Open Access Peer-Reviewed
Editorial

Resultados do implante bilateral de lente intra-ocular multifocal SA-40N no Hospital de Olhos de Minas Gerais

Visual outcome with binocular implantation of SA-40N multifocal intraocular lens at "Hospital de Olhos de Minas Gerais"

Cristina Moreira Salera1; Sérgio Eduardo Marciano Souza2; Márcia Reis Guimarães3; Ricardo Bicalho Campolina4; Ricardo Queiroz Guimarães5

DOI: 10.1590/S0004-27492005000100021

RESUMO

OBJETIVOS: Avaliar os resultados da facoemulsificação com implante bilateral da lente intra-ocular multifocal modelo SA-40N no Hospital de Olhos de Minas Gerais. MÉTODOS: Foram analisados retrospectivamente os prontuários de 58 pacientes (116 olhos) submetidos à cirurgia de facoemulsificação com implante binocular de lente intra-ocular multifocal modelo SA-40N. RESULTADOS: O equivalente esférico médio pré-operatório foi +1,55 dioptrias (variando de -4,25 a +6,25 D) e no pós-operatório foi -0,59 dioptrias (variando de -2,25 a +1,25 D). No trigésimo dia de pós-operatório 94 olhos (81%) apresentavam visão para longe igual a 20/20 com correção. Para a visão de perto binocular 29 (50%) pacientes eram capazes de ler J1 sem correção e 25 pacientes (43,1%), J2 sem correção. Comparando-se as acuidades visuais com correção (AVCC) antes e após a cirurgia observamos que em 68 olhos (58,6%) a AVCC foi mantida, em 33 olhos (28,4%) houve ganho de linhas de visão e em 15 olhos (12,9%) houve perda de linhas de visão. Quanto às complicações 19 pacientes (32,7%) queixavam-se de halos, em três olhos (2,6%) ocorreu edema macular cistóide e em cinco olhos (4,3%) ocorreu opacificação de cápsula posterior. Em 36 pacientes (62,1%) não foi necessária a prescrição de óculos no pós-operatório. CONCLUSÃO: Os resultados deste estudo indicam que a lente intra-ocular multifocal promove redução na dependência do uso dos óculos e grande satisfação do paciente apesar da ocorrência de halos.

Descritores: Lentes intra-oculares; Refração ocular; Catarata; Implante de lente intra-ocular; Facoemulsificação

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the outcomes of phacoemulsification with binocular implantation of SA-40N multifocal intraocular lens at the "Hospital de Olhos de Minas Gerais". METHODS: The charts of 58 patients (116 eyes) who were submitted to phacoemulsification with binocular implantation of SA-40N multifocal intraocular lens were retrospectively analyzed. RESULTS: The mean preoperative spherical equivalent was +1.55D (ranging from -4.25 to +6.25D) and after surgery it was -0.59D (ranging from -2.25 to +1.25D). Thirty days after surgery, 94 eyes (81%) achieved 20/20 for better distance corrected visual acuity. For best uncorrected binocular near vision, 29 (50%) patients were able to read J1 and 25 (43.1%), J2.When we compare the best corrected distance vision, before and after surgery, we observed that 68 (58.6%) eyes keep the same best corrected visual acuity, 33 (28.4%) eyes gained lines of visual acuity and 15 (12.9%) lost lines of vision. Regarding complications, 19 (32.7%) reported halos, three (2.6%) eyes had macular edema and five (4.3%) eyes had posterior capsular opacification. Thirty-six patients (62.1%) did not need to use spectacles. CONCLUSION: The results of this study indicate that multifocal intraocular lens bring about less dependence on spectacle wear and high patient satisfaction despite some reports of halos.

Keywords: Lenses, intraocular; Ocular, refraction; Cataract; Lens implantation, intraocular; Phacoemulsification


 

 

INTRODUÇÃO

A reabilitação visual ideal após uma cirurgia de catarata seria aquela que proporcionasse uma visão satisfatória para perto e para longe com independência do uso dos óculos(1-6).

Na ausência da acomodação natural do cristalino, uma alternativa seria o implante da lente intra-ocular (LIO) multifocal(1).

Em 1997, a lente intra-ocular "Allergan Medical Optics (AMO) ArrayTM" modelo SA-40N tornou-se a única lente intra-ocular multifocal aprovada pelo "FDA" (Food and Drug Administration) para uso nos Estados Unidos(4).

O modelo SA-40N diferencia-se do modelo antecessor (SSM-26NB) apenas pelo índice de refração do silicone utilizado para a confecção da zona óptica que passou a ser 1,46 e pelo material dos hápticos que passou a ser PMMA(1). No modelo antigo o índice de refração do silicone era 1,41 e os hápticos eram confeccionados com polipropileno(1).

Esta lente apresenta zonas concêntricas asféricas progressivas em sua superfície anterior com transições menos abruptas entre estas zonas o que proporciona uma redução na percepção dos halos(1).

As zonas 1, 3 e 5 são dominantes para a visão de longe e as zonas 2 e 4 são dominantes para a visão de perto.

No presente estudo analisamos a refração, a visão para perto e para longe, as complicações, o uso de óculos no pós-operatório e a satisfação do paciente com o resultado cirúrgico.

 

MÉTODOS

Foram avaliados, retrospectivamente, os prontuários de 58 pacientes (116 olhos) submetidos à facoemulsificação com implante de LIO dobrável multifocal modelo SA-40N (AMO). Além disso, foi realizado questionário subjetivo para a avaliação da satisfação dos pacientes.

As cirurgias foram realizadas por dois cirurgiões (Dr. Ricardo Guimarães e Dr. Ricardo Campolina) no período de novembro de 1998 a abril de 2002.

A avaliação pré-operatória para a cirurgia incluiu o seguinte:

- anamnese (idade, sexo, doenças oculares, doenças sistêmicas, profissão);

- refração dinâmica;

- medida da pressão intra-ocular;

- biomicroscopia;

- fundoscopia;

- microscopia especular (microscópio especular computadorizado sem contato);

- ecobiometria (ecógrafo A com sonda de contato);

- "PAM" (Potencial Acuity Meter).

O cálculo da lente foi realizado objetivando-se uma refração pós-operatória que variava de -1,00 a +0,50 dioptrias.

A rotina para preparação do paciente para a cirurgia consistiu em sedação com midazolan (Dormonid®) 3 ml intravenoso e cloridrato de fentanil 0,5 mg (Fentanil®) 1 ml intravenoso. Para dilatação da pupila utilizou-se uma gota dos seguintes colírios: cloridrato de proximetacaína (Anestalcon®), tropicamida (Mydriacyl®), cloridrato de fenilefrina (Fenilefrina®) e flurbiprofeno (Ocufen®). Em todos os pacientes as cirurgias foram realizadas com bloqueio peribulbar utilizando-se 6 ml de cloridrato de lidocaína 2% com vasoconstrictor (1: 400.000).

Quanto à técnica cirúrgica da facoemulsificação, foram realizadas, inicialmente, duas incisões auxiliares ("side port") afastadas 180° uma da outra e a 90° da incisão principal que foi realizada no lado temporal ou no meridiano mais curvo da córnea com o objetivo de reduzir o astigmatismo. A seguir a capsulorrexis foi realizada com cistítimo sob irrigação controlada seguida pela realização da incisão principal "clear cornea" cuja extensão padrão era de 3,0 mm podendo ser ampliada para 3,2 a 3,5 mm quando se objetivava o aplanamento corneano para correção ou diminuição do astigmatismo. Posteriormente realizou-se a hidrodissecção, a facoemulsificação e a aspiração do córtex residual. O polimento da cápsula posterior foi realizado manualmente e foi utilizado um mantenedor de câmara com irrigação contínua de BSS. Após a injeção de viscoelástico, a LIO multifocal e foi inserida no saco capsular com o auxílio de pinça. Então, o resíduo de viscoelástico foi removido através do sistema de irrigação e aspiração automatizada. Para finalizar, a câmara anterior foi preenchida com solução salina e, quando necessário, foi realizada hidratação do estroma corneano adjacente às incisões ou sutura com mononylon 10-0.

O paciente foi examinado no dia seguinte e após 30 dias de cirurgia para avaliação refracional sendo a acuidade visual para perto foi testada a 33 centímetros. No período pós-operatório foi prescrito para uso tópico a associação antibiótico/corticóide (sulfato de neomicina/sualfato de polimixina B e dexametasona) inicialmente quatro vezes ao dia com redução de uma gota a cada semana durante um mês.

 

RESULTADOS

Dos 58 pacientes estudados, 38 (65,5%) eram do sexo feminino e 20 (34,5%) do sexo masculino. A idade variou de 29 a 75 anos (média de 56,1 anos).

O intervalo entre as cirurgias dos dois olhos variou de 2 a 19 dias (média de 4,2 dias).

A tabela 1 mostra a distribuição da profissão dos pacientes.

 

 

O equivalente esférico pré-operatório médio foi de +1,55 dioptrias (variando de -4,25 a +6,25 D) enquanto que o equivalente esférico pós-operatório médio foi de -0,59 dioptrias (variando de -2,25 a +1,25 D) (Gráfico1).

 

 

Quando avaliamos a visão para longe sem correção, aos 30 dias de pós-operatório, notamos que 78 olhos (67,3%) apresentavam acuidade visual entre 20/20 e 20/30. Já a acuidade visual para longe, com correção, ficou entre 20/20 e 20/30, em 110 olhos (94,8%) (Gráficos 2 e 3).

 

 

 

 

Ao avaliarmos a visão binocular sem correção para perto observamos que 29 pacientes (50%) eram capazes de ler J1 e 25 (43,1%) liam J2 (Gráfico 4).

 

 

Ao compararmos a visão para longe com correção, antes e após a cirurgia, notamos que 68 olhos (58,6%) mantiveram a mesma acuidade visual, 23 olhos (19,8%) ganharam uma linha de visão e 10 olhos (8,6%) ganharam duas ou mais linhas de visão (Gráfico 3). Também foi observado que quatro olhos (3,4%) perderam uma linha de visão, seis olhos (5,2%) perderam duas linhas de visão e cinco olhos (4,3%) perderam três ou mais linhas de visão. Durante o exame realizado com 30 dias de pós-operatório, observou-se perdas de linhas de visão que ocorreram devido à presença de edema macular cistóide, opacificação de cápsula posterior, uveíte asséptica e percepção de halos.

A LIO multifocal foi programada para diferentes refrações no pós-operatório e obtivemos os melhores resultados quando a programação era para uma refração de +0,50 dioptrias (Tabela 2).

 

 

No que diz respeito às complicações pós-operatórias, 19 pacientes (32,7%) tiveram queixa de halos, em cinco olhos (4,3%) houve opacificação da cápsula posterior e em três olhos (2,6%) ocorreu edema macular cistóide. Em sete olhos (6%) foi realizado LASIK para correção de erro refratométrico residual.

Em 36 pacientes (62,1%) não foi necessária a prescrição de óculos e em 17 pacientes (29,3%) foi prescrito somente óculos para perto (Gráfico 5).

 

 

Foi perguntado aos pacientes o seu grau de satisfação com o resultado cirúrgico e 37 pacientes (63,8%) se consideravam satisfeitos como mostra o gráfico 6.

 

 

DISCUSSÃO

Atualmente, a cirurgia de catarata padrão é realizada através de uma pequena incisão, seguida pela implantação de lente intra-ocular dobrável. Na maioria dos casos, monofocal(1-2,4,7).

Esse tipo de lente apresenta uma amplitude de foco limitada. Como o olho pseudofácico não é capaz de acomodar, a maioria dos pacientes irá necessitar de óculos para uma adequada visão de perto(1-2,4,7).

No nosso trabalho, ao observarmos a distribuição das profissões dos pacientes, notamos que 25,9% deles eram aposentados. Esta questão é um fator de extrema importância, uma vez que o sucesso da implantação da lente multifocal encontra-se diretamente relacionado a uma adequada seleção do paciente. A princípio, a lente multifocal é desaconselhada para aqueles pacientes com exigência de visão noturna, uma vez que os halos tornam-se mais intensos à noite, em função do aumento do diâmetro pupilar.

Também é interessante ressaltar que o cirurgião deve sempre advertir quanto às possibilidades e limitações para aqueles pacientes que esperam por "super resultados" e expor as expectativas de forma real.

De acordo com a literatura mundial, a lente intra-ocular multifocal tem proporcionado uma acuidade visual para longe, corrigida ou não, comparável às lentes monofocais. Quanto à visão de perto sem correção, a lente multifocal tem mostrado melhores resultados(1,3,5,7-9).

No presente estudo, 51,7% dos pacientes ficaram com equivalente esférico pós-operatório entre -0,50 e +0,50 esférico. Resultado semelhante foi encontrado por Jacobi et cols(7). Em 67,3% dos olhos a acuidade visual monocular, sem correção para longe, ficou entre 20/20 e 20/30. Semelhante aos outros relatos da literatura(1,4,7).

No que diz respeito à visão binocular para perto, sem correção, o nosso estudo também mostrou resultados semelhantes aos de outros autores. Cerca de 50% dos pacientes eram capazes de ler J1 e 43,1%, J2(1,4-5).

Quanto ao cálculo da lente intra-ocular multifocal, obtivemos um equivalente esférico médio pós-operatório mais próximo de plano quando programávamos uma refração final de +0,50D. De acordo com alguns relatos na literatura mundial, deixar o paciente emétrope ou levemente hipermétrope minimiza a percepção de halos em comparação aos pacientes míopes(2,10-11).

No nosso estudo, 19 (32,7%) pacientes queixaram-se de halos no pós-operatório o que é uma porcentagem superior ao relatado no estudo de Häring et al(8). Esta queixa tem-se mostrado mais freqüente naqueles pacientes com lente multifocal do que com a monofocal(8,10). É interessante ressaltar que dos 38 olhos dos 19 pacientes que se queixavam de halos, 26 (68,4%) apresentavam miopia na refração final com equivalente esférico médio de -0,89D.

As complicações pós-operatórias que encontramos foram as seguintes: opacificação capsular posterior, uveíte e edema macular cistóide que foram devidamente tratados e apresentaram boa evolução com acuidade visual corrigida final de 20/30 ou melhor.

Não foi necessário o uso de óculos após a cirurgia em 36 (62,1%) pacientes o que também foi observado em outros relatos(1,2,4-5,7).

E, de acordo com a informação dos pacientes operados, 37 (63,8%) se julgam satisfeitos com o resultado da cirurgia.

 

CONCLUSÃO

Nosso estudo mostrou, assim como na literatura mundial, que o resultado do implante da lente intra-ocular multifocal é um ganho na qualidade de vida das pessoas uma vez que proporciona uma menor dependência do uso dos óculos e uma menor limitação nas atividades que requerem a visão de perto.

 

REFERÊNCIAS

1. Steinert RF, Aker BL, Trentacost DJ, Smith PJ, Tarantino N. A prospective comparative study of the AMO Array zonal-progressive multifocal silicone intraocular lens and a monofocal intraocular lens. J Cataract Refract Surg. 1999;106(7):1243-55.         Commented in: Ophthalmology. 2000;107(10):1801.

2. Sedgewick JH, Orillac R, Link C. Array multifocal intraocular lens in a charity hospital training program - a resident's experience. J Cataract Refract Surg. 2002;28(7):1205 - 10.         Commented in: J Cataract Refract Surg. 2003;29(5):858-9.

3. Kamath GG, Prasad S, Danson A, Phillips RP. Visual outcome with the array multifocal intraocular lens in patients with concurrent eye disease. J Cataract Refract Surg. 2000;26(4):576-81.        

4. Javitt JC, Steinert RF. Cataract extraction with multifocal intraocular lens implantation: a multinational clinical trial evaluating clinical, functional, and quality-of-life outcomes. Ophthalmology. 2000;107(11):2040-8.        

5. Brydon KW, Tokarewicz AC, Nichols BD. AMO Array multifocal lens versus monofocal correction in cataract surgery. J Cataract Refract Surg. 2000;26(1):96-100.        

6. Shoji N, Shimizu K. Binocular function of the patient with the refractive multifocal intraocular lens. J Cataract Refract Surg. 2002;28(6):1012-22.        

7. Jacobi PC, Dietlein TS, Luke C, Jacobi FK. Multifocal intraocular lens implantation in presbyopic patients with unilateral cataract. Ophthalmology. 2002;109(4):680-6.        

8. Haring G, Dick B, Krummenauer F, Weissmantel U, Kroncke W. Subjective photic phenomena with refractive multifocal and monofocal intraocular lenses. Results of a multicenter questionnaire. J Cataract Refract Surg. 2001;27(2): 245-9.         Commented in: J Cataract Refract Surg. 2001;27(7):1148.

9. Akaishi L, Araújo AG, Santos RC, Santos PM. Acuidade visual em implantes bilaterais de lentes intra-oculares monofocais e multifocais. Arq Bras Oftalmol. 2003;66(2):199-205.        

10. Hunkeler JD, Coffman TM, Paugh J, Long A, Smith P, Tarantino N. Characterization of visual phenomena with the array multifocal intraocular lens. J Cataract Refract Surg. 2002;28(7):1195-204.        

11. Centurion V, Lacava AC, Caballero JC. A performance visual com a lente intra-ocular multifocal refrativa AMO Array. Rev Bras Oftalmol. 1999;58(5):353-9.        

 

 

Endereço para correspondência
Cristina Moreira Salera
Rua 38, nº 296, Setor Marista
Goiânia (GO) - CEP 74150-250
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 26.05.2003
Versão revisada recebida em 09.06.2004
Aprovação em 28.10.2004

 

 

Trabalho realizado no Hospital de olhos de Minas Gerais - Clínica Dr. Ricardo Guimarães.
Cada autor declara não ter interesse financeiro no desenvolvimento ou marketing da lente estudada neste trabalho.


Dimension

© 2024 - All rights reserved - Conselho Brasileiro de Oftalmologia