Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Prevalência de transtornos oculares na população de idosos residentes na cidade de Veranópolis, RS, Brasil

Prevalence of ocular diseases in a population of elderly residents of the city of Veranópolis, Brazil

Flávio Antônio Romani1

DOI: 10.1590/S0004-27492005000500015

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os transtornos oculares e a sua prevalência em pessoas com 80 anos de idade, ou mais, na cidade de Veranópolis, Rio Grande do Sul, Brasil. MÉTODOS: 187 idosos foram submetidos a exame oftalmológico por meio de inspeção externa, motilidade extrínseca, medidas de acuidade visual para longe e perto, tonometria de aplanação, biomicroscopia, cicloplegia, fundoscopia direta e esquiascopia estática. RESULTADOS: As doenças mais prevalentes foram: presbiopia em 173 (92,5%) pacientes, catarata em 160 (85,6%), ectrópio senil em 130 (69,5%), hipermetropia em 130 (69,5%) e a degeneração macular relacionada à idade (DMRI) em 59 (31,5%). Na população estudada, 85 (45,4%) pacientes apresentaram baixa visual acentuada cujas causas principais eram a catarata em 46 (54,1%) e erros de refração em 16 (18,9%) dos idosos. A principal causa de queixas dos idosos foi relacionada com a presença de ectrópio senil. CONCLUSÃO: Doenças comuns como a catarata e os erros de refração continuam a ser um desafio para os oftalmologistas, pois são importantes causas de dificuldade visual nos idosos, com conseqüente perda de qualidade em suas vidas.

Descritores: Catarata; Cegueira; Degeneração macular; Presbiopia; Ectrópio; Idoso

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the prevalence of diseases of the eye in a population aged 80 years and above in the city of Veranopolis, Rio Grande do Sul, Brazil. METHODS: 187 elderly people were submitted to ophthalmologic tests including external inspection, ocular motility examination, visual acuity determination for near and far distance, applanation tonometry, biomicroscopy, cyclopegia, direct fundus examination and static skiascopy. RESULTS: The most prevalent disease was presbyopia in 173 (92,5%) patients, cataract in 160 (85,6%), age-related ectropion in 130 (69,5%), hypermetropia in 130 (69,5%) and age-related macular degeneration (ARMD) in 59 (31,5%) patients. 85 (45,4%) patients presented marked low vision whose main causes were cataract in 46 (54,1%) and refractive error in 16 (18,9%) of the studied population. The most prevalent complaint was due to presence of age-related ectropion. CONCLUSIONS: Common diseases as cataract and retractive error are still a challenge to ophthalmologists because these diseases remain main causes of visual deficit in old age resulting in life quality losses.

Keywords: Cataract; Blindness; Macular degeneration; Presbyopia; Ectropion; Aged


 

 

INTRODUÇÃO

A perda da visão, uma das causas mais incapacitantes para o ser humano, tem uma relação muito estreita com a senilidade. As estruturas oculares sofrem, de uma forma acumulativa, os inúmeros danos metabólicos e ambientais, através dos anos. Com isto, as formas mais comuns de patologias oculares são mais freqüentes e mais debilitantes nos idosos. A baixa visual é considerada uma queixa freqüentemente não referida na população idosa(1).

Sabe-se que os idosos que enxergam melhor sofrem menos quedas, cometem menos erros com medicações, apresentam menos depressão e menor isolamento social, são mais independentes e têm melhor qualidade de vida em suas casas, com menos perturbações emocionais, as quais, quando presentes, são atenuadas pela assistência médica adequada(2).

Por outro lado, apenas 50% dos médicos generalistas sabem que os seus pacientes têm baixa de visão(3), e que existem fortes evidências epidemiológicas de que um considerável número de doenças oculares não são detectadas nos idosos dentro da sua comunidade(3), e que eles não chegam aos hospitais e às clínicas especializadas(4-5) devido à falta de programas de educação social e assistência médica adequada(6).

Os idosos tendem a minimizar a sua deficiência visual(7), e doenças relativamente raras em jovens ocorrem regularmente nos idosos, devendo serem presumidas como típicas da idade avançada(8). As taxas de cegueira e baixa visual aumentam, dramaticamente, com o aumento da idade. Os problemas visuais em pessoas acima dos 80 anos são de 15 a 30 vezes maiores do que entre pessoas de 40 a 50 anos(9).

São fatores considerados importantes relacionados à perda visual, a idade, o sexo, a profissão, a geografia e o clima(10). A exposição solar também é citada aumentando as degenerações maculares senis(11), e o uso de chapéu e óculos protetores é recomendado. É consenso que os homens apresentam, mais freqüentemente, incapacitação visual, talvez devido a exercerem profissões que os exponham a condições visuais de maior risco. Também a prevalência de cegueira teria uma forte relação com a idade, aumentando consideravelmente com o aumento desta(10).

O aspecto social e econômico também tem importância na saúde ocular do idoso, como bem demonstra o trabalho que estudou a prevalência e as causas de baixa de visão na Itália. Este estudo populacional constatou que a prevalência de cegueira, em indivíduos com mais de 74 anos que vivem em piores condições socioeconômicas, no sul do país, foi cerca de três vezes maior (0,78%) que a taxa encontrada na população idosa e rica do norte do país (0,28%)(4).

Outro fator a considerar na qualidade visual do idoso é que, dependendo do grau de desenvolvimento socioeconômico do país, alteram-se as etiologias mais prevalentes. De maneira geral, em países com pleno desenvolvimento, predominam as causas degenerativas retinianas que não respondem a tratamento, enquanto que nos países subdesenvolvidos e miseráveis, predominam as lesões corneanas por deficiência alimentar, infecções, traumas, erros de refração e catarata, isto é, causas perfeitamente preveníveis e tratáveis(10,12-13).

Com o avançar da idade, encontram-se, além da presbiopia, a diminuição da sensibilidade aos contrastes, a diminuição da adaptação claro-escuro, a demora da recuperação aos ofuscamentos(2), e a diminuição da sensibilidade às cores(14).

Embora a catarata seja uma patologia com diagnóstico muito fácil e simples, ainda é a principal causa de deficiência visual relacionada ao envelhecimento, sobretudo nos países em desenvolvimento e nos subdesenvolvidos. As dificuldades socioeconômicas, a falta de educação e informação e as dificuldades na assistência médica especializada são os principais fatores a contribuir para esta calamitosa situação(12,15-16).

A prevalência de catarata, mesmo nos países desenvolvidos, aumenta significativamente com o aumento da idade. No importante Beaver Dam Eye Study tem-se esta idade-dependência determinada(17).

Outra importante causa de alteração visual no idoso é a degeneração macular relacionada à idade (DMRI) a qual é considerada a causa principal de baixa de visão e cegueira nos países desenvolvidos(18-19). Nos Estados Unidades da América (EUA) e Reino Unido, a DMRI é a principal causa de cegueira e baixa severa de visão entre as pessoas idosas(18,20).

A prevalência de DMRI aumenta com a idade (Mitcheli et al., 1995 e Hirvellä et al., 1996)(21-22). Dougherty(23) cita a prevalência de DMRI, na Califórnia, de 20,7%, também aumentando com a idade.

A população dos EUA, com mais de 65 anos, atingirá, nos próximos 30 anos, cerca de 17% da população em geral. O número de pessoas com 85 anos de idade, ou mais, será maior do que o dobro da atual, e a DMRI é a causa principal de cegueira em pessoas idosas com mais de 65 anos(24).

A presente pesquisa procurou contribuir para o conhecimento da epidemiologia dos transtornos oculares em nossas comunidades, estudando estas patologias em uma população de idosos, de uma cidade brasileira.

 

MÉTODOS

A população de longevos de Veranópolis vem sendo objeto de estudos pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e o presente trabalho incorpora-se a este estudo, retratando a situação de saúde ocular destes habitantes com 80 ou mais anos de idade.

Delineamento

Estudo descritivo, de corte transversal, com base populacional.

Amostra

200 pessoas com 80 anos de idade ou mais, representando 88,5% da população total com idade acima de 80 anos, da cidade de Veranópolis, RS, Brasil.

Coleta de dados

A avaliação dos idosos foi realizada em consultório oftalmológico localizado na cidade de Veranópolis, pelo mesmo examinador, em conjunto com o Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS. Dos 200 pacientes que faziam parte do projeto, 187 (93,5%) foram examinados oftalmologicamente.

Métodos diagnósticos

O exame oftalmológico constou de inspeção externa, medidas de acuidade visual (AV) para longe e perto, com a correção óptica usada no momento do exame e sem correção, estudo da motilidade extrínseca, tonometria de aplanação, dilatação pupilar, fundoscopia direta, esquiascopia estática e biomicroscopia.

As alterações oculares externas foram diagnosticadas através da inspeção visual desarmada e sob o biomicroscópio.

As medidas da AV foram tomadas através de quadro iluminado de optotipos (tabela de Snellen) a 5 metros de distância, e através da tabela de Snellen para perto, na distância de 33 cm. As medidas foram tomadas, com e sem correção óptica, individualmente, em cada olho, para longe e perto.

As alterações de transparência dos meios oculares foram detectadas através da inspeção, oftalmoscopia direta, retinoscopia e biomicroscopia.

As medidas da pressão intra-ocular foram realizadas com tonômetro de aplanação manual de Perkins, após o uso de 1 gota de colírio anestésico (cloridrato de proximetocaína 0,5% - Anestalcon®) e fluoresceína em bastonetes (Frumtost S.A.).

O estudo das alterações retinianas foi feito através de fundoscopia direta com oftalmoscópio Welch Allyn de luz halógena, após midríase obtida pela instilação de tropicamida 0,5% (Alcon), 1 gota em cada olho, 2 vezes, instilada com um intervalo de 5 minutos.

Critérios diagnósticos

O diagnóstico de catarata foi obtido através da biomicroscopia, sendo considerada como tal, qualquer alteração da transparência normal do cristalino, desde as mais tênues até as mais densas.

O diagnóstico de DMRI foi presuntivo, levando-se em conta a presença de drusas, lesões maculares exsudativas e/ou atróficas, observadas através da fundoscopia direta sob midríase e com baixa visual conseqüente.

 

RESULTADOS

Dos 200 idosos, 187 (93,5%) foram submetidos ao exame oftalmológico. Os 13 (6,5%) pacientes restantes não compareceram à consulta. Dos participantes, a maioria era do sexo feminino (63,6%). Quanto à idade, predominavam os pacientes de 80 a 85 anos (Tabela 1). Em relação ao último exame oftalmológico realizado, 16 (8,6%) deles, ocorreu no último ano, e 71 (38,0%) deles nunca haviam sido examinados oftalmologicamente (Tabela 2).

 

 

 

 

Através da inspeção externa, foram diagnosticadas alterações oculares e palpebrais, algumas severas e outras não. Muitos deles tinham doenças associadas. Destacou-se o ectrópio palpebral, presente em 130 indivíduos (69,5%) do estudo.

As medidas de AV para longe e perto encontradas, com ou sem correção óptica, mostraram que 120 (64,1%) dos idosos apresentavam uma visão de J3 ou mais para perto e que 110 (58,8%) dos passíveis de medida apresentavam uma AV de 0,7 ou mais para longe.

O exame de motilidade ocular extrínseca mostrou uma freqüência de estrábicos de 2,7%.

As medidas da tonometria de aplanação, realizada em cada olho, mostraram predomínio de pressões consideradas normais (até 20 mmHg). Encontramos 2 olhos com pressão acima de 40,0 mmHg.

O exame fundoscópico do olho direito não foi possível de ser realizado em 16 (8,6%) pacientes, e em 23 (12,3%) dos pacientes, em seu olho esquerdo, devido à perda de transparência dos meios oculares, ocasionada, principalmente, pela catarata. O achado principal foi de DMRI em 59 indivíduos (31,5%), presumida, como afirmamos anteriormente. Não foi encontrado nenhum quadro de retinopatia diabética e as alterações hipertensivas foram poucas e muito leves (Tabela 3).

 

 

A esquiascopia estática, tanto para o olho direito, quanto para o olho esquerdo, mostrou um predomínio amplo de hipermetropia leve (até 2 dioptrias). Dentre os míopes, também predominaram aqueles de até 1 dioptria, isto é, com miopia leve.

Desta forma, identificamos 130 (69,5%) indivíduos hipermétropes e 41 (21,9%) míopes nesta população de idosos.

A biomicroscopia revelou que 160 (85,6%) dos idosos estudados apresentavam catarata, distribuídos conforme a tabela 4.

 

 

A tabela 5 relaciona as doenças mais prevalentes encontradas nos idosos de nosso estudo.

 

 

A capacidade visual dos pacientes estudados é mostrada na tabela 6.

 

 

Com visão subnormal, critério Organização Mundial da Saúde (OMS) de 0,3 de visão máxima, no melhor olho em 1 olho, foram 22 pacientes (11,8%), e, com visão subnormal em ambos os olhos, foram 15 pacientes (8%).

Já, com cegueira legal (critério OMS de 0,05 de visão máxima, no melhor olho) em 1 olho, foram encontrados 33 pacientes (17,6%) e, com cegueira legal em ambos os olhos, foram encontrados 15 pacientes (8%).

Dentre as causas de déficit visual incapacitante apresentadas por 85 pacientes (Tabela 7), 46 deles (54,0%) tinham catarata e 16 deles (18,9%), erros de refração.

 

 

DISCUSSÃO

Verificamos que apenas 16 (8,6%) dos participantes haviam sido submetidos a um exame oftalmológico no último ano e um grande número deles, 71 (38,0%) nunca haviam sido examinados, levando a supor uma deficiente assistência médica nesta área específica, na cidade. Neste sentido, chama a atenção a citação de Wormald(3) de que apenas 50% dos médicos generalistas saberiam que seus pacientes têm baixa de visão, e que um considerável número de doenças oculares não são detectadas nos idosos, dentro da sua comunidade, e que eles não chegam aos hospitais e às clínicas especializadas, conforme observaram Nicolosi(4) e Little(5). Segundo Tielsh muitos pacientes não utilizam os serviços disponíveis, mesmo quando existem(9). O mesmo foi constatado no Brasil, onde a população não se beneficiou de tratamento oftalmológico gratuito, que fora oferecido em hospital especializado, localizado a apenas 19 km de distância da comunidade estudada(25).

A inspeção externa dos pacientes mostrou uma prevalência muito significante de portadores de ectrópio senil 130 (69,5%). Esta patologia não é citada na literatura como importante achado oftalmológico nos idosos, mas foi a principal causa de queixas referidas pelos nossos idosos em suas consultas.

Em relação à AV da população estudada, constatamos que, embora seja uma população com pouca assistência oftalmológica, 38 (20,3%) dos pacientes tinham no olho direito, sem correção óptica, e, 45 (24,1%) deles, no olho esquerdo, também sem correção óptica, uma AV de 0,7 (70%) ou mais de visão para longe. Para perto, ainda sem correção óptica, 42 (22,5%) dos estudados tinham no olho direito, e 34 (18,2%) deles, no olho esquerdo, uma visão de J1, J2 ou J3 na tabela de Snellen, o que possibilita condições visuais adequadas para desempenharem as suas atividades diárias de rotina. Estes dados visuais para longe e perto, sem correção óptica, talvez sejam um indicativo da excelente condição física geral e da qualidade de vida muito particular destes longevos, e de quanto mais poderiam se beneficiar com uma adequada assistência médica.

O número de pacientes estrábicos da população em estudo, 5 (2,7%), está dentro da taxa considerada habitual de prevalência na população em geral de tal patologia, que é de cerca de 2%(26).

Em relação ao glaucoma, sabemos que a medida da pressão ocular é apenas um dos componentes necessários ao seu diagnóstico. Apesar da limitação no estudo desta patologia entre os nossos pacientes, podemos afirmar que 2 (1,1%) deles, devido à elevada pressão intra-ocular (40 mmHg), apresentaram glaucoma.

Um agravante para o diagnóstico, prevenção e tratamento do glaucoma, é o desconhecimento de tal patologia, por parte da população em geral, como demonstrou Ghanen no estudo populacional de Joinville, SC, Brasil(27), e Bonomi no The Egna-Neumarkt Study no norte da Itália(28).

Os achados fundoscópicos, realizados apenas com oftalmoscopia direta, devem ser considerados com cautela, já que os diagnósticos relatados são discutíveis e passíveis de erros, pois para um diagnóstico definitivo de DMRI, além dos achados fundoscópicos, são necessárias avaliações das lesões maculares, através da angiografia contrastada da retina. Chama a atenção, que nenhum diagnóstico de retinopatia diabética foi feito nos nossos pacientes, e que poucas alterações de retinopatia hipertensiva foram encontradas, sendo que estas, quando presentes, eram nas fases iniciais da doença. Talvez mais um indício da excelente condição física geral da população estudada.

O estudo refracional dos idosos mostrou um predomínio amplo de hípermetropia baixa (até 2 dioptrias), 130 (69,5%), e miopia baixa, 41 (21,9%), (até 1 dioptria). Estes erros refracionais, considerados leves, possivelmente seriam uma das razões de tão pouca procura do atendimento médico da população estudada, já que 71 (38,0%) dos idosos nunca haviam submetido-se a um exame oftalmológico.

Entre as patologias mais prevalentes encontradas nos pacientes do nosso estudo, está a presbiopia, que aparece em 173 (92,5%) pacientes, o que era esperado, confirmando que é a mais freqüente condição afetando a visão dos idosos(2). Convém salientar que 14 (7,5%) dos pacientes estudados apresentaram acuidade visual para perto, sem lentes corretoras, de J1 na tabela de Snellen, a 33 cm de distância, simultânea a uma acuidade visual para longe, também sem lentes corretoras, de 0,8 ou mais, na tabela de Snellen para longe.

A catarata aparece a seguir, atingindo o olho direito de 146 (78,1%) pacientes e o olho esquerdo de 152 (81,3%) pacientes, sendo que, dos 187 pacientes estudados, 135 (72,2%) eram portadores de catarata binocular e 25 (13,4%) deles, eram portadores de catarata monocular determinando uma taxa de prevalência de 85,6%. Estas elevadas taxas de prevalência de catarata nos idosos com 80 anos ou mais, por nós estudados, não surpreendem, ao contrário, apenas ratificam o que já foi encontrado em estudos anteriores, ao redor do mundo. Ela é uma das doenças mais prevalentes no idoso, como já afirmaram, entre outros, Hyman(7) e Limburg(29). Estas elevadas taxas de prevalência de catarata também confirmam que o aumento de idade é um importante fator de risco para o aparecimento de tal doença como afirmam, entre outros, Burton(30) e Klein(17).

Quando confrontamos nossas taxas de prevalência de catarata com as de outros estudos, vemos que elas se assemelham, tanto com a de estudos semelhantes, populacionais, como os realizados por Hirvellä na Finlândia(31), por Leske em Barbados(32), por Klein nos EUA(17), quanto com estudos institucionais, realizados por Dougherty nos EUA(23), por Dasna Inglaterra(12), desde que sejam comparados indivíduos de faixas etárias semelhantes, isto é, parece ser a idade o fator principal determinante do aparecimento da catarata. Esses estudos descrevem taxas de prevalência de catarata que variam de 77,2 a 97,6%.

Podemos afirmar, portanto, que a taxa de prevalência de catarata nos idosos é alta e que, como a expectativa de vida tem aumentado, deveremos ter, no futuro, taxas ainda maiores.

O ectrópio senil, a terceira patologia mais prevalente na população por nós estudada, ocorrendo em 69,5% dos indivíduos, mostrou ser peculiar e única, como já ressaltamos anteriormente, por não ter sido referida em nenhum dos trabalhos a que tivemos acesso, como sendo uma patologia ocular importante do idoso. Nos idosos por nós estudados, ao contrário, o ectrópio senil tornou-se a patologia mais importante, no aspecto da sintomatologia dos pacientes, porque foi a principal causa de suas queixas. Ressalta-se que os sintomas de dor, desconforto ocular, sensação de corpo estranho ocular e lacrimejamento eram mais significantes, para eles, do que a eventual incapacidade visual, embora não tenhamos dados objetivos para comprovar tal assertiva.

A hipermetropia vem a seguir, como quarta patologia mais prevalente, atingindo cerca de 55% da população estudada.

Podemos afirmar, portanto, que as patologias mais prevalentes encontradas entre os idosos de 80 ou mais anos de idade, da cidade de Veranópolis, RS, Brasil, ou seja, da grande maioria dos indivíduos com esta faixa etária nesta população, são a presbiopia, a catarata, o ectrópio senil e a hipermetropia, todas elas passíveis de correção, seja através de lentes corretoras e/ou de cirurgia ocular. Apenas na quinta posição viria a DMRI, esta sim, geralmente, causa de perda visual irredutível. Isto significa que a população estudada, e a partir do que a literatura mostra, as populações em geral, ao redor do mundo, poderiam ter a qualidade de vida melhorada em muito, desde que assistidas adequadamente.

Se passarmos à análise da incapacidade visual apresentada por 85 (45,4%) dos pacientes do nosso estudo, veremos corroboradas as afirmações anteriores.

A incapacidade visual destes pacientes está dividida entre visão subnormal e cegueira legal. A taxa de prevalência de visão subnormal monocular foi de 11,8% (22 pacientes) e de visão subnormal binocular foi de 8% (15 pacientes). A taxa de prevalência de cegueira legal monocular foi de 17,6% (33 pacientes) e de cegueira legal binocular foi de 8% (15 pacientes).

A realidade dos países desenvolvidos é outra. Neles, as taxas de cegueira estão abaixo de 1%, como demonstraram os estudos de Framinghan, EUA(33), de Baltimore, EUA(9), de Kentucky, EUA(34), e em Londres, UK(3).

As taxas de visão subnormal repetem as mesmas características das taxas de cegueira, isto é, são elevadas no nosso estudo e nos estudos efetuados com populações de diferentes regiões do Brasil, como em São Paulo(35), em Porto Alegre(6), em Goiânia(36), em Campinas(37) onde variam de 3% a 54,1%, e são baixas quando em estudos realizados em países desenvolvidos, como em Framinghan, EUA(33) e em Londres(3), onde as taxas encontradas foram de 1,76% a 7,7%.

Quando analisamos as causas de deficiências visuais na população por nós estudadas, vemos que a catarata é a mais prevalente em todos os níveis de baixa visual, seja em visão subnormal, seja em cegueira de forma monocular ou binocular, sinalizando, mais uma vez, a inadequada assistência oftalmológica da população estudada, o que fica mais evidenciado, se atentarmos que, juntando-se a catarata e os erros de refração, 62 (72,9%) dos 85 indivíduos com baixa de visão significativa poderiam ter um real benefício através de lentes corretoras e/ou de cirurgia. Este dado alarmante é a prova final de que os idosos de Veranópolis, apesar de terem um nível socioeconômico melhor do que a população em geral de um país não desenvolvido, além de terem condições de saúde boa (como mostram os estudos paralelos, na mesma população, efetuados pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS), e ser um modelo de longevidade, poderia melhorar no que se refere à sua saúde ocular. Este estudo de corte transversal, abrangendo a grande maioria dos idosos com 80 anos ou mais de idade, de uma cidade do Brasil, pode ser um retrato da situação dos idosos nos países menos desenvolvidos, e nos indica que a população idosa necessita de uma atenção especial, envolvendo médicos generalistas, oftalmologistas, autoridades da área de saúde, de programas de educação, de informação e de assistência médica adequada.

Embora exista, no Brasil, a preocupação dos oftalmologistas com a saúde ocular da população em geral, como demonstram as campanhas nacionais – Projeto Catarata e Veja Bem Brasil, entre outras, e a realização, a cada 2 anos, do Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira, organizado pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia, a realidade das condições visuais da população brasileira, sobretudo a dos idosos, está distante das condições ideais e muito terá ainda que ser feito, para se atingir o estágio ideal de assistência médica.

 

CONCLUSÕES

As patologias oculares mais prevalentes entre os idosos com 80 anos ou mais na cidade de Veranópolis, RS, Brasil, foram a presbiopia (92,5%), a catarata (85,6%), o ectrópio senil (69,5%), a hipermetropia (69,5%) e a degeneração macular relacionada à idade (31,5%).

Dos 187 idosos estudados, 85 (45,4%) apresentaram baixa visual incapacitante, tendo 33 (17,6%) deles cegueira legal monocular e 15 (8,0%) deles, cegueira legal binocular, sendo a catarata a principal causa etiológica de tais deficiências visuais.

 

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Endereço para correspondência
Av. Juca Batista, 1200/37
Porto Alegre (RS) CEP 91770-000
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 04.06.2004
Versão revisada recebida em 15.06.2005
Aprovação em 16.06.2005

 

 

Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Nota Editorial:
Depois de concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência do Dr. Haroldo Vieira de Moraes Jr. sobre a divulgação de seu nome como revisor, agradecemos sua participação neste processo.


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