Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Fundus flavimaculatus e neovascularização subretiniana: relato de caso

Fundus flavimaculatus and subretinal neovascularization: case report

Ricardo Evangelista Marrocos de Aragão1; Ieda Maria Alexandre Barreira3; Joana Gurgel Holanda Filha4

DOI: 10.1590/S0004-27492005000200021

RESUMO

Fundus flavimaculatus é distrofia retiniana hereditária, progressiva e bilateral, caracterizada por lesões amareladas, mal definidas, pisciformes no epitélio pigmentar retiniano. O aparecimento de membrana neovascular subretiniana tem sido raramente relatada como complicação da doença. Neste artigo, documentamos o caso de uma paciente com fundus flavimaculatus que evoluiu com baixa de acuidade visual por membrana neovascular subretiniana.

Descritores: Epitélio pigmentado ocular; Neovascularização retiniana; Degeneração retiniana; Fundo de olho; Angiofluoresceinografia; Verde de indocianina; Relatos de casos

ABSTRACT

Fundus flavimaculatus is a progressive, bilateral, hereditary retinal dystrophy characterized by ill-defined, yellowish, pisciform flecks at the level of the retinal pigment epithelium. Since the disease process is at level of the retinal pigment epithelium, it is not surprising that subretinal macular neovascularizations might occur. Nevertheless, they have been rarely reported as complications of the disease. The following report describes a case of fundus flavimaculatus that progressed with blurred vision by a subretinal macular neovascularization.

Keywords: Pigment epithelium of eye; Retinal degeneration; Retinal neovascularization; Fundus oculi; Fluorescein angiography; Indocyanine green; Case reports


 

 

INTRODUÇÃO

Em 1909, o alemão Karl Stargardt descreveu uma degeneração macular progressiva em sete membros de uma família. Depois, Franceschetti criou o termo "fundus flavimaculatus" para descrever achados oculares que lembravam a doença de Stargardt(1). O termo fundus flavimaculatus é aplicado quando manchas características se espalham pelo fundus e quando associado por atrofia macular usa-se o termo doença de Stargardt(2).

Fundus flavimaculatus é uma distrofia retiniana progressiva, hereditária, bilateral que se inicia nas duas primeiras décadas de vida, caracterizada por manchas pisciformes, branco-amareladas, mal definidas encontradas no fundus do epitélio pigmentar da retina(3). As lesões representam acúmulo anormal de lipofucsina na porção apical das células do epitélio pigmentado da retina(4). Clinicamente, essa condição tem sido dividida em duas formas: uma forma leve ou pura e a forma mais severa, doença de Stargardt, caracterizada pela presença de alterações atróficas na mácula(3). Fundus flavimaculatus e doença de Stargardt são fenotipicamente muito similares. Controvérsias existem se são entidades diferentes ou variações de uma mesma doença. A acuidade visual mostra grande variação entre os indivíduos afetados, dependendo da extensão das alterações maculares(4). Fundo com manchas pisciformes e com escurecimento dos vasos coroidais (silêncio coroidal) visto na angiografia fluoresceínica tem sido descrito em 51% dos casos da forma pura (ausência de alterações maculares atróficas) e 86% dos casos de doença de Stargardt(3). Essas alterações são causadas pelo acúmulo de lipofucsina(5-6). Na angiofluoresceinografia, algumas lesões pisciformes transmitem fluorescência coroidal, outras não(3). O exame de indocianinografia caracteriza-se por lesões curvilíneas hipofluorescentes correspondendo às áreas hiperfluorescentes na angiografia(7). Sabe-se que a doença se desenvolve no epitélio pigmentado e não seria surpresa encontrar neovascularização subretiniana na mácula, entretanto tal alteração tem sido raramente descrita como complicação de fundus flavimaculatus. Este artigo descreve um caso de fundus flavimaculatus com formação de membrana neovascular subretiniana na região macular.

 

RELATO DO CASO

Paciente M.H.F.R.S., 65 anos, sexo feminino, de cor branca, procurou assistência médica com queixa de baixa de acuidade visual no olho direito (OD). Ao exame oftalmológico, a paciente apresentava acuidade visual (AV) OD 20/80 e olho esquerdo (OE) 20/25 com correção, pressão intra-ocular 18 mmHg e 15 mmHg, OD e OE, respectivamente. À biomicroscopia não foram vistas alterações. À oftalmoscopia binocular indireta, foram evidenciadas lesões retinianas amareladas, pisciformes em todo o fundo de ambos os olhos (Figura 1). No OD, foi visto área elevada na região macular com áreas de sangramento subretiniano e exsudatos duros. A angiofluoresceinografia evidenciou silêncio coroidal nas fases iniciais do exame, algumas lesões pisciformes se caracterizaram por hiperfluorescência enquanto outras não, hipofluorescência por bloqueio correspondendo às áreas de sangramento e hiperfluorescência tipo "leakage" em região macular caracterizando uma membrana neovascular subretiniana (Figura 2). O exame da indocianinografia mostrou ponto quente na região foveal (Figura 3). Foi realizado também o exame OCT (tomografia de coerência óptica) que mostrou espessamento de retina na região macular no OD com redução da refletividade óptica por acúmulo de fluido intra-retiniano (Figura 4). Foi proposto à paciente tratamento com PDT (terapia fotodinâmica), mas não aceitou, tendo optado só pelo acompanhamento. A paciente evoluiu com piora da acuidade visual para 20/100 um mês após ter sido proposto o tratamento.

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Fundus flavimaculatus é uma desordem progressiva que envolve o epitélio pigmentado retiniano, fotorreceptores e a coriocapilar. No caso descrito, foram evidenciadas lesões pisciformes no fundo de ambos olhos com aparecimento de membrana neovascular subretiniana na região macular do OD. Envolvimento macular é um achado comum em fundus flavimaculatus. O achado mais comum é uma atrofia macular, a qual aparece em 90% dos casos, consistindo em alterações pigmentares da mácula que podem levar a uma atrofia da coriocapilar, epitélio pigmentado retiniano e fotorreceptores. Esses achados são usualmente associados com perda de visão progressiva. A área macular de pacientes com fundus flavimaculatus pode apresentar as manchas pisciformes típicas, ou podem ser normais em aparência, forma pura(4). No nosso caso foram evidenciadas lesões tipo pisciforme na região macular em ambos os olhos e no OD detectada membrana neovascular subretiniana na região macular, como foi documentada na angiofluoresceinografia. A formação de neovascularização subretiniana ao longo de defeitos na membrana de Bruch tem sido associada com degeneração macular relacionada à idade, histoplasmose ocular presumida, estrias angióides, miopia, distrofia viteliforme de Best, retinopatia por rubéola e rotura traumática de coróide(8) e raramente descrita em fundus flavimaculatus.

Existem poucos casos descritos na literatura internacional e achamos de grande importância à descrição deste caso por se tratar de complicação rara numa distrofia retiniana que necessita de mais estudos para maior compreensão de sua fisiopatologia.

 

REFERÊNCIAS

1. Song M-K, Small KW. Macular Dystrophies. In: Regillo CD, Brown GC, Flynn Jr HW. editors. Vitreoretinal disease: the essentials. New York: Thieme; 1999. p.293-5.        

2. Armstrong JD, Meyer D, Xu S, Elfervig JL. Long-term follow-up of Stargardt's disease and fundus flavimaculatus. Opthalmology. 1998;105(3):448-57; discussion 457-8.        

3. Bottoni F, Fatigati G, Carlevaro G, De Molfetta V. Fundus flavimaculatus and subretinal neovascularization. Graefes Arch Clin Exp Ophthalmol. 1992; 230(5):498-500.        

4. Valmaggia C, Niederberger H, Helbig H. Photodynamic therapy for choroidal neovascularization in fundus flavimaculatus. Retina. 2002;22(1):111-3.        

5. Lopez PF, Maumenee IH, de la Cruz Z, Green WR. Autosomal-dominant fundus flavimaculatus. Clinicopathologic correlation. Ophthalmology. 1990; 97(6):798-809.        

6. McDonnell PJ, Kivlin JD, Maumenee IH, Green WR. Fundus flavimaculatus without maculopathy. A clinicopathologic study. Ophthalmology. 1986;93(1): 116-9.        

7. Schwoerer J, Secretán M, Zografos L, Piguet B. Indocyanine green angiography in Fundus flavimaculatus. Ophthalmologica. 2000;214(4):240-5.        

8. Gass JDM. Stereoscopic atlas of macular diseases: diagnosis and treatment. 2nd ed. St Louis: Mosby; 1977. p.40-77.        

 

 

Endereço para correspondência
Ricardo E. Marrocos de Aragão
Rua Osvaldo Cruz, 2335
Fortaleza (CE) CEP 60125-151
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 31.05.2004
Versão revisada recebida em 29.11.2004
Aprovação em 15.12.2004

 

 

Trabalho realizado no Serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Walter Cantídeo da Universidade Federal do Ceará - UFC.


Dimension

© 2024 - All rights reserved - Conselho Brasileiro de Oftalmologia