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Editorial

Transposição monocular vertical dos músculos retos horizontais em pacientes esotrópicos portadores de anisotropia em A

Monocular vertical displacement of the horizontal rectus muscles in esotropic patients with "A" pattern

Ana Carolina Toledo Dias1; Mauro Goldchmit2; Carlos Ramos de Souza Dias3; Frederico Augusto Costa Reis4

DOI: 10.1590/S0004-27492004000500011

RESUMO

OBJETIVO: Estudar a eficácia da transposição vertical monocular dos mús-culos retos horizontais, proposta por Goldstein, em pacientes esotrópicos portadores de anisotropia em A, sem hiperfunção de músculos oblíquos. MÉTODOS: Foram analisados, retrospectivamente, 23 prontuários de pacientes esotrópicos portadores de anisotropia em A > 10delta, submetidos a transposição vertical monocular dos músculos retos horizontais. Os pacientes foram divididos em 2 grupos, de acordo com a magnitude da incomitância pré-operatória; grupo 1 era composto de pacientes com desvio entre 11delta e 20delta e grupo 2 entre 21delta e 30delta. Foram considerados co-mo resultados satisfatórios as correções com A < 10delta ou V < 15delta. RESULTADOS: A média de correção absoluta obtida foi, no grupo 1, de 16,5delta e no grupo 2, de 16,6delta. No grupo 1, 91,6% dos pacientes apresentaram resultados cirúrgicos considerados satisfatórios e no grupo 2, 81,8% (p=0,468). CONCLUSÃO: O procedimento cirúrgico proposto por Goldstein é efetivo, não havendo diferença estatisticamente significante entre a magnitude da anisotropia pré-operatória e a correção obtida.

Descritores: Estrabismo; Esotropia; Músculos oculomotores; Movimentos oculares

ABSTRACT

PURPOSE: To report the effectiveness of the vertical monocular displacement of the horizontal rectus muscles, proposed by Goldstein, in esotropic patients with A pattern, without oblique muscle overaction. METHODS: A retrospective study was performed using the charts of 23 esotropic patients with A pattern > 10delta, submitted to vertical monocular displacement of the horizontal rectus muscles. The patients were divided into 2 groups in agreement with the magnitude of the preoperative deviation, group 1 (11delta to 20delta) and group 2 (21delta to 30delta). Satisfactory results were considered when corrections A < 10delta or V < 15delta were obtained. RESULTS: The average of absolute correction was, in group 1, 16.5delta and, in group 2, 16.6delta. In group 1, 91.6% of the patients presented satisfactory surgical results and in group 2, 81.8% (p = 0.468). CONCLUSION: The surgical procedure, proposed by Goldstein, is effective and there was no statistical difference between the magnitude of the preoperative anisotropia and the obtained correction.

Keywords: Strabismus; Esotropia; Oculomotor muscles; Eye movements


 

 

INTRODUÇÃO

A etiologia das anisotropias do meridiano vertical tem sido assunto controverso desde a década de 50, tendo surgido a partir de então diversas teorias a esse respeito(1-4). Atualmente, parece unânime atribuir-se o problema, na maioria dos casos, à disfunção dos músculos oblíquos, quer seja de causa inervacional ou mecânica(1,4).

Entretanto, algumas vezes a magnitude da incomitância é desproporcional ao grau de disfunção desses músculos, o que faz supor a existência de algum outro fator como causa. Recentemente, propuseram que a heterotopia das polias dos músculos retos possa ser a causa dessas incomitâncias(5).

Há, ainda, casos de anisotropia sem disfunção de músculos oblíquos e hiperfunção destes sem anisotropia(6).

O tratamento das anisotropias em A e V difere de acordo com a presença ou ausência de hiperfunção de músculos oblíquos associada. Nos casos em que ela existe, o tratamento cirúrgico é feito através do debilitamento desses músculos(1,7-11). Quando não existe disfunção ou esta é discreta e desproporcional à magnitude da incomitância, preconiza-se a transposição vertical dos músculos retos horizontais, monocular ou binocular(6-9).

Goldstein(12), em 1967, propôs a transposição vertical monocular de 4 a 8 milímetros (mm) dos músculos retos horizontais, em um grupo de 17 pacientes amblíopes, que apresentavam anisotropia média em A de 15 dioptrias (D) e em V de 25D. O deslocamento realizado seguiu a recomendação de Knapp(13), em que os músculos são transpostos no sentido em que se deseja reduzir sua ação.

Dos pacientes com anisotropia em A, 6 apresentavam exotropia (XT) e 3 esotropia (ET) e, dos pacientes com anisotropia em V, 5 apresentavam XT e 3 ET. Dentre os pacientes esotrópicos com anisotropia em A, um apresentava anisotropia pré-operatória de 15D e a transposição dos músculos retos horizontais realizada foi de 5 mm, com correção de 5D. Nos dois pacientes em que a transposição foi de 8 mm, um apresentava anisotropia pré-operatória de 16D e a correção foi de 24D e, no outro, com anisotropia pré-operatória de 25D, a correção obtida foi de 40D (ambos transformaram-se em anisotropias em V de 8D e 15D respectivamente).

Este trabalho teve como objetivo estudar a eficácia da transposição vertical monocular dos músculos retos horizontais, proposta por Goldstein(12), na correção de anisotropia em A em pacientes esotrópicos, tratados na Seção de Motilidade Extrínseca Ocular da Clínica Oftalmológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

 

MÉTODOS

Foi realizado estudo retrospectivo de 23 prontuários de pacientes [com esotropia média na posição primária do olhar (PPO) de 35,52D ± 14,12D (20D a 70D)], portadores de anisotropia do meridiano vertical em A, sem hiperfunção de músculos oblíquos, submetidos à cirurgia de transposição monocular de 5 mm dos músculos retos horizontais, segundo a técnica proposta por Goldstein(12) (elevação do músculo reto medial e abaixamento do músculo reto lateral). Para a correção da esotropia foram submetidos a retrocesso do músculo reto medial em média de 5 mm ±1,5 mm (4 mm a 11 mm) e ressecção do mús-culo reto lateral em média de 6,5 mm±9 mm (5 mm a 8 mm). Todos os prontuários pertencem à Seção de Motilidade Extrínseca Ocular da Clínica Oftalmológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e as operações foram realizadas entre 01/06/1977 e 27/07/2001, pelos assistentes da Seção, obedecendo a técnica padronizada (sutura direta do músculo transposto na esclera).

A amostra de pacientes foi composta por 9 homens (39%) e 14 mulheres (61%), com idade média de 15 ± 8,6 anos (4 a 37).

Todos os pacientes eram amblíopes (diferença de 2 ou mais linhas de acuidade visual com a melhor correção óptica, na tabela de Snellen) e não apresentavam incomitância longe/perto. Realizou-se medida dos desvios em supra e infraversão máximas, através de "cover test" alternado com prismas ou pelo método de Krimsky, de acordo com a colaboração do paciente e a severidade da ambliopia.

As cirurgias foram realizadas sempre no olho com menor acuidade visual. O período pós-operatório mínimo para avaliação do resultado foi de 3 meses, com média de 5,3 ± 4,0 meses.

Considerou-se anisotropia em A as variações do desvio horizontal, entre a supra e a infraversão, maiores que 10D. Foram considerados como sucesso cirúrgico os resultados pós-operatórios com anisotropia em A < 10D e em V < 15D.

Os pacientes foram divididos em 2 grupos, de acordo com a magnitude da incomitância pré-operatória, sendo o primeiro grupo formado pelos pacientes portadores de anisotropia entre 11D e 20D (N = 12) e o segundo entre 21D e 30D (N = 11).

Para análise dos resultados, foram aplicados os seguintes testes: teste exato de Fisher, com a finalidade de estudar a associação entre sucesso cirúrgico pós-operatório nos grupos estudados; teste de Wilcoxon, para comparar os valores dióptricos pré e pós-operatórios em cada um dos grupos e teste de Mann-Whitney, para comparar as correções obtidas entre os grupos 1 e 2. Fixou-se em 0,05 ou 5% o nível de rejeição da hipótese de nulidade.

 

RESULTADOS

Os resultados encontram-se nas tabelas 1 e 2.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Almeida empregou a cirurgia monocular dos músculos retos horizontais associada ao seu deslocamento vertical de 4 a 5 mm em 23 pacientes esotrópicos com anisotropias em A e V(14). Vinte pacientes portavam anisotropia em V e 3 em A. A menor correção obtida foi de 10D e a maior de 54D, com média de 25D. No presente estudo, observou-se que não houve diferença estatisticamente significante entre os valores de correção absoluta encontrados em ambos os grupos analisados (p>0,05) (Tabela 1). A correção média no grupo 1 foi de 16,5D, enquanto no grupo 2 foi de 16,6D (Tabela 1); portanto, não houve correlação entre o tamanho da anisotropia pré-operatória e a correção obtida. Esses resultados diferem dos de Almeida(14), que observou que a magnitude da correção é proporcional à magnitude da anisotropia pré-operatória, pois os grandes desvios tiveram correções maiores que os pequenos.

Teoricamente, essa cirurgia pode produzir efeito torcional sobre o olho operado, com possível diplopia pós-operatória, o que não foi demonstrado por Almeida(14). Todos os pacientes submetidos a este procedimento, analisados no presente estudo, eram amblíopes, para que se evitasse essa possível complicação.

Não houve diferença estatisticamente significante (p = 0,468) entre os resultados considerados satisfatórios em ambos os grupos, ou seja, anisotropia pós-operatória em A < 10D ou em V < 15D. No grupo 1, 91,6% dos pacientes obtiveram correção da anisotropia e, no grupo 2, 81,8% (Tabela 2).

A transposição vertical de ambos os músculos retos mediais de 5 mm, em 37 pacientes esotrópicos portadores de anisotropia em A, com desvios pré-operatórios entre 10D e 24D, foi efetiva, apresentando melhores resultados os com incomitâncias menores que 20D(8). Houve relação inversamente proporcional entre magnitude da anisotropia pré-operatória e bom resultado cirúrgico (A < 10D e V < 15D), fato não observado no presente estudo. Observando-se os resultados apresentados na tabela 1, no grupo de menor incomitância pré-operatória (11D a 20D), 3 pacientes ficaram subcorrigidos (25%) e no grupo com anisotropia pré-operatória maior (21D a 30D) a subcorreção ocorreu em 7 pacientes (63,6%). Essa informação é importante para os pacientes portadores de esotropia e que apresentam exotropia pós-operatória em infraversão, desvio que com o tempo pode desestabilizar o resultado obtido na PPO. Com os resultados obtidos, acredita-se que, frente a incomitâncias verticais maiores que 20D, a transposição vertical monocular dos músculos retos horizontais deva ser maior que 5 mm. Dessa forma, analisando-se os grupos individualmente, percebe-se que a eficácia do procedimento cirúrgico diminui à medida que aumenta a magnitude do desvio pré-operatório. Contudo, é necessário maior número de pacientes, para que se comprove esta afirmação estatisticamente.

Em outro estudo, comparou-se os resultados entre a cirurgia monocular e a binocular para correção de anisotropias em A e V(14). Os pacientes por ele estudados foram divididos em dois grupos, o primeiro constituído de 28 pacientes com esotropia com desvios, na PPO entre 20D e 60D sendo que 4 apresentavam anisotropia em A entre 20D e 40D. O segundo grupo era composto por 25 pacientes esotrópicos com desvios na PPO entre 20D e 60D , sendo 10 casos com anisotropia em A, que variavam entre 20D e 40D. Os pacientes do primeiro grupo foram submetidos à transposição vertical monocular dos músculos retos horizontais, enquanto, no segundo grupo, a transposição binocular dos músculos retos horizontais. Concluiu, assim, que ambas as técnicas foram eficazes na correção das incomitâncias, sendo a média de correção obtida com a cirurgia monocular (29,7D) moderadamente superior à média de correção obtida com a cirurgia binocular (17,5D) e que no primeiro grupo a correção foi proporcional ao grau de anisotropia pré-existente, corroborando a afirmação anterior, mesmo com resultados tidos como satisfatórios em ambos os grupos; pacientes com incomitâncias menores obtiveram desvios pós-operatórios menores.

Para a correção da esotropia os pacientes foram submetidos a retrocesso do músculo reto medial em média de 5 mm (4mm a 11 mm) e ressecção do músculo reto lateral em média de 6,5 mm (5 mm a 8 mm). É possível, sob o ponto de vista mecânico, supor-se que o efeito da transposição vertical dos músculos retos horizontais possa ser variável dependendo da magnitude do retrocesso do músculo reto medial realizado. Na amostra, em 22 dos 23 pacientes estudados os retrocessos do músculo reto medial variaram de 4 a 6 mm, diferença que a nosso ver provavelmente não deve interferir no resultado da transposição. Seguramente futuros estudos serão necessários para investigar uma possível variação do efeito da transposição com diferentes magnitudes dos retrocessos, essa análise não foi realizada por não se tratar do objetivo deste estudo.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se assim que, nos pacientes esotrópicos portadores de anisotropia em A com incomitâncias entre 11D e 30D, a transposição monocular vertical dos músculos retos horizontais de 5 mm é efetiva, não havendo diferença estatisticamente significante entre a magnitude da anisotropia pré-operatória e a correção obtida.

 

REFERÊNCIAS

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13. Almeida HC. Correction of A and V syndromes acting upon only one eye. In: 2nd Meeting of the International Strabismological Association. Proceedings. 134-7,1974        

14. Almeida HC. Correção cirúrgica das anisotropias em A e V [tese]. Belo Hori-zonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 1978.        

 

 

Endereço para correspondência
Rua Martinico Prado, 284/61
São Paulo (SP) - CEP 01224-010
E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 14.08.2003
Versão revisada recebida em 13.04.2004
Aprovação em 23.04.2004

 

 

Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos ao Dr. Tomás Fernando Scalamandré Mendonça.


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