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Editorial

Análise dos conhecimentos básicos sobre urgências oftalmológicas em plantonistas não-oftalmologistas

Lack of basic ophthalmic information about ocular emergencies among non-ophthalmologists

Rodrigo França de Espíndola1; Frederico Caldeira Teixeira1; Ilana Maeda Yamakami1; Hélvia Ribeiro Freire da Silva1; João Alberto Holanda de Freitas1

DOI: 10.1590/S0004-27492006000100003

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar conhecimentos básicos sobre urgências oftalmológicas entre plantonistas (não-oftalmologistas) que realizam atendimento primário a pacientes. MÉTODOS: Aplicou-se questionário padronizado, contendo dados pessoais e questões sobre urgências, entre plantonistas em serviços de emergência de Sorocaba (São Paulo) e região. RESULTADOS: Foram entrevistados 100 plantonistas, com tempo médio de formação de 10,5 anos (1-44 anos), e desses 74% eram do sexo masculino. Foi considerável a diversidade de especialidades encontradas, predominando a de Clínica Geral (23%). A maioria dos entrevistados, 93%, não se sente seguro ao atender uma urgência. CONCLUSÃO: O conhecimento sobre urgências oftalmológicas mostrou-se insuficiente entre os plantonistas entrevistados. Este estudo confirma a importância da difusão de conhecimentos oftalmológicos a todas as especialidades médicas.

Descritores: Serviço hospitalar de emergência; Oftalmopatias; Emergências; Conhecimentos, atitudes e prática em saúde; Hospitais gerais

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the level of ophthalmic information and the proper procedures in ophthalmic emergencies among non- ophthalmologists in charge of the emergency departments of General Hospitals. METHODS: A questionnaire containing personal data and other information was sent to the medical personnel in charge of emergencies of several general hospitals in Sorocaba (São Paulo) and region. Questions about the diagnosis and management of ocular emergencies were also sent. RESULTS: 100 non-ophthalmologists with 10.5-year average time of practice (1-44 years), of which 74% were male answered the questions. Several specialties were represented, the largest group (23%) being of general practitioners. The great majority (93%) felt insecure when in the presence of an ophthalmic emergency. CONCLUSIONS: There is a lack of information about the correct diagnosis and management of ocular emergencies among non-ophthalmologists in charge of general hospital emergency services. This study confirms the need of popularization of information among all medical specialties.

Keywords: Emergency service, hospital; Eye diseases; Emergencies; Health knowledge, attitudes, practice; Hospitals, general; Questionnaires


 

 

INTRODUÇÃO

Inúmeras patologias como o trauma ocular, o glaucoma agudo, as conjuntivites e outras, são consideradas urgências oftalmológicas (UO) e constituem importantes causas de atendimentos em prontos-socorros (7% do total de consultas de um hospital geral)(1-2). Elas podem levar a danos oculares, às vezes irreversíveis, e devem ser diagnosticadas e tratadas o mais rapidamente possível.

Embora encontremos este significante número de pacientes, a literatura nacional é carente de informações sobre as características da qualidade do atendimento em casos de urgências. Na maioria das vezes, o primeiro atendimento é realizado pelo médico não especialista, que mesmo na ausência do oftalmologista, é o responsável pela realização do diagnóstico, da definição das condutas iniciais, e o posterior encaminhamento do paciente quando necessário.

Portanto, é preciso que todo médico plantonista tenha conhecimentos básicos sobre UO que os capacitem na condução dos casos. Condutas inadequadas e/ou tardias podem levar às conseqüências drásticas e irreversíveis aos pacientes e também a processos judiciais(3).

Desse modo, o objetivo deste estudo foi avaliar o nível de conhecimento entre plantonistas sobre as UO mais prevalentes e relevantes, em serviços de emergência.

 

MÉTODOS

Entre dezembro de 2003 e fevereiro de 2004, realizou-se um estudo de delineamento transversal entre 100 plantonistas de diversas especialidades, que prestavam atendimento em serviços de emergência de Sorocaba (SP) e região.

A amostragem foi por conveniência (não probabilística), e o número de plantonistas analisados foi estabelecido arbitrariamente.

A pesquisa foi baseada na coleta de dados de um questionário padronizado (anexo) contendo informações como: idade, sexo, tempo de formação, especialidade médica, além de 9 perguntas de múltipla escolha com 4 alternativas cada. Foram abordados temas como: perfuração ocular, queimadura ocular, glaucoma agudo, contusão ocular, descolamento de retina e diagnóstico diferencial de olho vermelho. Finalmente, questionou-se ao plantonista se ele havia efetuado algum atendimento a uma UO e sua segurança ao atender estes pacientes. Possível(veis) fator(es) que contribuiu(ram) para uma eventual insegurança também foram apontados.

Os questionários foram aplicados pelos próprios autores que não tiveram influência nas respostas. Os entrevistados foram orientados a não mudarem ou rasurarem suas respostas.

Os resultados foram expressos em dados porcentuais. Questões deixadas em branco ou rasuradas foram consideradas incorretas.

O consentimento de todos os entrevistados foi obtido para a publicação dos dados deste estudo.

 

RESULTADOS

Foram entrevistados 100 plantonistas com idade média de 34 anos (23-73 anos). Observa-se que a maioria era do sexo masculino (74%) com tempo médio de formação de 10,5 anos (1 a 44 anos), como demonstrado na tabela 1. A maioria das especialidades encontradas foi de Clínica Geral (23%) (Gráfico 1).

 

 

 

 

Com relação às 9 questões de múltipla escolha, a média de acertos foi de 55,4%, e os resultados por assunto estão listados na tabela 2.

 

 

Apenas 41% dos entrevistados reconheceram características básicas para o diagnóstico do glaucoma agudo, e 28% desconheciam a conduta frente a esses pacientes.

Grande parte dos plantonistas (44%) não sabia diagnosticar um paciente com perfuração ocular, e 34% não tomaram a conduta inicial correta nesses casos.

A maior parte dos plantonistas (54%) não sabia que a medida da acuidade visual é o melhor parâmetro para avaliar e documentar a gravidade do trauma.

Com relação ao diagnóstico de olho vermelho, 64% não sabiam diferenciar características básicas entre as patologias mais comuns.

Em casos de queimadura ocular, 34% dos médicos desconheciam a conduta inicial adequada.

Apenas 26% não sabiam diagnosticar a fratura de assoalho da órbita, e somente 7% desconheciam o diagnóstico do descolamento de retina.

A grande maioria dos entrevistados (93%) não se sente segura ao atender uma UO, e destes, 55% já realizaram um atendimento a estes pacientes. Dentre os fatores que mais contribuíram para essa insegurança foram apontados:

  • Pouca vivência/prática em urgências oftalmológicas (74%);
  • Pouca informação sobre oftalmologia na faculdade (44%);
  • Outros (8%).

Apenas 11% dos analisados mostraram desinteresse pelo tema abordado.

 

DISCUSSÃO

A grande maioria dos atendimentos iniciais as urgências oftalmológicas são realizadas por não-especialistas que muitas vezes desconhecem alguns diagnósticos e acabam tomando condutas inadequadas ou aguardando simplesmente a avaliação oftalmológica pelo especialista(4). Estudos já demonstraram que existe uma melhora no prognóstico visual de pacientes que foram submetidos a exame e intervenção clínica e cirúrgica rapidamente(5-6).

Segundo alguns autores, um médico generalista bem preparado é capaz de resolver 69% dos casos de UO e encaminhar corretamente 100% dos casos que não consegue resolver(7). Esperava-se, portanto, que os plantonistas tivessem um índice de acerto próximo a 70%, o que não foi observado por este estudo (média de 55%) sugerindo uma deficiência do conhecimento sobre o tema abordado entre os analisados.

A imensa maioria dos plantonistas (93%) não se sentiu seguro ao atender uma UO, e dentre os fatores que contribuíram para essa insegurança foram apontados, e, dentre eles, principalmente pouca vivência e prática e deficiente formação acadêmica sobre o assunto. Alguns autores demonstraram que alunos de medicina do sexto ano de graduação já apresentavam conhecimentos básicos insuficientes e desconhecimentos de condutas simples, apontando para uma deficiência no ensino durante a faculdade(8).

Plantonistas com menos tempo de formação (até 5 anos) tenderam a acertar mais questões, porém, mesmo os plantonistas mais experientes, sentiram-se inseguros na abordagem dos pacientes.

Dos entrevistados, 59% não sabiam que o glaucoma agudo apresentava sintomas como dor ocular, visão borrada, midríase e pupila não reagente. O glaucoma agudo é a segunda principal causa de cegueira no mundo e o esclarecimento rápido deste diagnóstico assim como a conduta inicial adequada evita a progressão desta doença, que pode levar à cegueira em poucas horas em alguns casos. Com relação à conduta inicial nestes casos, 73% administrariam Manitol, sintomáticos e contataria imediatamente o oftalmologista, porém, desconheciam o diagnóstico.

Em casos de perfuração ocular, 44% desconheciam o manejo adequado do paciente, que seria a oclusão do olho acometido com protetor (tipo copinho plástico de café). Todo trauma ocular deve ser considerado como perfuração até prova contrária. Deve-se evitar o uso de medicações tópicas como pomadas ou colírios e também de qualquer compressão do globo ocular a fim de se evitar maiores danos(9-10).

O paciente com olho vermelho pode manifestar uma vasta gama de patologias oftalmológicas, sendo considerada uma urgência. Dos plantonistas, 64% não sabiam que a úlcera de córnea, independente da etiologia, apresenta alguns sintomas como dor ocular, perda da transparência corneana e fotofobia. A falha no diagnóstico desta entidade pode levar a uma redução da acuidade visual definitiva. Os demais entrevistados que erraram esta questão não sabiam que o glaucoma agudo apresentava pupila não reagente; que a uveíte apresentava ausência de secreção ocular e que a conjuntivite não apresentava diminuição da acuidade visual.

Com relação aos pacientes vítimas de queimadura ocular, no caso queimadura química (ácido), um número significante de entrevistados (34%), não teve a conduta correta de lavagem exaustiva imediata do olho, o que poderia diminuir os danos ou até mesmo salvar o olho do paciente.

A fratura mais comum no trauma ocular é a fratura do assoalho da órbita (blow-out), freqüente em acidentes automobilísticos e em contusões por objetos rombos (boladas, socos, etc.). Dos médicos estudados, 26% não sabiam diagnosticar esta entidade.

A medida da acuidade visual ajuda a avaliar e documentar a gravidade do trauma devendo fazer parte da abordagem inicial. A maioria dos plantonistas (54%) desconhecia esta informação.

Os resultados deste estudo apontam para necessidade de uma melhoria no conhecimento divulgado nas faculdades de medicina e residências médicas sobre conceitos básicos em UO, e de uma maior atenção dos profissionais das unidades de emergência ao risco que correm tanto de provocarem lesões irreversíveis aos pacientes, quanto de sofrerem processos judiciais. Foi notável a variabilidade de especialidades dos plantonistas encontradas neste estudo, o que demonstra a importância da difusão de conhecimentos oftalmológicos a todas as especialidades médicas.

Os conhecimentos sobre urgências oftalmológicas entre os plantonistas analisados mostraram-se insuficientes para diagnosticar e conduzir determinadas patologias básicas em pronto-socorros.

 

REFERÊNCIAS

1. Layaun SEED, Schor P, Rodrigues MLV. Perfil da demanda de um serviço de oftalmologia em uma unidade de emergência. Rev Bras Oftalmol. 1992;51(3): 171-3.        

2. Sheldrick JH, Vernon SA, Wilson SA, Read SJ. Demand incidence and episode rates of ophthalmic disease in a defined urban population. BJM. 1992;305(6859): 933-6.        

3. Gonçalves CAP, Gonçalves CRP. Emergências oftalmológicas. Ars Cvrandi. 1992;25(3):67-82.        

4. Weyll M, Silveira RC, Fonseca Júnior NL. Trauma ocular aberto: características de casos atendidos no Complexo Hospitalar Padre Bento de Guarulhos. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(4):505-10.        

5. May DR, Kuhn FP, Mornis RE, Witherspoon CD, Danis RP, Matthews GP, et al. The epidemiology of serious eye injuries from the United States. Eye Injury Registry. Graefe's Arch Clin Exp Ophthalmol. 2000;238(2):153-7.        

6. White MF Jr., Morris R, Feist RM, Witherspoon CD, Helms HA Jr., John GR. Eye injury: prevalence and prognosis by setting. South Med J. 1989;82(2): 151-8.        

7. Edwards RS. Ophthalmic emergencies in a district general hospital casualty department. Br J Ophthalmol. 1987;71(12):938-42.        

8. Ginguerra MA, Ungaro ABS, Villela FF, Kara-José AC, Kara-José N. Aspectos do ensino de graduação em oftalmologia. Arq Bras Oftalmol. 1998;61(5): 546-50.        

9. Romão E. Traumatologia ocular. Medicina (Ribeirão Preto). 1997;30(1):76-8.        

10. Kara-José N, Sampaio MW, Alves MR. Diagnóstico e conduta nos ferimentos perfurantes do globo ocular. An Oftalmol. 1982;1(1):38-40.        

 

 

Endereço para correspondência:
Rodrigo França de Espíndola
Al. dos Jerivás, 166
Condomínio Portal de Itú
Itú (SP) Cep 13301-635
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 31.03.2005
Versão revisada recebida em 19.10.2005
Aprovação em 28.10.2005

 

 

Anexo 1

 

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