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Editorial

LASIK em programa de treinamento médico: complicações relacionadas a microcerátomos

LASIK in a residency program: microkeratome-related complications

Eliana Domingues Gonçalves1; Mauro Campos1; Helena Tanaka1

DOI: 10.1590/S0004-27492003000700003

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar as complicações da ceratomileuse assistida por excimer laser in situ - LASIK - relacionadas ao microcerátomo em um centro de treinamento médico. MÉTODOS: O total de 1611 olhos submetidos a ceratomileuse assistida por excimer laser in situ foram estudados retrospectivamente no período de janeiro de 1998 a junho de 2000 no setor de cirurgia refrativa do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP-EPM. RESULTADOS: As complicações relacionadas com o microcerátomo na ceratomileuse assistida por excimer laser in situ foram 26 (1,61%), das quais 9 (34,61%) foram de lamelas incompletas, 9 (34,61%) finas, 2 (7,69%) lamelas sem pedículo, 5 (19,23%) irregulares e 1 (3,84%) perfurada. CONCLUSÃO: A prevalência de complicações com microcerátomo em centro de treinamento médico foi baixa e o treinamento de residentes e estagiários mostrou ser uma prática viável.

Descritores: Ceratomileuse assistida por excimer laser in situ; Cirurgia a laser; Córnea; Internato e residência; Complicações intra-operatórias

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate microkeratome complications related to laser in situ keratomileusis - LASIK - in a residency program. METHODS: A total of 1,611 eyes were retrospectively evaluated after being submitted to laser in situ keratomileusis - LASIK surgery from January 1998 to June 2000 in the Refractive Surgery Clinic. RESULTS: There were 26 (1.61%) complications on performing the flap with the microkeratome and, described as 9 (34.61%) incomplete flap, 9 (34.61%) thin, 2 (7.69%) free cap, 5 (19.23%) irregular, 1 (3.84%) buttonhole. CONCLUSION: The prevalence of microkeratome complications in a residency program was low and the training of residents and trainees in refractive surgery has shown to be a viable practice.

Keywords: Keratomileusis laser in situ; Laser surgery; Cornea; Internship and residency; Intraoperative complications


 

 

INTRODUÇÃO

A técnica do LASIK (Laser in situ keratomileusis) está associada a idéia de recuperação rápida da acuidade visual e conforto no pós-operatório, por oftalmologistas e pacientes de cirurgia refrativa(1-3). A confecção da lamela corneana pediculada, apesar de ser uma técnica segura e facilmente reprodutível, apresenta percentual de complicações em torno de 0,4% a 10%, e o manuseio dos microcerátomos está associado a uma curva de aprendizado(2-5). As complicações geralmente estão relacionadas ao tempo de sucção ou ao microcerátomo e são descritas as eventuais perfurações corneanas, lamelas incompletas, irregulares, finas, sem pedículo ("free cap") e perfurada ("buttonhole")(1-14).

Estudam-se os fatores predisponentes para cada uma delas como ceratometria prévia, irregularidades corneanas, diâmetro corneano, sincronismo entre os motores de avanço e vibração da lâmina do microcerátomo, sucção e PO (pressão intra-ocular) inadequadas, assim como a melhor conduta para cada caso(2).

Estas complicações podem evoluir com astigmatismos irregulares, cicatrizes estromais, "haze" e epitelização da interface e apresentar sintomas como ofuscamento ("glare") e halos, diplopias monoculares e perda de linhas de visão, piorando o prognóstico e dificultando um segundo procedimento(2,4,8,10). A perda significativa de linha de visão (mais de 2 linhas) ocorre em torno de 4%(11).

Este estudo avalia as complicações per-operatórias relacionadas à confecção da lamela no LASIK em um serviço universitário, no período de janeiro de 1998 a junho de 2000, quanto à prevalência, curva de aprendizado e possíveis fatores predisponentes.

 

MÉTODOS

Seleção dos pacientes

Foi realizada uma análise de revisão de 1611 cirurgias com a técnica do LASIK no período de janeiro de 1998 a junho de 2000, no Setor de Cirurgia Refrativa do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. As fichas dos pacientes foram acessadas por meio do livro de registro de cirurgias do serviço, de onde foram anotados: sexo, idade, profissão, dados pré-operatórios do olho operado, laser utilizado, número de reoperações, tempo de pós-operatório, complicações relacionadas ao corte do microcerátomo (lamelas incompletas, finas, irregulares, sem pedículo, perfuradas) e a experiência do cirurgião.

Exame oftalmológico

No pré-operatório foram realizados exames de acuidade visual com e sem correção, refração estática sob cicloplegia, topografia corneana, paquimetria ultra-sônica, medida do tamanho da pupila mesópica e escotópica, biomicroscopia, tonometria de aplanação e oftalmoscopia binocular indireta. Estes exames foram repetidos com um mês, três, seis meses e a cada ano de pós-operatório.

Técnica cirúrgica

Os cirurgiões foram residentes do terceiro ano e estagiários em treinamento em cirurgia refrativa monitorados por um cirurgião experiente.

Foram realizadas 1611 cirurgias (LASIK), todas unilaterais, com microcerátomo da Moria C-B® com avanço elétrico, manual ou com o microcerátomo Automated Corneal Shaper ACS - Chiron®, no laser Summit SVS Apex plus® ou no laser Aesculap-Meditec-Mel 70®.

As cirurgias foram realizadas após a instilação de colírio anestésico, assepsia da pele, proteção da margem palpebral com adesivos, colocação de blefarostato, marcação corneana com violeta de genciana, posicionamento do anel de sucção concêntrico à pupila, encaixe da cabeça do microcerátomo após aferição da PO (pressão intra-ocular) adequada, ablação do estroma com excimer laser, limpeza da interface com solução salina balanceada, reposicionamento e secagem da margem da lamela com esponja de celulose.

 

RESULTADOS

Foram analisados os dados de 1.611 olhos, dos quais 26 olhos (1,6%) apresentaram complicações durante a confecção da lamela, sendo 14 (53,8%) de indivíduos do sexo masculino, com idades variando entre 22 a 52 anos, média de 30,3 anos; mediana de 28 anos.

O período de evolução foi de cinco meses a quatro anos.

Predominaram os pacientes de cor branca 24 olhos (92,3%) e o olho direito com 16 olhos (59,2%). As complicações ocorreram em 18 olhos (69,2%) submetidos ao microcerátomo Automated corneal Shaper /ACS-Chiron® com platô de 160 micra e 1 (3,8%) com platô de 130 micra, 6 (23,0%) no Moria C-B® elétrico e 1 (3,8%) no Moria C-B® manual, sendo 21 (80,7%) no laser Summit SVS Apex plus®.

Todas as cirurgias foram feitas por estagiários ou residentes do terceiro ano. O excimer laser não foi aplicado em 12 (46,1%) cirurgias devido a confecção de lamelas inadequadas, sendo que 9 (34,6%) foram reoperadas no período de 2,5 meses a 7 meses (média de 4,5 meses), 3 (11,5%) apresentaram complicações nas reoperações e 3 (11,5%) não reoperaram. Veja Tabelas 1 e 2.

 

 

DISCUSSÃO

O Departamento de Oftalmologia da UNIFESP, setor de Cirurgia Refrativa apresentou níveis baixos de prevalência de complicações da lamela no LASIK (1,6%) em comparação a literatura (0,4% a 10%), apesar das cirurgias serem feitas por cirurgiões em treinamento (estagiários e residentes do terceiro ano). Segundo Koch, a monitorização de um cirurgião experiente (orientador) é importante na redução do número de complicação no período inicial do treinamento médico(11).

A predominância de lamelas incompletas 9 (34,6%), pode estar relacionada a inexperiência do cirurgião, falha ou obstáculos no sistema de engrenagens do microcerátomo. Na tabela 1 observa-se que uma, no total de duas lamelas sem pedículo, apresentava ceratometria inferior a 41,25; e o único com lamela perfurada 1(3,8%) apresentou ceratometria baixa, contrariando a expectativa de predomínio em córneas mais curvas, apesar de ser conhecida sua etiologia multifatorial como diâmetro corneano, perda da pressão intra-ocular, elasticidade corneana, irregularidades na lâmina, sendo sua incidência na literatura de 0,3 a 2,6%(2,10).

O laser foi aplicado em 14 (53,8%) olhos dos 9 (34,6%) reoperados, 3 (33,3%) apresentaram segunda complicação na reoperação e 1 (11,1%) terceira complicação na segunda reoperação. Nos casos reoperados 1 (11,1%) perdeu 2 linhas (paciente 7, veja tabelas 1 e 2).

Oito (30,7%) olhos perderam linhas de visão, sendo que 5 (62,5%) destes a aplicação de laser foi realizada no mesmo tempo cirúrgico da intercorrência da confecção da lamela corneana. Quatro (15,3%) olhos perderam 2 linhas de visão sendo 2 olhos (50%) devido a lamelas irregulares e 2 olhos (50%) incompletas, em 3 (75%) destes foi aplicado laser.

As piores complicações no sentido de perda de linha de visão foram as lamelas incompletas e finas, 3 (37,5%) e 2 (25%) respectivamente.

Este estudo mostrou que 18 (69,2%) olhos apesar das complicações não perderam linhas de visão, e apenas 4 (15,3%) perderam 2 linhas e nenhum mais que 2 linhas, sendo bom o prognóstico e a evolução dos casos.(2-4,7) O tempo de pós-operatório necessário para o segundo procedimento cirúrgico é descrito na literatura de 3 meses podendo ser menor no caso de lamelas incompletas. Neste estudo a média foi de 4,5 meses.

A aplicação ou não do laser após uma intercorrência na confecção da lamela deve ser avaliada. Sugere-se abortar a cirurgia. Devido a esta possibilidade sugerimos a orientação do paciente no pré-operatório quanto às complicações pós-operatórias e per-operatórias e quanto um possível segundo tempo cirúrgico.

A prevenção das complicações utilizando um "check-list" é importante, assim como a explicação de cada passo cirúrgico e desconforto relacionados ao anel de sucção e ao microcerátomo.

 

CONCLUSÃO

As complicações na confecção da lamela corneana apresentaram prevalência baixa e o treinamento de residentes e estagiários em cirurgia refrativa mostrou ser uma prática viável

 

REFERÊNCIAS

1. Cameron BD, Saffra NA, Strominger MB. Laser in situ keratomileusis-induced optic neuropathy [commented on Opthalmology 2002;109:818, discussion p. 818-0]. Ophthalmology 2001;108:660-5.        

2. Gimbel HV, Penno EE, Van Westenbrugge JA, Ferensowicz M, Furlong MT. Incidence and management of intraoperative and early postoperative complications in 1000 consecutive laser in situ keratomileusis cases [commented on Opthalmology 1999;106:1455-7]. Ophthalmology 1998;105:1839-47, discussion p.1847-8.        

3. Gimbel HV, Basti S, Kaye GB, Ferensowicz M. Experience during the learning curve of laser in situ keratomileusis [commented on J Cataract Refract Surg 1996;22:513-4]. J Cataract Refract Surg 1996;22:542-50.        

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6. Davidorf JM, Zaldivar R, Oscherow S. Results and complications of laser in situ keratomileusis by experience surgeons. J Refract Surg 1998;14:114-22.        

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9. Lam DS, Cheng AC, Leung AT. Lasik complications [commented on Ophthalmology 1998;105:1839-47, discussion p.1847-8]. Ophthalmology 1999; 106:1455-8.        

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11. Koch DD. Outcomes of initial PRK and Lasik procedures [commented on J Cataract Refract Surg 2000;26:497-509]. J Cataract Refract Surg 2000;469-70.        

12. Pereira T, Forseto AS, Nose W. Complicações per e pós-operatórias em 1000 olhos submetidos a Lasik. Arq Bras Oftalmol 2001;64:499-506.        

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Endereço para correspondência
Praça Miguel Couto, 63 - ap. 92
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E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 10.10.2002
Versão revisada recebida em 19.02.2003
Aprovação em 07.04.2003

 

 

Trabalho realizado no Setor de Cirurgia Refrativa, Departamento de Oftalmologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.


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