2
Views
Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Pseudotoxocaríase: relato de caso

Pseudotoxocariasis: a case report

Moysés Eduardo Zajdenweber1; Remo Turchetti Moraes2; Oswaldo Moura Brasil2

DOI: 10.1590/S0004-27492006000100023

RESUMO

Os autores descrevem um caso no qual o diagnóstico inicial, clínico e laboratorial, era compatível com quadro de toxocaríase ocular. Porém a evolução clínica somada a realização de exame histopatológico revelou diagnóstico diferente, demonstrando à importância do exame histopatológico, principalmente nos quadros em que o diagnóstico é presumido.

Descritores: Toxocaríase; Infecções oculares parasitárias; Granuloma; Uveíte; Biópsia; Diagnóstico diferencial; Relatos de casos

ABSTRACT

The Authors describe a case where the initial diagnosis, clinical and laboratorial, was compatible with ocular toxocariasis. Therefore the follow-up added to a histopathologic examination disclosed a different diagnosis, proving the importance of the histopathologic examination, mainly in presumable diagnostics.

Keywords: Toxocariasis; Eye infections, parasitic; Granuloma; Uveitis; Biopsy; Diagnosis, differential


 

 

INTRODUÇÃO

Toxocaríase é o termo clínico utilizado para designar a infecção do hospedeiro humano pelos nematódeos Toxocara canis ou Toxocara cati(1-2). Após a disseminação sistêmica, diversos órgãos podem ser alvo de infecção, sendo que o olho é amiúde acometido(1,3).

A toxocaríase ocular pode ser a causa de uma série de manifestações oculares, variando desde um granuloma posterior a um descolamento total da retina(2,4). É uma importante causa de uveíte infecciosa no nosso meio(5), sendo responsável por baixa de acuidade visual secundária a infecção por parasitas em todo mundo(6).

As manifestações clínicas dependem do grau de parasitismo, intensidade da reação inflamatória e localização das larvas(1).

As manifestações clínicas associadas à toxocaríase são classificadas de acordo com os órgãos afetados e determinarão as duas principais síndromes: a larva migrans visceral, que engloba a afecção de grandes órgãos viscerais; e a larva migrans ocular, na qual os efeitos patológicos no hospedeiro são restritos ao olho e nervo óptico. Embora raro, estas duas formas podem ocorrer simultaneamente num mesmo paciente(1).

A toxocaríase ocular é normalmente unilateral e freqüentemente afeta crianças podendo porém afetar adulto(2,7).

 

RELATO DE CASO

A.B.H.S, 7 anos de idade, sexo feminino, natural do RJ, em março de 2001 apresenta queixa de cefaléia e baixa da acuidade visual no olho esquerdo há 4 meses.

No momento da primeira visita apresentava-se em tratamento para puberdade precoce, sem outras alterações do estado geral. Traz sorologia para toxoplasmose (IgM, IgG) negativa e PPD não reator.

Mãe informa que a paciente havia realizado exame oftalmológico há 6 meses e que este era normal. Nesta primeira visita revelou ao exame oftalmológico: acuidade visual de 1,0 no olho direito e de conta dedos a 50 cm no olho esquerdo, biomicroscopia sem alterações em ambos os olhos, pressão intra-ocular de 12 mmHg, fundoscopia do olho direito apresentando defeito de epitélio pigmentário junto à arcada temporal superior e granuloma no pólo posterior do olho esquerdo (Figura 1), sem presença de células vítreas.

 

 

Nesta ocasião foi feito diagnóstico clínico de toxocaríase ocular e solicitado hemograma, que se mostrou normal, não apresentando eosinofilia, e sorologia para toxocaríase, que revelou IgG positivo e IgM negativo para a doença.

Indagada sobre o contato com animais, a paciente negava a presença de animais em sua casa, porém costumava brincar em tanques de areia em praça e na escola.

Paciente retorna 15 meses depois com queixa de "algo flutuando" no seu olho esquerdo, quando observamos ao exame oftalmológico: acuidade visual de 1,0 no olho direito e de conta dedos a 50 cm no olho esquerdo, biomicroscopia sem alterações em ambos os olhos, e no olho esquerdo, presença de "massa" livre na cavidade vítrea, além de buraco macular. Realizamos então ultra-sonografia, angiofluoresceinografia e tomografia de coerência óptica (OCT) (Figuras 2, 3 e 4).

 

 

 

 

Diante do quadro foi indicada cirurgia de vitrectomia via pars plana para tratamento do buraco macular e biópsia da massa livre no vítreo para confirmação diagnóstica.

O exame histopatológico do material biopsiado revelou severa proliferação fibroglial, membrana epiretiniana, epitélio pigmentário da retina hipertrófico e hiperplástico, muito poucas células inflamatórias representadas por linfócitos, discretos macrófagos e ausência de eosinófilos, demonstrando quadro de proliferação fibroglial. Não foi observada necrose (Figura 5).

 

 

Tratando-se de indivíduo imunocompetente, a ausência de reação inflamatória mais proeminente e a presença dos achados já descritos, descarta-se a possibilidade de toxocaríase, assim como de outros agentes infecciosos.

 

DISCUSSÃO

A toxocaríase ocular é uma importante causa de uveíte infecciosa no nosso meio, sendo freqüente o acometimento unilateral e em crianças(4-5,8). Embora diversas formas clínicas tenham sido descritas, como retinocoroidite posterior e periférica, descolamento disciforme macular, endoftalmite e papilite, não existe uma apresentação que possa ser considerada patognomônica da doença(2,6,8-9). O mais freqüente na nossa prática clínica é o diagnóstico presuntivo baseado na história clínica e epidemiológica, nas características da lesão e em testes sorológicos.

Mostramos uma criança apresentando baixa visual unilateral acentuada causada por um granuloma sub-retiniano posterior, e com exames laboratoriais compatíveis com o diagnóstico, inicialmente dado, de toxocaríase ocular presumida.

A evolução inesperada do caso, além de nos ter levado ao correto diagnóstico, nos atenta para a dificuldade do diagnóstico de certeza da larva migrans ocular.

Os autores ressaltam ainda a importância da realização de exame histopatológico. Pois como em muitos casos o diagnóstico em pacientes com uveíte é apenas presumido, como neste relato, a possibilidade de confirmação etiológica deve ser explorada e valorizada.

 

REFERÊNCIAS

1. Despommier D. Toxocariasis: clinical aspects, epidemiology, medical ecology, and molecular aspects. Clin Microbiol Rev. 2003;16(2):265-72. Review.        

2. Shields JA. Ocular toxocariasis. A review. Surv Ophthalmol. 1984;28(5):361-81.        

3. Overgaauw PA. Aspects of Toxocara epidemiology: human toxocarosis. Crit Rev Microbiol. 1997;23(3):215-31. Review.        

4. Gillespie SH, Dinning WJ, Voller A, Crowcroft NS. The spectrum of ocular toxocariasis. Eye. 1993;7(Pt 3):415-8.        

5. Gouveia EB, Yamamoto JH, Abdalla M, Hirata CE, Kubo P, Olivalves E. Causas das uveítes em serviço terciário em São Paulo, Brasil. Arq Bras Oftalmol. 2004;67(1):139-45.        

6. Molk R. Ocular toxocariasis: a review of the literature. Ann Ophthalmol. 1983; 15(3):216-9, 222-7, 230-1. Review.        

7. Abreu MPQ, Abreu GB. Toxocaríase ocular. Arq Inst Penido Burnier. 1986;28 (2):80-6.        

8. Oréfice F, Boratto LM, Silva HF. Presumível toxocaríase ocular: revisão de 30 casos (1978-1989); relato de dois casos atípicos. Rev Bras Oftalmol. 1991;50 (2):31-7.        

9. Lacerda RR. Toxicaríase de 36 casos: estudo seqüencial. Rev Bras Oftalmol. 1995;54(3):7-20.        

 

 

Endereço para correspondência:
Rua Desembargador Renato Tavares, 30/302
Rio de Janeiro (RJ)
Cep 22411-060
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 30.03.2005
Versão revisada recebida em 20.06.2005
Aprovação em 17.10.2005

 

 

Trabalho realizado no Instituto Brasileiro de Oftalmologia - IBOL - Rio de Janeiro (RJ) - Brasil.


Dimension

© 2024 - All rights reserved - Conselho Brasileiro de Oftalmologia