Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Características de portadores de pterígio na região de Botucatu

Characteristics of patients with pterygium in the Botucatu region

Silvana Artioli Schellini1; Carlos Eduardo dos Reis Veloso1; Wannessa Lopes2; Carlos Roberto Padovani3; Carlos Roberto Pereira Padovani4

DOI: 10.1590/S0004-27492005000300003

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar as características dos portadores de pterígio na região de Botucatu (SP). MÉTODOS: Portadores de pterígio foram avaliados quanto à idade, sexo, profissão, queixas e características da lesão (primário ou recidivado, tamanho, carnoso ou involutivo). Os dados foram submetidos à avaliação estatística. RESULTADOS: Cerca de metade dos portadores eram do sexo feminino, a maioria com idade superior a 40 anos, que procuraram o tratamento com queixa do efeito anti-estético da lesão. A maioria das lesões era primária (77,08%), grau 2 (69,6%) e do tipo carnoso (86,7%). Pterígio grau 4 esteve presente em 1,4% dos pacientes. CONCLUSÃO: Observou-se maior freqüência de portadores de pterígio entre mulheres, acima dos 40 anos e portadoras de pterígio primário, grau 2 e carnoso. A cegueira por pterígio ainda está presente em nosso meio.

Descritores: Pterígio; Prevalência; Incidência

ABSTRACT

PURPOSE: To determine the characteristics of patients with conjunctival pterygia in the Botucatu region (São Paulo State). METHODS: A retrospective study was conducted to evaluate the gender, occupation, complaints and lesion characteristics (primary or recurrent lesion, size, involutive or pulpous) of patients with pterygium. The data were submitted to statistical analysis. RESULTS: Approximately half of the patients were female and over 40 years old. The main complaint was the esthetic effect of the lesion. The majority of the lesions were primary (77.08%), grade 2 (69.6%) and pulpous (86.7%). Pterygium grade 4 was present in the 1.4% of the patients. CONCLUSION: Most patients were female, over 40 years old. Primary, grade 2 and pulpous lesion was the most frequently observed. Blindness caused by pterygium is still present in Brazil.

Keywords: Pterygium; Prevalence; Incidence


 

 

INTRODUÇÃO

O termo pterígio vem do grego e significa "pequena asa". É uma neoformação conjuntival triangular ou trapezoidal que habitualmente se dispõe ao longo do eixo horizontal da fenda palpebral, sendo mais freqüente no setor nasal(1).

Apesar do pterígio ser uma lesão benigna, é também potencialmente causador de cegueira, uma vez que seu crescimento pode obstruir a pupila, impedindo a visão(2), o que valoriza a necessidade de estudos sobre esta lesão que é tão freqüente em nosso país.

Segundo estudos prévios, o pterígio ocorre preferencialmente em indivíduos adultos, do sexo masculino, acima dos 30 anos(3-4). Entretanto, pesquisas brasileiras mostraram acometimento de ambos os sexos, nas mesmas proporções(5), ou predomínio no sexo feminino(6).

O pterígio acomete indivíduos que habitam principalmente países de clima tropical, localizados próximo à linha do Equador e que trabalham expostos ao sol; assim, a incidência é maior na região entre 40 graus de latitude ao norte e ao sul do Equador, em populações que habitam ilhas e altas latitudes(7-8). Foi observada incidência de 4% no Qata(9), 5,2% na Índia(10), 6,2% na Austrália(11), 8,2% na Nigéria(12) e 11,2% no Texas(13).

A prevalência aumenta linearmente com a idade(14).

A situação demográfica e as observações na prática diária mostram que esta é uma lesão muito encontrada em nosso país. Porém, dados de incidência e prevalência do pterígio não são conhecidos para o território brasileiro e mesmo para regiões específicas, sendo poucos os estudos que abordam o assunto.

O objetivo do presente estudo é avaliar as características dos portadores de pterígio na região de Botucatu (SP), comparando-as com levantamentos feitos em outros locais.

 

MÉTODOS

Foram avaliados retrospectivamente 785 portadores de pterígio que procuraram o Serviço de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, entre os anos de 1995 e 2003 e que foram submetidos à remoção cirúrgica da lesão.

Os parâmetros estudados foram: idade, sexo, profissão (atividade laborativa ao sol ou não) e as queixas dos pacientes.

Procurou-se avaliar também as características da lesão:

1) pterígio primário ou recidivado;

2) tamanho da lesão quantificado em graus: grau 1 quando a lesão chega até o limbo, grau 2 quando cobre a córnea em cerca de 2 mm, grau 3 quando chega até a margem da pupila e grau 4 quando ultrapassa a pupila;

3) aspecto biomicroscópico - involutivo ou carnoso, sendo que o involutivo é o que permite a visibilização das estruturas que estão imediatamente abaixo da lesão e carnoso, quando não se podem avaliar as estruturas abaixo da lesão.

Os dados foram submetidos à avaliação estatística, estudando-se a distribuição de Freqüência de Ocorrência e o Teste do Qui-quadrado para uma amostra.

 

RESULTADOS

No período do estudo, 55,28% dos pacientes operados para remoção da lesão eram do sexo feminino, com diferença estatisticamente significativa [X2=8,78 (p<0,005)].

Quanto à idade, a maioria dos pacientes (67,01%) encontrava-se acima de 40 anos por ocasião da cirurgia [X2=8,78 (p<0,005)] (Quadro 1).

 

 

Com relação à exposição solar, para a maioria dos indivíduos (68,51%) não houve associação entre a presença da lesão e a atividade laborativa com exposição ao sol [X2=81,48 (p<0,0001)].

Os pacientes se queixaram principalmente do efeito anti-estético da lesão (59,20%), hiperemia (15,0%) e dor ocular (15,0%) (Quadro 2). A associação de queixas esteve presente em vários pacientes.

 

 

A maioria dos portadores apresentou pterígio primário (77,08%). Os demais apresentaram pterígio recidivado: uma (19,94%), duas (0,83%) ou mais que 3 recidivas (2,21%) [X2=2142,50 (p<0,00001)] (Quadro 3).

 

 

Os pterígios grau 2 (69,6%) e do tipo carnoso (86,7%) foram os mais encontrados (Quadro 4 e 5). Havia dois pacientes (1,4%) com pterígio grau 4.

 

 

 

DISCUSSÃO

Com relação à idade, pessoas mais idosas têm mais chance de apresentar a lesão(3,14), o que se confirmou no presente estudo, quando indivíduos na faixa etária acima de 40 anos foram os mais acometidos.

Este estudo, assim como outro também feito a partir de uma amostra de indivíduos portadores de pterígio que haviam sido submetidos a exérese da lesão(6), e pesquisa feita na China(15), apresentou predomínio da lesão em mulheres. Este fato está muito mais relacionado à procura do tratamento por estética do que por uma tendência de ocorrência da lesão relacionada ao sexo. Esta observação está fortemente consubstanciada pelas queixas dos indivíduos, já que a estética foi a queixa predominante na amostra estudada.

Em outro levantamento, feito no Peru, que levou em conta uma amostra colhida em 4 hospitais daquele país, observou-se que não houve predomínio estatisticamente significativo de sexo ou ocupação(16).

Porém, por exercerem os indivíduos masculinos mais atividades laborativas com exposição solar, estariam eles mais predispostos ao desenvolvimento da lesão(8). No presente estudo, procurou-se estabelecer a existência de correlação entre exposição solar e a presença da lesão. Esta é uma caracterização difícil de ser feita em nosso meio, uma vez que os indivíduos mudam de atividade com certa freqüência, não se tendo como mensurar a quantidade de exposição que a pessoa possa ter sofrido. Estudos feitos em outros países, como Austrália e Estados Unidos, demonstraram forte correlação positiva entre a exposição à radiação ultravioleta (UV) e o desenvolvimento do pterígio(17-18). Numa população do Saara, foi verificado que a gravidade e a duração da exposição ao sol são importantes no desenvolvimento da lesão(19). Em indivíduos que viveram 5 anos em latitudes menores que 30 graus e exercendo atividades predominantemente fora de casa, houve 40 vezes mais chance de desenvolver pterígio. Além disso, o uso de óculos com proteção UV e chapéu foram considerados medidas úteis para prevenção da lesão. Outros autores reconhecem a dificuldade de mensurar a exposição à radiação UV e comentam que ela é cumulativa e bastante nociva, principalmente quando ocorre em jovens e persiste por 2 ou 3 décadas(20-21).

Outro ponto a ser melhor elucidado é a existência de maior número de portadores entre habitantes de populações rurais: ocorrência em 1,2% dos indivíduos de Melbourne e 6,7% dos que moram na área rural desta cidade(22). Este fato pode ter associação apenas com a maior exposição solar a que estão sujeitos estes indivíduos.

Apesar de não se ter avaliado no presente estudo a associação entre pterígio e raça, parece que portadores de pele e cabelos mais pigmentados estão mais propensos a desenvolver o pterígio(3). Avaliação feita em Barbados mostrou incidência superior de pterígio em negros (23,4% em negros e 10,2% em brancos)(23).

As queixas mais observadas estiveram relacionadas com a estética. Porém, o pterígio é causador de desconforto importante, uma vez que leva à quebra e desestabilização do filme lacrimal, criando áreas "secas" e predispondo a alterações corneanas. As queixas são mais importantes nos pterígios carnosos, devido à elevação da lesão e a maior quantidade de vasos dilatados.

O pterígio primário esteve presente em 77,08% dos pacientes deste estudo. A chance de recidiva ou recorrência da lesão é bastante variável - 10%(9) a 40%(24-25) - e muitos são os fatores que podem estar com ela relacionados, inclusive a manutenção das condições climáticas e de exposição aos agressores que persistem no ambiente depois do tratamento.

Quanto às características do pterígio, como em qualquer estudo retrospectivo, os dados não estavam presentes em todos os portadores. Este fato também se observa em outros estudos, feitos por aplicação de questionários ou por enfermeiras(26). Assim, mesmo foi possível observar na amostra aqui estudada, que a maioria possuía pterígio grau 2 e do tipo carnoso.

O pterígio carnoso leva a maior chance de queixas relacionadas com a lesão, o que deve ter feito com que maior número de pacientes procurasse o tratamento cirúrgico.

Importante ressaltar que foram observados pterígios grau 4, ou seja, indivíduos que possuíam a visão impedida pela presença da proliferação conjuntival sobre a área pupilar. Este fato ocorreu em 1,4% dos pacientes. Portanto, é possível encontrar em nosso meio, indivíduos portadores de cegueira evitável provocada pelo pterígio.

 

CONCLUSÃO

Observou-se maior ocorrência de pterígio em mulheres, acima dos 40 anos e portadoras de pterígio grau 2 e carnoso. Foram encontrados 1,4% de pterígio grau 4, o que permite concluir que a cegueira por pterígio ainda existe em nosso meio.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Silvana Artioli Schellini
DEP. OFT/ORL/CCP - Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP)
Botucatu (SP) CEP 18618-970
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 02.06.2004
Versão revisada recebida em 03.01.2005
Aprovação em 17.01.2005

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Medicina de Botucatu da UNESP. Botucatu (SP).
Nota Editorial: Após concluída a análise do artigo sob sigilo editorial e com a anuência da Dra. Hélia Soares Angotti sobre a divulgação de seu nome como revisora dele, agradecemos sua participação neste processo.


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