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Editorial

Validade da topografia de córnea na cirurgia refrativa com excimer laser

Validity of corneal topography in refractive surgery with excimer laser

Orlando da Silva Filho1; Paulo Schor1; Mauro Campos1; Mariza Toledo de Abreu1; Sandra Maria Canelas Beer1

DOI: 10.1590/S0004-27492003000700008

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os resultados refracionais e a segurança do procedimento cirúrgico PRK (ceratectomia fotorrefrativa) com base na topografia de córnea no pré-operatório. MÉTODOS: Participantes - 44 sujeitos que tinham realizado cirurgia refrativa, com o procedimento ceratectomia fotorrefrativa, os quais apresentaram topografias irregulares pré-operatórias. O grupo controle consistiu de 44 sujeitos com topografia regular pré-operatória. Os 88 olhos foram submetidos a ceratectomia fotorrefrativa utilizando-se o "Summit Apex plus Excimer Laser". As topografias irregulares e regulares foram obtidas pelo "Corneal Analysis System"(EyeSys), sendo consideradas como topografias irregulares os seguintes achados: ápice deslocado acima de 1,5 D (AD), asfericidade maior que 0,25 D/mm (AS), obliquidade maior que 15 graus (OB), assimetria inferior-superior igual ou maior que 1,5 D (IS), curvatura maior que 47 D (CU) e combinação de 2 critérios (CB). Principal efeito medido: perda de uma ou mais linhas que foram definidas com segurança para o prognóstico. RESULTADOS: Todos os pacientes foram acompanhados por 6 meses. Verificou-se perda significativa de acuidade visual corrigida em pacientes submetidos ao procedimento PRK-AD (p< 0,001), PRK-CO (p<0,05). CONCLUSÃO: Este estudo sugere que pacientes que desejam ser submetidos a cirurgia refrativa devem realizar a topografia de córnea pré-operatória e que, se encontradas irregularidades topográficas nestes pacientes, isto pode indicar a perda de linha de visão corrigida pós-operatória.

Descritores: Miopia; Cirurgia a laser; Topografia da córnea; Ceratectomia fotorrefrativa por excimer laser; Erros de refração; Baixa visão

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the refractive results and safety of PRK (photorefractive keratectomy) based on the preoperative corneal topography. METHODS: 44 operated eyes, using the photorefractive keratectomy process, and which presented preoperative topographical abnormalities. The control group consisted of 44 eyes with preoperative normal corneal topography. Eighty-eight eyes were submitted to the photorefractive keratectomy process using the Summit Apex plus Excimer Laser. Corneal topographies were accessed by the EyeSys Analysis system; the topographic abnormalities which were considered are the following: apex displacement above 1.5D (AD), asphericity above 0.25D/mm (AS), obliquity above 15 degrees (OB), inferior-superior asymmetry equal to or more than 1.5D (IS), curvature above 47D (CU) and two combined features (CB). Main measured outcome: loss of one or more lines were safety defined for the prognosis. RESULTS: All patients were followed up during 6 months. A significant loss of BCVA occurred in PRK-AD (p<0.001) and PRK-CO (p<0.05). CONCLUSION: These data suggest that patients, who wish to be submitted to the refractive surgery must undergo preoperative corneal topography analysis and if any topographic abnormality is found in these patients, this can indicate the loss of lines of corrected vision after surgery.

Keywords: Myopia; Laser surgery; Keratectomy; photorefractive; Excimer laser; Cornea topography; Refractive errors; Low vision


 

 

INTRODUÇÃO

A topografia de córnea é um dos exames habitualmente executados antes da cirurgia refrativa, sendo fundamental na avaliação do paciente, podendo esta ser contra-indicada conforme o seu resultado.

Atualmente, observa-se que dois procedimentos de cirurgia refrativa são muito utilizados, a ceratectomia fotorefrativa (PRK)(1) e a ceratectomia fotorefrativa associada à ceratotomia lamelar (LASIK)(2), primeiramente descrita por Pallikaris(3).

O LASIK oferece uma recuperação visual mais rápida, com menos dor, porém maior custo em relação ao PRK(4-5). Os riscos pré-operatórios relatados para o Lasik são intrinsicamente maiores do que os encontrados para o PRK(6). As complicações no pós-operatório para o PRK incluem opacidade corneana ("haze") e regressão como uma maior limitação para este procedimento. As complicações para o Lasik incluem problemas na confecção do "flap" corneano e ectasia da córnea, que ainda não é totalmente compreendida nem controlada(7).

Considerando as limitações e problemas resultantes destes tipos de intervenções cirúrgicas, é importante utilizar-se de procedimentos que possam prevenir as complicações, as quais são as maiores metas para este procedimento eletivo.

A tecnologia nos permite um diagnóstico preciso quanto às doenças da córnea, contudo, ainda restam dúvidas quanto ao resultado (potencial visual) em olhos com irregularidades da córnea. O ceratocone é dentre as doenças da córnea a que possui uma relativa contra-indicação tanto para PRK como LASIK. A literatura apresenta resultados controversos, com um restrito número de casos sem prognósticos adequados e seguros(8-9). Sabe-se que 5% de todos os candidatos indicados para cirurgia refrativa apresentam ceratocone. O diagnóstico pode ser realizado por meio do exame da lâmpada de fenda ou reflexo corneal (Disco de Plácido ou Ceratometria)(10-11).

De acordo com a revisão na literatura dos últimos 10 anos, vários autores sugerem índices para diagnosticar um possível ceratocone. O primeiro índice foi proposto por Rabinowitz, que é conhecido como o I/S índex, onde a diferença na área de 3 mm superior/inferior é maior que 1,3 D(12), o que acarretaria um elevado risco de ceratocone. Recentemente, o referido autor elaborou o índice KISA para diagnosticar ceratocone, este procedimento combina diversos aspectos incluindo ceratometria central e assimetria da superfície semi-meridiana(12).

Smolek, Klice e Maeda também combinam variáveis, como a curvatura setorial para construir um programa, o qual tem sido incluído em algumas máquinas de topografia para avaliar o risco da córnea apresentar ceratocone(13).

Certamente que estes achados revelam progressos significativos quanto à cirurgia refrativa, porém existem dúvidas na indicação, mesmo com tais índices quantitativos.

A pesquisa tem como objetivo avaliar os resultados refracionais, e a segurança do procedimento cirúrgico PRK com base na topografia de córnea no pré-operatório.

 

MÉTODOS

Foram analisados os pacientes submetidos ao PRK entre abril de 1996 a agosto de 1999. Todos os pacientes foram examinados no Setor de Cirurgia Refrativa do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.

Os pacientes foram submetidos a uma anamnese pré-operatória, a acuidade visual foi medida com e sem correção de óculos. Verificou-se, também, a refração estática, biomicroscopia, tonometria de aplanação, exame de fundo de olho direto e indireto, paquimetria ultra-sônica e topografia de córnea obtida pelo "Corneal analysis system" (Eye Sys).

 

PROCEDIMENTO

Para a coleta de dados foram analisados retrospectivamente os prontuários de 3000 pacientes submetidos à cirurgia refrativa no período de abril/1996 a agosto/1999. Estes prontuários foram divididos em dois grupos de acordo com o aspecto da topografia de córnea. Formou-se um grupo de topografia irregular e outro grupo, o de controle, com topografia regular.

O critério de inclusão para os grupos foram: No grupo de topografias irregulares considerou-se o deslocamento do ápice acima de 1,5 D (AD), a asfericidade maior que 0,25 D/mm (AS), a obliquidade maior que 15 graus (OB), a assimetria inferior-superior igual ou maior que 1,5 D (IS), a curvatura da córnea igual ou maior que 47 D (CU), e 2 critérios combinados (CB), que foram asfericidade (AS) e curvatura maior que 47 D (CU).

Os critérios de exclusão para a cirurgia foram qualquer doença ocular sistêmica, como a manifestação clínica do ceratocone (com qualquer sinal ao exame na lâmpada de fenda ou mais que 3 critérios mencionados anteriormente na topografia), catarata, glaucoma ou desordens da retina. Pacientes com degeneração periférica da retina foram avaliados pelos especialistas e submetidos à fotocoagulação prévia ao procedimento cirúrgico refrativo quando indicado. Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento, após detalhada explanação sobre os riscos e complicações desta cirurgia. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) sob o número 0656/02.

O equipamento utilizado para a cirurgia foi o Summit Apex Plus Excimer Laser (Summit Technology - USA) e para sua realização contou-se com a equipe de médicos oftalmologistas da UNIFESP que discutiu cada caso clínico.

O período de 6 meses de seguimento (após cirurgia) foi considerado para as análises.

No grupo controle foram selecionados randomicamente 44 casos com topografias regulares, (o mesmo número de prontuários foi selecionado no grupo com topografias irregulares). Os pacientes do grupo controle foram submetidos aos mesmos exames pré-cirúrgicos.

Para as análises estatísticas foram utilizados o Teste t pareado e o teste chi-quadrado com nível de significância 0,05% (p<0,05).

 

RESULTADOS

Foram selecionados 44 casos de PRK de um total de 6000 topografias consultadas de acordo com os critérios de inclusão, as quais foram comparadas com o mesmo número de pacientes no grupo controle (44 casos). Não se encontrou diferença estatística (p< 0,05) quanto ao sexo, a idade e a acuidade visual corrigida com óculos.

Os pacientes possuíam de 20 a 52 anos, sendo que o grupo com topografia regular tinha em média 29 anos e o grupo com topografia irregular 32 anos. A amostra foi composta de 38 homens e 50 mulheres. No grupo com topografia regular encontrou-se 21 pessoas do sexo masculino e 23 do sexo feminino. No grupo com topografia irregular verificou-se 17 pacientes do sexo masculino e 27 do sexo feminino (Tabela 1).

 

 

Não se encontrou paciente com menos de 6 meses de seguimento. Somente um olho de cada paciente foi analisado, usualmente o que apresentava maior irregularidade. O equivalente esférico e o componente cilíndrico no pré-operatório foram similares estatisticamente no grupo controle e no grupo de topografias irregulares, assim como o resultado refracional pós-operatório em ambos os grupos (Tabela 2).

A distribuição quanto à irregularidade topográfica da córnea mostrou 24 olhos no grupo ápice deslocado (AD), 4 olhos no grupo asfericidade maior que 0,25 D/mm (AS), 4 olhos no grupo obliquidade maior que 15 graus (OB), 5 olhos no grupo assimetria inferior - superior maior que 1,5 D (IS), 5 olhos no grupo curvatura maior ou igual a 47 D (CU), e 2 olhos no grupo de critérios combinados (CB) (Tabela 3).

A segurança foi analisada de acordo com a perda de linha com a melhor acuidade visual corrigida. Foi observada uma diferença significativa de diminuição de 1 ou mais linha de visão usando a Tabela de Snellen entre o grupo de topografia regular (controle) e o grupo de topografias irregulares, assim como entre os subgrupos de topografia irregular (Tabela 4). Se for considerado a perda de 2 ou mais linhas de visão não há diferença significativa.

Os resultados apresentados mostram o resultado da cirurgia refrativa através da análise de um dos exames pré-operatórios realizados com pacientes, em dois grupos diferentes. Os dados revelam que o resultado da topografia pode ser um determinante na indicação ou contra-indicação deste processo cirúrgico.

 

DISCUSSÃO

As limitações da topografia da córnea como a dinâmica do filme lacrimal, o epitélio corneano, os erros nas distâncias medidas, a interpolarização matemática e a falta de leitura central são fortes variáveis no resultado do exame. Ainda assim, este método é o padrão para conseguir tanto qualitativamente como quantitativamente os dados referentes à superfície anterior da córnea.

A cirurgia refrativa pode ser contra-indicada em função da topografia da córnea, quando apresenta irregularidade ou astigmatismo assimétrico que compõem características clínicas de uma doença chamada ceratocone.

Algumas considerações clássicas para contra-indicação de cirurgia em pacientes com ceratocone advém da baixa espessura da córnea, a qual pode acelerar uma instabilidade biomecânica e determinar a ectasia corneana.

Observa-se que outras características são relatadas para a multifocalidade que antecedem a cirurgia, a qual não permite aos pacientes uma acuidade visual de 20/20, e podem levar a um resultado insatisfatório com a perda da melhor acuidade visual corrigida após o procedimento refrativo(14).

O estudo não encontrou pacientes que tivessem um diagnóstico clássico de ceratocone, mas é realmente possível que a nossa metodologia, como mencionado anteriormente, falhe em alguns pontos do diagnóstico desta doença. A única possibilidade de se resolver este dilema seria seguir os pacientes e observar se estes desenvolverão ectasia corneana. Possivelmente, no futuro será investigada a probabilidade genética.

Conforme a revisão na literatura, observa-se que muitos estudos demonstraram a segurança dos procedimentos refrativos com base em um número de olhos que obtiveram como resultado a perda de linhas de visão(15). Estes estudos são utilizados em agências como o Food and Drugs Administration (FDA), que recomendam seu uso clínico. Considerando a relevância desta cirurgia para a satisfação do paciente, buscou-se obter mais informação através do estudo da topografia de córnea, no pré-operatório.

Encontrou-se na literatura, dados mostrando uma perda de linhas de 0 a 24%(16-19).

O procedimento de cirurgia refrativa pode ser considerado seguro para casos com menos de 5% de perda de 1 para 2 linhas de visão, como foi encontrado no grupo controle deste estudo. Neste grupo com topografia de córnea regular submetido ao procedimento PRK, verificou-se que nenhum olho perdeu acuidade visual corrigida através de óculos. Entretanto 20% dos pacientes que apresentaram irregularidades topográficas da córnea submetidos ao procedimento do PRK apresentaram perda mínima de uma linha de acuidade de visão corrigida.

Considerando esta discussão substancial para a cirurgia refrativa, a questão da segurança quanto à aplicação desta intervenção cirúrgica, pode-se dizer que a mesma não é segura nos casos em que o paciente apresenta uma topografia irregular. Os dados revelaram que os achados na topografia pode ser um determinante na indicação ou contra-indicação deste processo cirúrgico.

A acuidade visual pré-operatória dos pacientes com topografia de córnea irregular foi comparada com o grupo controle. A acuidade visual no pós-operatório diminuiu em olhos de topografia irregular submetidos ao procedimento refrativo. Aplicou-se a análise estatística para verificar em que padrão de irregularidade determinou a perda de linha de visão. Recentemente, Applegate mostrou que a córnea é responsável por uma grande parte de aberrações no caminho óptico e isto pode explicar especialmente o decréscimo na função visual em baixo contraste(20).

Holladay descreveu a importância da mudança de perfil corneano após a cirurgia refrativa e correlacionou tal achado com a baixa visão em baixo contraste(21).

O referido estudo mostrou perda de linha de visão significativa em pacientes que apresentavam topografia com ápice deslocado ou fatores combinados (asfericidade aumentada e curvatura maior que 47 D) e foram submetidos ao PRK. Acredita-se que um pequeno número de casos isolados limitam a conclusão por fatores individuais que devem ter influenciado na perda de linhas, mas concorda-se que olhos com anormalidades na topografia da córnea favoreçam a perda de linhas da visão mais que em olhos com topografia normal, como nas topografias de córnea avaliadas no grupo controle.

 

CONCLUSÃO

O presente estudo revelou que o exame da topografia de córnea pré-operatória pode determinar uma intervenção cirúrgica ou contra-indicá-la. A cirurgia refrativa deve ser evitada nos casos em que se encontrar irregularidades na córnea.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Orlando da Silva Filho
Av. Brigadeiro Faria Lima, 1597/ 9º andar
São Paulo (SP) CEP 01452-001

Recebido para análise em 26.09.2002
Versão revisada recebida em 21.03.2003
Aprovação em 07.04.2003

 

 

Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - Departamento de Oftalmologia
Nota Editorial: Pela análise deste trabalho e por sua anuência na divulgação desta nota, agradecemos aos Drs. Paulo André Polisuk e Hamilton Moreira.


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