Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Coroidite serpiginosa macular: relato de caso

Macular serpiginous choroiditis: case report

Michel Klejnberg1; Remo Turchetti2; Eduardo Cunha de Souza3

DOI: 10.1590/S0004-27492009000500026

RESUMO

A coroidite serpiginosa é uma doença rara, que pode causar perda visual irreversível quando a mácula é atingida. Este artigo relata um caso de coroidite serpiginosa com acometimento macular isolado, submetido a tratamento com injeções subtenoniana e intravítrea de triancinolona. Os aspectos clínicos e diagnósticos diferenciais desta doença ocular são discutidos, assim como, os achados de angiografia fluoresceínica e tomografia de coerência óptica de alta resolução.

Descritores: Uveíte; Coroidite; Doenças retinianas; Coriorretinite; Relatos de casos

ABSTRACT

Serpiginous choroiditis is a rare ocular inflammatory disease that can lead to permanent vision loss due to macular involvement. This article reports a case of a patient with macular serpiginous choroiditis submitted to subtenon and intravitreal triamcinolone injections. The clinical aspects and differential diagnosis of this ocular disease, including fluorescein angiogram and high-resolution optical coherence tomography are discussed.

Keywords: Uveitis; Choroiditis; Retinal diseases; Chorioretinitis; Case reports


 

 

INTRODUÇÃO

A coroidite serpiginosa, também denominada coroidite geográfica ou coroidopatia helicoidal peripapilar, é uma entidade clínica crônica bilateral caracterizada por episódios recorrentes de inflamação da coriocapilar e do epitélio pigmentário da retina, com envolvimento secundário da retina neurossensorial(1). Sua causa é desconhecida, sendo consideradas as hipóteses de etiologia viral e genética(1-2). Acomete, tipicamente, pacientes adultos, após a terceira década de vida, sem associação com outras comorbidades. Embora esta doença já tenha sido relatada em pacientes de diversas etnias e ambos os sexos, há autores que acreditam em uma incidência mais frequente em brancos do sexo masculino(3).

O principal sintoma é a perda visual acompanhada por escotoma central ou paracentral, inicialmente em um olho. Frequentemente, o olho contralateral é acometido(3). A forma ativa da doença apresenta-se como uma lesão branco-amarelada profunda, de limites mal definidos, na região peripapilar. Na maior parte dos casos, o processo inflamatório persiste por um período de seis a oito semanas, involuindo espontaneamente para uma área de atrofia da coriocapilar e da retina sobrejacente, onde os vasos calibrosos da coróide podem ser vistos(3-4). Episódios recorrentes costumam ocorrer a partir desta lesão inativa peripapilar sob forma de uma nova lesão amarelo-esbranquiçada de aspecto serpiginoso, normalmente, se expandindo em direção à mácula ou retina paramacular(2,5). Deste modo, a localização das lesões da coroidite serpiginosa é o principal fator determinante do prognóstico visual, sendo bastante reservado quando a fóvea é atingida(3-4). O acometimento primário e isolado da mácula é uma apresentação incomum desta doença. O objetivo deste estudo é relatar e discutir os aspectos clínicos de um paciente com coroidite serpiginosa macular.

 

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, sadia, com 62 anos de idade e parda, procurou assistência oftalmológica queixando-se de rápida perda da visão central do olho direito (OD) há trinta dias. Um exame prévio de angiografia fluoresceínica (AF), realizado em outro serviço, revelou uma lesão de limites mal definidos na porção superior da fóvea do OD com discreta hiperfluorescência durante as fases circulatórias do exame. No exame inicial neste serviço, apresentou acuidade visual com correção de 20/200 no OD e 20/20 no olho esquerdo. A tonometria de aplanação foi igual a 12/12 mmHg. A fundoscopia do OD revelou uma lesão macular profunda, branco-acinzentada, com limites imprecisos, associada a certo grau de mobilização pigmentar (Figura 1 A). Um novo exame de AF revelou área de hipofluorescência inicial correspondente à lesão na região macular (Figura 1 C, D). No decorrer do exame, observou-se hiperfluorescência progressiva petalóide na região foveal, característico de edema macular cistóide sobre a lesão (Figura 1 H). A tomografia de coerência óptica (OCT) de domínio temporal mostra irregularidades nas camadas retinianas externas (Figura 1 I). Olho esquerdo normal: retinografia (Figura 1 B) e AF (Figura 1 G).

A paciente foi submetida a injeção intravítrea de triancinolona (0,4 mg/0,1 mL) associada a injeção subtenoniana de triancinolona (4 mg/1 mL) após o esclarecimento dos riscos e possíveis benefícios do tratamento. Quarenta e cinco dias após o tratamento, a visão do OD evoluiu para 20/100 e a lesão se apresentava aparentemente cicatrizada (Figura 2 A, C, D, E, F, H, I), sem evidência de edema macular cistóide (Figura 2 H). A OCT de alta definição (OCT de domínio espectral) revelou uma desorganização localizada das camadas retinianas externas (fotorreceptores/epitélio pigmentário da retina) e uma área de hiperrefletividade coroidea correspondente a esta atrofia retiniana (Figura 2 I). Olho esquerdo normal: retinografia (Figura 2 B) e AF (Figura 2 G).

 

DISCUSSÃO

Este caso demonstra a perda irreversível da visão central unilateral causada por uma lesão inflamatória retiniana diagnosticada como coroidite serpiginosa macular. O envolvimento macular na coroidite serpiginosa resulta em baixa visual central variável e de difícil tratamento desde sua fase de instalação inicial(3-4). O diagnóstico da coroidite serpiginosa é tipicamente fundoscópico, não havendo nenhum exame complementar que possa confirmá-lo definitivamente. O aspecto inflamatório branco-amarelado de suas lesões ativas deve ser diferenciado de outras doenças oculares inflamatórias, que também podem evoluir com cicatriz coriorretiniana no polo posterior. Toxoplasmose, tuberculose, histoplasmose, epiteliopatia pigmentar placóide e maculopatia placóide persistente são diagnósticos diferenciais importantes. Descrita recentemente na literatura, a maculopatia placóide persistente se apresenta com uma lesão macular branco-amarelada com limites irregulares, poupando a região peripapilar, com aspecto bem semelhante ao visto na fase aguda da coroidite serpiginosa macular(6). Todavia, a acuidade visual destes pacientes costuma ser normal ou próxima do normal, mesmo que a lesão macular persista por meses. A baixa visual nestes pacientes só ocorre após complicações como a neovascularização de coróide e a degeneração tardia do epitélio pigmentário macular(6). Na epiteliopatia pigmentar placóide as lesões amareladas no polo posterior também não costumam causar perda visual e atrofia coriorretiniana grave(7). Todas estas doenças, além de cursarem com lesões fudoscópicas semelhantes à coroidite serpiginosa macular, apresentam hipofluorescência inicial de suas lesões ativas e hiperfluorescência nas fases finais do exame angiofluoresceinográfico. A hipofluorescência observada na coroidite serpiginosa pode ser explicada por duas hipóteses distintas: não perfusão da coriocapilar devido a um distúrbio da circulação coroidiana ou bloqueio, causado por infiltrados inflamatórios ao nível do epitélio pigmentário da retina(3). A não perfusão da coriocapilar macular nesta doença pode justificar o importante acometimento visual, uma vez que a isquemia do EPR e das camadas retinianas externas levam à disfunção e atrofia dos fotorreceptores. No caso em questão, a observação de atrofia das camadas retinianas externas na OCT corrobora esta hipótese.

Embora a causa da coroidite serpiginosa seja desconhecida, a presença de uveíte em alguns pacientes e o achado de infiltrado linfocítico na coróide sugerem um fator fisiopatológico inflamatório(3). Alguns autores indicam a presença de vasculite imunomediada como causadora da oclusão dos vasos da coriocapilar(8). Um estudo já demonstrou a incidência maior de HLA-B7 em pacientes com coroidite serpiginosa que no grupo controle (54,5% contra 24,3%, p<0,05)(9). Contudo, nenhuma doença sistêmica tem sido mencionada em associação com a coroidite serpiginosa. Pródromos são infrequentes e não há evidência na literatura de causa infecciosa(3). Por se tratar de uma variante grave da coroidite serpiginosa, a serpiginosa macular requer um tratamento agressivo com corticoterapia inicial. Neste caso, apesar da terapia máxima utilizada com triancinolona intravítrea e subtenoniana, não se obteve preservação da área macular. Entretanto, o momento exato em que esta terapia pudesse ter sido eficaz é um fato indeterminado a ser considerado. Akpek et al. preconizam o uso de imunossupressor em portadores de coroidite serpiginosa(10). A paciente foi esclarecida quanto à possibilidade de acometimento do olho contralateral e optou por assumir este risco, evitando o uso de imunossupressores. Apesar de a coroidite serpiginosa ser uma doença rara, deve-se sempre estar atento à possibilidade desta doença ocular acometer a mácula de forma isolada, ou não.

 

REFERÊNCIAS

1. Laatikainen L, Erkkilä H. Serpiginous choroiditis. Br J Ophthalmol. 1974; 58(9):777-83.         

2. Chisholm IH, Gass JD, Hutton WL. The late stage of serpiginous (geographic) choroiditis. Am J Ophthalmol. 1976;82(3):343-51.         

3. Nussenblatt RB, Whitcup SM, editors. Uveitis: fundamentals and clinical practice. 3rd ed. St. Louis: Mosby; 2004.         

4. Mansour AM, Jampol LM, Packo KH, Hrisomalos NF. Macular serpiginous choroiditis. Retina. 1988;8(2):125-31.         

5. Christmas NJ, Oh KT, Oh DM, Folk JC. Long-term follow-up of patients with serpinginous choroiditis. Retina. 2002;22(5):550-6.         

6. Golchet PR, Jampol LM, Wilson D, Yannuzzi LA, Ober M, Stroh E. Persistent placoid maculopathy: a new clinical entity. Ophthalmology. 2007;114(8):1530-40.         

7. Ryan SJ, Maumenee AE. Acute posterior multifocal placoid pigment epitheliopathy. Am J Ophthalmol. 1972;74(6):1066-74.         

8. Laatikainen L, Erkkilä H. A follow-up study on serpiginous choroiditis. Acta Ophthalmol (Copenh). 1981;59(5):707-18.         

9. Erkkilä H, Laatikainen L, Jokinen E. Immunological studies on serpiginous choroiditis. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 1982;219(3):131-4.         

10. Akpek EK, Ilhan-Sarac O. New treatments for serpiginous choroiditis. Curr Opin Ophthalmol. 2003;14(3):128-31.         

 

 

Endereço para correspondência:
Remo Turchetti
Praia de Botafogo, 206
Rio de Janeiro (RJ) CEP 22250-040
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 22.10.2008
Última versão recebida em 22.05.2009
Aprovação em 03.06.2009

 

 

Trabalho realizado no Instituto Brasileiro de Oftalmologia - IBOL - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil.
Nota Editorial: Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Ayrton Roberto Branco Ramos sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.


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