos with cyst: clinical presentations and computed tomographic findings. J Pediatric Ophthalmol Strabismus 1985;22(1):6-12.        

5. Castier P, Guilbert F, Woillez M, Defoort S, Peugnet JM. Tumeurs orbitaires par kyste colobomateux avec microphtalmie. Bull Soc Ophtalmol Fr 1986;86 (2):145-8.        

6. Morax S. Pathologie congénitale orbitaire. In: Adenis JP, Morax S. Pathologie orbito-palpébrale. Paris: Masson;1998. p.626-51.        

7. Morax S, Smida R, Hurbli T, Sterkers M. Kyste colobomateux de l'orbite au cours d'une microphtalmie congénitale. J Fr Ophtalmol 1995;18(6/7):475-80.        

8. Ndiaye PA, Ndiaye MER, Sakho Y, Mendes V, Gueye M, Wade A. Kyste séreux Congénital de l'Orbite avec Anophtalmie. J Fr Ophtalmol 1991;14 (3):195-8.        

9. Mouriaux F, Audo I, Defoort-Dhellemmes S, Labalette P, Guilbert F, Constantinides G, et al. Prise en charge des microphtalmies et anophtalmies congénitales. J Fr Ophtalmol 1997;20(8):583-91.        

10. Raynor M, Hodgkins P. Microphthalmos with cyst: preservation of the eye by repeated aspiration. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 2001;38(4):245-6.        

11. Gossman D, Mohay J, Roberts DM. Expansion of the human microphthalmic orbit. Ophthalmology 1999;106(10):2005-9.        

 

 

Endereço para correspondência
Tânia P. Nunes
Rua Cristiano Viana, 116 apto 32
CEP 05411-000 São Paulo (SP)
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 10.06.2003
Versão revisada recebida em 28.10.2003
Aceito em 31.10.2003

 

 

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Trabalho realizado no setor de Cirurgia Órbito-Palpebral da Fondation Ophtalmologique Adolphe de Rothschild, Paris, França
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Hélcio José Fortuna Bessa


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