Galton Carvalho Vasconcelos1; Frederico Bicalho Dias da Silva1; Henderson Celestino de Almeida2; Maria de Lourdes M. V. Boas3; Miguel Gontijo Álvares1
DOI: 10.1590/S0004-27492001000300010
RESUMO
Objetivo: Avaliar o quadro clínico, as anormalidades gestacionais e de parto e os resultados na cirurgia de estrabismo em pacientes com síndrome de Möbius. Métodos: Foram estudados, retrospectivamente, 7 pacientes com diagnóstico de síndrome de Möbius, dos quais 6 foram submetidos à cirurgia de estrabismo. Resultados: Além dos achados clássicos que caracterizam a síndrome, em todos os casos estudados observaram-se alterações gestacionais ou de parto. Em 2 pacientes encontrou-se no per-operatório, inserção posteriorizada do reto medial. Graças à fixação cruzada, esses pacientes geralmente não desenvolvem ambliopia. Conclusão: A cirurgia, quando indicada, deve constar apenas dos retrocessos musculares e acredita-se que o planejamento cirúrgico deva ser menor do que o feito em casos de paralisia isolada do nervo abducente de mesmo valor.
Descritores: Síndrome de Möbius; Estrabismo
ABSTRACT
Purpose: To evaluate clinical features, pregnancy and labour abnormalities and the results of strabismus surgery in patients with Möbius syndrome. Methods: The authors studied retrospectively 7 patients with Möbius syndrome, of whom 6 were submitted to strabismus surgery. Results: In addition to the classical findings that characterize the syndrome, pregnancy and labour insults were observed in all cases. In 2 patients a posterior medial rectus insertion was found during surgery. Due to cross-fixation, these patients usually do not develop amblyopia. Conclusions: Surgery should consist of muscle recessions, but recessing them less than it would be done for similar isolated abducens palsy.
Keywords: Möbius syndrome; Strabismus
INTRODUÇÃO
A síndrome de Möbius é uma condição pouco comum, caracterizada por paralisia de nervos cranianos associada a outras anormalidades, especialmente dos membros. De acordo com Reed e Grant(1), os primeiros casos foram descritos por Von Graefe em 1880, Harlan em 1881 e Chisolm em 1882. Möbius(2-3), em 1888 e 1892 estudou 43 casos de paralisia dos nervos cranianos, identificando um grupo de 6 pacientes que apresentavam paralisia dos nervos faciais e dos abducentes. Desde então, o nome de Möbius tem sido associado a esta condição. Em 1939, Henderson(4) revisou os achados de 61 pacientes, reconhecendo as anormalidades sistêmicas associadas, ampliando desta maneira o espectro desta síndrome.
A etiologia da síndrome de Möbius não é clara, sendo considerada em alguns estudos como resultante de agressão ao feto entre a quarta e quinta semanas da gestação(1). Em alguns casos, porém, parece haver clara evidência de herança autossômica dominante(5). Seja por agressão geneticamente determinada, seja por alterações locais na embriogênese, alguns estudos em animais sugerem a participação de eventos hipóxicos ou isquêmicos cerebrais na etiologia da síndrome de Möbius(6).
As características clínicas mais importantes são: paralisia facial do tipo periférico, geralmente bilateral, paralisia do sexto par craniano, atrofia da musculatura lingual e outras anomalias musculares e ósseas, localizadas com maior freqüência nos membros superiores e inferiores, em sua porção distal. Estas alterações produzem uma "facies" característica, de aspecto inexpressivo devido à ausência de mímica facial. Além disso, a boca mantém-se entreaberta e os olhos não se fecham, mas ao tentar fechá-los observa-se o sinal de Bell. As alterações da musculatura oculomotora são variáveis. Na maioria das vezes, existe paralisia dos músculos retos laterais, com esotropia de grande ângulo e rotação da cabeça, de modo a fixar com cada olho em adução. Outras vezes há esotropia discreta, geralmente associada à paralisia conjugada do olhar. Os movimentos verticais do olho são geralmente normais. Outras paralisias de nervos cranianos, principalmente bulbares, podem estar presentes. Alguns recém-nascidos afetados apresentam dificuldade para deglutição, devido à paralisia do nono e décimo-segundo nervos cranianos. Retardo mental leve tem sido relatado em vários pacientes(4); entretanto em muitos casos os problemas na fala e a falta de expressão facial conduzem erroneamente ao diagnóstico de retardo mental.
MÉTODOS
Retrospectivamente, foram estudados 7 pacientes no Serviço de Estrabismo do Hospital São Geraldo: 4 pacientes do sexo masculino e 3 do sexo feminino. A idade em 6 pacientes, na ocasião da cirurgia, variou de 03 a 12 anos (média de 6,30). O paciente n° 7, não operado, apresentava 8 anos ao primeiro exame. Todos os pacientes apresentaram paralisia ou paresia dos nervos abducentes e dos faciais causando, respectivamente, esotropia que variou entre 35 a 85 DP e ausência de expressão facial, além de alterações osteo-musculares (Figura 1). Foram anotadas: a acuidade visual em ambos os olhos, a medida do desvio pelo teste de cobertura ou método de Krimsky, as rotações, a biomicroscopia, a retinoscopia sob cicloplegia e a fundoscopia além da pesquisa de anormalidades gestacionais e do parto.
A rotação ocular normal foi expressa pela letra N e a deficiência de rotação por -1 (25%) a -4 (100%). Se à tentativa de abdução, o olho do paciente não chegasse à linha média, expressou-se essa deficiência por -5 (discreta) -6 (moderada) ou -7 (acentuada); se permanecesse em adução máxima (estrabismo fixo) seria classificado como -8.
Foi considerado um bom resultado cirúrgico um eso ou exodesvio de até 10 dioptrias prismáticas.
RESULTADOS
Em todos os casos houve problemas gestacionais ou de parto, sendo que a mãe de um deles tomou talidomida durante a gravidez.
Alteração da mímica facial e paresia ou paralisia do nervo abducente ocorreram em todas as crianças. Defeitos das extremidades, distrofia da língua, anormalidades maxilo-mandibulares e distúrbios da fala apareceram em 4 casos. Houve também atraso em iniciar a deambulação em 3, implantação baixa e saliente do pavilhão auditivo e convulsões em 2, e hérnia inguinal e malformação óssea do tórax em 1 paciente (Tabela 1).
Todos os pacientes apresentaram hipermetropia variando de +0,50 a +6,00 dioptrias, associada ou não a astigmatismo, mostrando um equivalente esférico de +1,00 a + 4,00 (média = +2,7). O paciente n° 5 apresentou aniso-hipermetropia (de 2,5 dioptrias). Fixação cruzada foi observada em quatro dos sete casos. A esotropia apareceu em todos os casos, variando de 35 a 85 dioptrias prismáticas (média de 52,9). Somente o paciente n° 5 apresentou hipertropia, de 15 DP. A limitação de abdução, simétrica em 6 casos, variou de -3 a -7; dois pacientes apresentaram "olhos congelados" em convergência. A adução foi normal em dois pacientes e deficiente em 5, variando de -1 a -3. Os movimentos verticais foram normais (Tabela 2).
A análise per-operatória mostrou inserção posteriorizada do reto medial em 2 pacientes, um deles, apresentando também dupla inserção (Tabela 3).
A dução forçada passiva para abdução foi negativa em 1 paciente e positiva em todos os outros. No paciente nº 6 o teste permaneceu positivo após a desinserção do reto medial direito. Foi encontrada uma segunda inserção deste músculo, que desfeita, tornou a dução passiva finalmente negativa. A restrição mecânica foi maior nos casos com as esotropias de maior ângulo.
O plano cirúrgico consistiu de recuo isolado de retos mediais em 3 pacientes e foi associado em 2 casos à ressecção de um reto lateral e em 1 caso à ressecção de um reto inferior. A amplitude dos retrocessos variou de 4 a 6,5 mm e das ressecções de 10 a 11 mm (valores não aconselhados mais). Em 1 paciente foram realizados recuo-ressecão monoculares e apenas um não foi operado (Tabela 3). No pós-operatório de 1 semana houve 2 casos de ortotropia (Figura 2), 2 casos de esotropia de 10 DP, um deles com microhipertropia à esquerda, 1 caso de esotropia de 20 DP associado a hipertropia direita de 10 DP e 1 paciente apresentou exotropia de 20 DP acompanhada de hipertropia esquerda de 10 DP. Ao final de 3 meses, houve ótimo resultado em 3 pacientes e esotropia residual de 20 DP em 2 casos, dos quais um foi reoperado com bom resultado e o outro não voltou mais ao serviço. Em 1 paciente houve exotropia secundária de 20 DP, sendo submetido a 2 aplicações de toxina botulínica (5 U em cada reto lateral) com melhora razoável, retornando ao serviço após 1 mês com exotropia de 15 DP (Tabela 4).
DISCUSSÃO
É interessante enfatizar a presença de anormalidades relacionadas à gestação ou de parto em todos os casos. No caso de n° 5 a mãe teve rubéola no 3º mês, leiomioma uterino e tomou talidomida. Papst(7) relatou, entre outros achados, 7 casos de Síndrome de Möbius e 4 casos de Síndrome de Stilling-Türk-Duane entre os filhos de mães que tomaram talidomida durante a gravidez.
O comprometimento dos nervos abducentes e faciais ocorreu em todos os pacientes com Síndrome de Möbius. Acredita-se que a paralisia dos retos laterais favoreça a contratura dos retos mediais, que gradualmente perdem sua função. A abdução piora com a contratura dos retos mediais, obrigando o paciente a fixar à direita com o OE e à esquerda com o OD, o que provavelmente evita a ambliopia.
Em 2 pacientes notou-se inserção posteriorizada dos retos mediais o que é relatado por Traboulsi e Maumenee(8), que encontraram um reto medial posteriorizado a 20 mm do limbo e cuja análise anátomo-patológica evidenciou ausência de fibras musculares com presença de apenas tecido fibroso.
CONCLUSÃO
Os autores acreditam que, realmente os 3 pacientes com melhores resultados cirúrgicos foram aqueles submetidos a retrocesso bimedial. Os pacientes submetidos a retrocesso-resecção apresentaram os piores resultados. Devido à grande contratura dos retos mediais, o seu enfraquecimento deve ser menor do que em casos de paralisia isolada de abducentes de mesmo valor. O retrocesso dos retos mediais já deficientes, piora a adução, sendo o resultado ideal, possível, uma micro-esotropia com olhos congelados horizontalmente. Os movimentos oculares verticais geralmente permanecem normais. A injeção de toxina botulínica aplicada em apenas 1 caso, produziu melhora razoável, mas não parece estar indicada em pacientes com Síndrome de Möbius.
REFERÊNCIAS
1. Reed H, Grant W. Möbius Syndrome. Br J Ophthalmol 1957;41:731-40.
2. Möbius PJ. Über angeborene doppelseitige Abducens-facialis lahmung. München Med Wschr 1888;35:91-4.
3. Möbius PJ. Über infantilian kernschwund. München Med Wschr 1892;39:41-5.
4. Henderson JL. The congenital facial diplegia Syndrome: clinical features, pathology and aetiology. A review of sixty-one cases. Brain 1939;62:381-403.
5. Taylor D, Gregson R. Möbius syndrome. In: Good W, Hoyt C, editors. Strabismus management. Massachutess: Butterworth-Heinemann; 1996. p. 77-83.
6. Ghabrial R, Versace P, Kourt G, Lipson A, Martin F. Möbius Syndrome: features and etiology. J Pediatr Opththalmol Strabismus 1998;35:304-11.
7. Papst W. Thalidomid und knogenitale anomalie der augen. Ber Deutsch Ophthalmol Ges 1963;65:209-15.
8. Traboulsi El, Maumenee IH. Extraocular muscle aplasia in Moebius Syndrome. J Pediatr Ophthalmol Strabismus 1986;23:120-2.
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
1 Doutorando do Departamento de Oftalmo-Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
2 Doutorando do Departamento de Oftalmo-Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
3 Professor Titular chefe do Serviço de Estrabismo do Hospital São Geraldo.
4 Doutora em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
5 Professor voluntário do Departamento de Oftalmo-Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.
Endereço para correspôndencia: Dr. Galton Carvalho Vasconcelos, Departamento de Oftalmologia - Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais - Av Prof. Alfredo Balena 190 - Sl/ 3005 - Belo Horizonte (MG) CEP 30130-100.